Dizia Napoleão que todos são virtuosos quando lhes falta a ocasião do vício. É de facto este o grande teste para as convicções alardeadas ao longo da vida e para os julgamentos que houve oportunidade de fazer sobre os outros: o teste da ocasião, ou, como disse perante os seus juízes a protagonista desse fabuloso livro “O Leitor”, “vocês, no meu lugar, não teriam feito o mesmo?”
É muito fácil debitar teses e doutrinas, defender em teoria modelos e comportamentos para melhorar o mundo. Mas tudo nesta vida é posto à prova e, mais dia, menos dia, vem a grande ocasião de que falava Napoleão, a tentação de renegar tudo o que dissémos e passarmos para o lado dos que agem como sempre se condenou. Porque nos convém, ou porque é difícil contrariar.É claro que nada se passa com racionalidade absoluta, a consciência humana raramente nos deixa sem alibis e desata a oferecer de bandeja mil e um argumentos para justificar o que pensaríamos, em abstracto, que seria injustificável. Tudo tem a sua circunstância, também chamada tentação, a qual se mede pela dificuldade de escolher entre o que nos facilitaria a vida, abdicando do que antes achávamos importante, e o que nos obriga a permanecer firmes, apesar dos obstáculos. É precisamente a força da circunstância que mede a coragem de resistir e a profundidade das convicções, e é exactamente por isso que ficamos suspensos de ver agir ou ouvir falar os que servem de referência quando a vida estende a armadilha dos casos concretos em que é preciso escolher. A vida real pode ser muito dura e será também por isso que, ao longo dos anos ,vamos decantando os que merecem ou não a nossa admiração, nos tornamos cépticos ou desconfiados ou ficamos com renovado orgulho nos poucos que se mantiveram firmes, apesar das circunstâncias. A vida ensina-nos a ser prudentes, mas também nos ensina a duvidar dos que, sendo postos à prova, arranjam mil e um artifícios para nos convencer de que, no caso deles, tudo se justifica e compreende.
No rescaldo dos acontecimentos que põem à prova os princípios de cada um, o preço mais alto que pagamos é o de ver caír, quase sem luta, aqueles com que contávamos para não deixar que as coisas acontecessem. Deve ser por isso que há tão poucos heróis, mas quero acreditar que muitos dos que cederam à primeira ameaça os seus orgulhosos estandartes tenham ao menos a noção de que, de mãos vazias, passaram a valer muito pouco. Tão pouco quanto valerem as circunstâncias com que se depararem em cada momento, porque já nada de importante se poderá esperar deles. É que, se assim não for, se o mar de justificações conseguir fazer passar incólume quem cedeu em toda a linha, essa pequena vitória será à custa da decepção e do cepticismo de muitos outros. Ou seja, salva-se o herói mas morre a causa.
É muito fácil debitar teses e doutrinas, defender em teoria modelos e comportamentos para melhorar o mundo. Mas tudo nesta vida é posto à prova e, mais dia, menos dia, vem a grande ocasião de que falava Napoleão, a tentação de renegar tudo o que dissémos e passarmos para o lado dos que agem como sempre se condenou. Porque nos convém, ou porque é difícil contrariar.É claro que nada se passa com racionalidade absoluta, a consciência humana raramente nos deixa sem alibis e desata a oferecer de bandeja mil e um argumentos para justificar o que pensaríamos, em abstracto, que seria injustificável. Tudo tem a sua circunstância, também chamada tentação, a qual se mede pela dificuldade de escolher entre o que nos facilitaria a vida, abdicando do que antes achávamos importante, e o que nos obriga a permanecer firmes, apesar dos obstáculos. É precisamente a força da circunstância que mede a coragem de resistir e a profundidade das convicções, e é exactamente por isso que ficamos suspensos de ver agir ou ouvir falar os que servem de referência quando a vida estende a armadilha dos casos concretos em que é preciso escolher. A vida real pode ser muito dura e será também por isso que, ao longo dos anos ,vamos decantando os que merecem ou não a nossa admiração, nos tornamos cépticos ou desconfiados ou ficamos com renovado orgulho nos poucos que se mantiveram firmes, apesar das circunstâncias. A vida ensina-nos a ser prudentes, mas também nos ensina a duvidar dos que, sendo postos à prova, arranjam mil e um artifícios para nos convencer de que, no caso deles, tudo se justifica e compreende.
No rescaldo dos acontecimentos que põem à prova os princípios de cada um, o preço mais alto que pagamos é o de ver caír, quase sem luta, aqueles com que contávamos para não deixar que as coisas acontecessem. Deve ser por isso que há tão poucos heróis, mas quero acreditar que muitos dos que cederam à primeira ameaça os seus orgulhosos estandartes tenham ao menos a noção de que, de mãos vazias, passaram a valer muito pouco. Tão pouco quanto valerem as circunstâncias com que se depararem em cada momento, porque já nada de importante se poderá esperar deles. É que, se assim não for, se o mar de justificações conseguir fazer passar incólume quem cedeu em toda a linha, essa pequena vitória será à custa da decepção e do cepticismo de muitos outros. Ou seja, salva-se o herói mas morre a causa.
10 comentários:
Este texto corre a uma velocidade vertiginosa cara Drª. Suzana, por isso, precisei lê-lo 3 vezes, sem ter concluído ainda se o entendi completamente.
Ajudou-me à compreensão, um pequeno excerto da crónica de Lobo Antunes, publicada na última "Visão", quando o autor cita Dickens e transcreve o diálogo de um filho que visita a mãe, doente e lhe pergunta:
-Sente dores, mãezinha?
E a velha senhora responde:
-Tenho ideia que anda uma dor por aí mas não estou certa de me pertencer.
Numa época em que tantas dores "andam por aí", não é fácil identificarmos aquelas que nos pertencem...
Belo, Bartolomeu, belíssimo!...
Suzana
Não sei se percebi bem o que lhe vai no pensamento. É um texto estimulante que dá que pensar... Não tenho a certeza da compreensão do nosso Caro Bartolomeu...
Fazem-nos falta referências. E que falta nos fazem!
Andamos muito confundidos, correndo atrás e admirando os heróis sem causa, que de heróis nada têm. São os "heróis" descartáveis, sempre firmes em cada nova "causa" que defendem.
É por isso que os sobreviventes heróis com causa merecem, mais do que nunca, admiração e reconhecimento.
Felizmente que ao longo da nossa vida conhecemos alguns "desconhecidos" heróis com causa...
Caro Bartolomeu, o defeito não é certamente seu, mas meu, que terei ficado perdida na minha reflexão. Ficámos a ganhar com o seu comentário, que também nos chama a atenção para um facto bem real, que é o de que sofremos com males que não são nossos, ou por atitudes que nos custa a assistir por parte dos outros, que pensaríamos ser capazes de manter a coerência com o que diziam e a coragem para o reafirmar. Os últimos dias têm sido particularmente cheios destes exemplos. Na verdade, compreendeu muito bem o meu texto.
Napoleão tinha razão; o meu avô também, quando dizia, a ocasião faz o ladrão! Mas mais razão tinha o meu pai em dizer, sempre que alguém enaltecia as suas próprias qualidades:- Deus me livre de gente beata!. Não era deliberadamente que ele dizia isto, tinha as suas “dores” que advinham do facto de numa das vezes em que fora “mordomo da festa” lá na terra, se ter desentendido com o padre sobre o lugar mais apropriado para o baile e, logo depois, quando o baile decorria ao som dos altifalantes pendurados nas varandas mais altas a debitarem a “moda” da época, a agulha do gira-discos ter-se fixado sempre na mesma passagem a dizer qualquer coisa como: “ele chora, chora, chora, só para andar de lambreta”. Enquanto o mesmo se repetia o padre, acabadinho de chegar de outra terra, montado na sua lambreta ouviu e entendeu que aquela passagem repetida, sem parar, como uma provocação à sua pessoa. Não vai em modas, excomungou o “mordomo”, com as implicações que isso tinha naquele tempo.
Mais tarde (depois do 25 de Abril) este padre veio a abandonar o sacerdócio porque, diziam muitos, nunca tinha tido vocação, apenas o fizera para satisfazer o desejo da família…
Mas a que propósito vem isto!? Ah! Pois, a propósito das falsas virtudes, da desfaçatez com que se nega o óbvio, das máscaras que colocam em cada momento…Estou certo que não passarão incólumes!
E se este meu comentário não tem nada a ver com assunto - desculpem lá qualquer coisinha - como parece dizer o Engº Sócrates, com aquele ar de calimero, sempre que alguém lhe aviva a memória!
Caro jotac, todos os caminhos vão dar a Roma, o seu comentário vai direito ao ponto, como bem mostra a conclusão :)
Cara Susana,
desculpe a intimidade do tratamento, de blogger para blogger.
Só parei por aqui para dizer que são comentários como o que hoje subscreve que me fazem vir aqui regularmente e nos fazem ter esperança na condição humana.
Há gente de (muito) valor e de valores!
Obrigado.
www.odivademaquiavel.blogspot.com
Seja muito benvindo, caro Núncio, nesta comunidade republicana aplica-se o ditado popular "benvindo seja quem vier por bem". E obrigada pelo seu comentário.
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