Distraído, fiel à regra auto-imposta de atravessar a silly season longe da idiotice mediática, não me tinha apercebido do bruá dos últimos dias, motivado, creio, por uma notícia do ´Expresso´. Só dei conta da agitação há poucos minutos ao ouvir José Seguro confessar que sente insegurança quanto a esta coisa dos espiões nacionais. Pretexto para comentar o assunto, apesar de serem poucos que o consideram importante. A generalidade dos cidadãos não leva nem um bocadinho a sério as repetidas estórias envolvendo a espionagem nacional.
Os factos noticiados - que só se tornarão oficiais após a conclusão do inquérito que os confirme, salvo se os resultados constituírem segredo de Estado - sugerem-me os seguintes comentários. Primeiro, a fazer fé na notícia, o tráfico de informações que tem as secretas como agente, é, afinal de contas uma via de dois sentidos. Ficáramos a saber, há dias, que a espionagem em Portugal visa a recolha sigilosa de dados que podem ser fornecidos também a empresas privadas, sendo esse procedimento normal se tiver que ver com interesses estratégicos da nação, dizem. Naturalmente que o juiz desse interesse é o próprio serviço, já que não consta que alguém a ele exterior controle o destino das informações nem aquilate do interesse no seu fornecimento. Mas agora foi revelado que pelo menos uma empresa privada de comunicações móveis forneceu dados sobre telefonemas feitos no caso por um jornalista, o que faz supor que seguirá o mesmo procedimento seja qual for o cidadão visado. Fica por saber se se trata de uma operação de permuta de informações, dação em pagamento ou qualquer outra forma de prestação recíproca. Seja como for, julgava eu - ingenuidade! - que tal conduta era punida como crime, e crime grave, mas estou convencido que alguém virá explicar - e o inquérito concluir - que é assim pela natureza da actividade das secretas, que é intrinseco da espionagem em qualquer democracia "pisar a linha" que separa a legalidade da ilegalidade, e por isso o(s) autor(es) estão antecipadamente absolvidos já que o catecismo das informações ensina que nestas coisas o fim sempre justifica os meios.
A segunda nota nada tem de irónico. Ao longo da existência dos serviços de informações em democracia, têm sido inúmeros os episódios que os envolvem e que envolvem agentes, responsáveis e tutelas. Obviamente que não ajuízo do mérito e da eficácia destes serviços (não tenho para isso o mínimo conhecimento), estando cônscio, porém, da sua importância para a protecção do Estado democrático. O que já não aceito é que estes serviços ou quaisquer outros possam, por um lado, ser instrumentalizados por quem quer que seja, havendo repetidos sinais de que nem sempre assim foi. Mas sobretudo não posso compreender, e muito menos tolerar, que os serviços de informações estejam moldados para defender o Estado dos cidadãos, encarando como ameaças à democracia direitos e as liberdades que são a essência da própria democracia.
Espero bem que alguém, com responsabilidade, resolva por ordem no bordel em que se transformaram as informações em Portugal. Em tempo de crise profunda são poucos os imperativos. Que este seja um deles em nome do que existe de sagrado em democracia.
3 comentários:
O artigo 34 da Constituição, que trata da inviolabilidade do domicílio e da correspondência, proíbe as escutas telefónicas, salvo em matéria de processo criminal.
A única excepção refere-se, pois, a matérias do foro criminal.
Entretanto, a comunicação social tem-se dado eco de uma multiplicidade de escutas,muitas até motivadas, à revelia da lei, por razões alheias a investigação criminal. Não só há escutas ilegais, como até são publicadas. E os jornais não se coíbem de praticar assim também mais uma ilegalidade. No caso vertente das Secretas e o jornalista do Público, terá havido escutas ilegais, é matéria a apurar, mas também houve saída ilegítima de informação para o Expresso. Isto é, o jornal e a generalidade dos media insurgem-se contra as escutas a um elemento da classe, insurgem-se também quanto à saída de informação "secreta" para as empresas, mas essa informação passa a ser legítima e legal, se a empresa é um órgão da comunicação social.
É neste pântano que vamos vivendo. Em que acusadores públicos e acusados acabam por se merecer mutuamente. Tudo A Bem da Nação, dizem.
Parece indiciar-se o crime do art. 194 nº 2 do CP.
No mais, é como diz.
Corte-se nas "secretas", não fazem falta.
Não há portugueses para isto.
Caro JMFA,
"Mas sobretudo não posso compreender, e muito menos tolerar, que os serviços de informações estejam moldados para defender o Estado dos cidadãos..."
E qual é a diferença dos serviços de informação dos outros serviços todos? Não são todos assim? Se virmos bem, estes até não são muito maus porque não devem fazer nenhum tirando aquilo que aparece nas notícias.
Caro Pinho Cardão,
Artigos da constituição??? Tal como os serviços de informação, essa porcaria de constituição só serve para ser atirada contra os cidadãos, não é para ser seguida pelos políticos ou funcionários do estado.
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