O alpercheiro era a árvore mais antiga do meu jardim, devia estar quase a completar vinte anos desde que o plantei, depois de muito escolher entre as que havia à venda na feira de Mafra. Era magrita e pouco promissora, em Janeiro é difícil saber se as árvores novas são robustas ou não, além disso eu ia à procura de um pessegueiro e levei algum tempo até aceitar o conselho, “leve esta que não se arrepende, os frutos são autêntico mel”.
E assim foi, devo ter tido sorte ao escolher aquele sítio para a instalar, apesar de ser um pouco ventoso ela aguentou corajosamente e a o fim de pouco tempo já nos presenteava com os seus deliciosos frutos. Primeiro poucos, lembro-me da emoção do primeiro ano em que os primeiros quatro ou cinco alperces, grandes e dourados, sobreviveram aos vendavais da Primavera e à antecipação dos passaritos gulosos, e como foram religiosamente divididos pelos membros da família, para que todos se pudessem regalar com aquele prodígio.
Cada ano dava mais, chegava a ser preciso por um pau a amparar o peso dos ramos, tão carregados eles estavam, além de ter que se tirar alguns frutos amontoados, para que outros pudessem crescer. Houve uma Páscoa em que os minúsculos frutinhos, ainda mal despontados, eram às dezenas, adivinhava-se uma colheita abundante não fosse a ideia dos meus sobrinhos de irem jogar à bola usando o tronco do alpercheiro como marco da baliza. É claro que a pontaria apontava para o alto, um golo, dois golos e…ei! Mas que ideia é essa? Boladas no alpercheiro?, fora daqui seus piratas, a darem cabo dos frutos…! Mas era tarde demais e muitos deles já juncavam a relva como se fossem pequenos berlindes verdes.
Tirando esses pequenos episódios, todos os anos enchíamos vários cestos de alperces e cheguei mesmo, por várias vezes, a fazer compota dos que amadureciam demais antes que tivéssemos tempo de lhes fazer as devidas honras à mesa.
No ano passado, durante o Inverno, o pior estrago causado por um temporal foi um dos ramos principais do alpercheiro ter sido atingido por um raio. Tive que o cortar e a árvore ficou um tanto desequilibrada no seu porte mas, mesmo assim, não falhou na sua fecundidade e pensei que se tinha recomposto. Mas este Inverno foi outro ramo grande a secar, sem aparente razão, na altura de nascerem as folhas aquele tronco ficou seco e quebradiço, não houve outro remédio senão tirá-lo, para evitar o progresso da doença que já se temia.
Em Julho ainda pudemos saborear os deliciosos alperces da nossa árvore, mas notámos que não foram tão grandes nem tão abundantes como era costume e, além disso, muitos dos frutinhos pequenos não chegaram a amadurecer e caíram antes de tempo.
Até que na semana passada a folhagem estava toda murcha, ainda verde, é certo, mas sem seiva nem viço e esta semana a árvore estava seca, os ramos quebradiços e as folhas ainda presas mas castanhas escuras, como se tivessem sido sopradas por um súbito vento abrasador.
Fiquei desolada com a morte do alpercheiro, a pensar se poderia tê-lo salvo se tivesse sabido ler os sinais de aviso dos seus troncos queixosos. Estaria atacado de um mal mais profundo que foi alastrando, enquanto eu me contentava em ir cortando um ou outro ramo menos resistente, convencida de que assim salvava o mais importante.
Ouço as notícias sobre a Europa, um País atrás do outro, e lembro-me do meu alpercheiro, não serve de nada fingir que é só um ramo ou outro a ter que ser cortado do conjunto, como se assim se contivesse a doença. Vai enganando e adiando, é certo, mas um dia olhamos a árvore e ela já não dá sinais de vida.
E assim foi, devo ter tido sorte ao escolher aquele sítio para a instalar, apesar de ser um pouco ventoso ela aguentou corajosamente e a o fim de pouco tempo já nos presenteava com os seus deliciosos frutos. Primeiro poucos, lembro-me da emoção do primeiro ano em que os primeiros quatro ou cinco alperces, grandes e dourados, sobreviveram aos vendavais da Primavera e à antecipação dos passaritos gulosos, e como foram religiosamente divididos pelos membros da família, para que todos se pudessem regalar com aquele prodígio.
Cada ano dava mais, chegava a ser preciso por um pau a amparar o peso dos ramos, tão carregados eles estavam, além de ter que se tirar alguns frutos amontoados, para que outros pudessem crescer. Houve uma Páscoa em que os minúsculos frutinhos, ainda mal despontados, eram às dezenas, adivinhava-se uma colheita abundante não fosse a ideia dos meus sobrinhos de irem jogar à bola usando o tronco do alpercheiro como marco da baliza. É claro que a pontaria apontava para o alto, um golo, dois golos e…ei! Mas que ideia é essa? Boladas no alpercheiro?, fora daqui seus piratas, a darem cabo dos frutos…! Mas era tarde demais e muitos deles já juncavam a relva como se fossem pequenos berlindes verdes.
Tirando esses pequenos episódios, todos os anos enchíamos vários cestos de alperces e cheguei mesmo, por várias vezes, a fazer compota dos que amadureciam demais antes que tivéssemos tempo de lhes fazer as devidas honras à mesa.
No ano passado, durante o Inverno, o pior estrago causado por um temporal foi um dos ramos principais do alpercheiro ter sido atingido por um raio. Tive que o cortar e a árvore ficou um tanto desequilibrada no seu porte mas, mesmo assim, não falhou na sua fecundidade e pensei que se tinha recomposto. Mas este Inverno foi outro ramo grande a secar, sem aparente razão, na altura de nascerem as folhas aquele tronco ficou seco e quebradiço, não houve outro remédio senão tirá-lo, para evitar o progresso da doença que já se temia.
Em Julho ainda pudemos saborear os deliciosos alperces da nossa árvore, mas notámos que não foram tão grandes nem tão abundantes como era costume e, além disso, muitos dos frutinhos pequenos não chegaram a amadurecer e caíram antes de tempo.
Até que na semana passada a folhagem estava toda murcha, ainda verde, é certo, mas sem seiva nem viço e esta semana a árvore estava seca, os ramos quebradiços e as folhas ainda presas mas castanhas escuras, como se tivessem sido sopradas por um súbito vento abrasador.
Fiquei desolada com a morte do alpercheiro, a pensar se poderia tê-lo salvo se tivesse sabido ler os sinais de aviso dos seus troncos queixosos. Estaria atacado de um mal mais profundo que foi alastrando, enquanto eu me contentava em ir cortando um ou outro ramo menos resistente, convencida de que assim salvava o mais importante.
Ouço as notícias sobre a Europa, um País atrás do outro, e lembro-me do meu alpercheiro, não serve de nada fingir que é só um ramo ou outro a ter que ser cortado do conjunto, como se assim se contivesse a doença. Vai enganando e adiando, é certo, mas um dia olhamos a árvore e ela já não dá sinais de vida.
4 comentários:
Dizem os velhos do campo «antes que uma árvore morra, deve plantar-se outra».
Tal como as árvores, os países, ou antes, as suas economias, tambem secam, atacadas de um mal que nenhum pomareiro da finança consegue debelar.
No entanto, tal como a cara Drª Suzana tentou salvar a sua arvore dos alperces, também a Senhora Presidente do FMI aponta um tratamento para a economia da Europa. O mais provável é que vá ter de ir cortando uns ramos, conforme forem secando, mas que no próximo, a árvore acabe por secar completamente.
As perguntas que se impõem, são: que árvore deve ser plantada, em lugar daquela?, que espécie de árvore deve ser escolhida?
qual o local mais conveniente para ser plantada?
;)
Extraordinária parábola, cara Suzana.
Recomenda-se ao Dr. Passos Coelho que a mande traduzir nas diversas línguas da Comunidade e faça dela a sua intervenção de fundo na próxima reunião.
Além de não precisar dizer mais nada, a prosa poderá deliciar os governantes europeus, no caso de eles serem capazes de entender mais alguma coisa do que a linguagem estafada das cem únicas palavras que utilizam, com variantes, em todos os comunicados.
Suzana
Ainda me lembro do alpercheiro. Uma linda árvore carregada de pequenas bolinhas. Quem diria que estava muito doente e que era uma questão de tempo. Integrado num jardim tão bem cuidado, com outras árvores e arbustos vizinhos a respirarem saúde. Talvez que o conjunto tenha criado a ilusão de um alpercheiro capaz de resistir às intempéries que o atingiram. A ilusão traz surpresas desagradáveis e muitas vezes não estamos, ou não queremos estar, preparados para a dispensar.
Caro bartolomeu, não sabia dessa sabedoria, que uma árvore deve ser plantada antes que outra morra, mas faz todo o sentido, é o princípio da renovação, sem a qual tudo desaparece.Mas uma pessoa fica presa ao que conhece, sobretudo se cuidou e viu crescer e dar frutos, a última coisa em que se pensa é na finitude dela e na sua subsituição por outra que não sabemos como tratar.Além disso leva tempo, muito tempo, até aparecerem os novos frutos e é como diz, será que a nova árvore se vai dar bem naquele lugar? Transportar estas angústias todas da natureza para as construções
políticas, dá uma ideia da dimensão dos problemas :)
Caro Pinho Cardão, talvez resultasse, se ao menospudessem imaginar o doce sabor dos frutos longamente cultivados, coisa que, em política, é muito raro, vão preferindo a fast food...
Margarida, já pode ver o meu desconsolo, era uma linda árvore e o meu jardim ficou agora muito menos verdejante, acho que as "vizinhas" também sentem a falta. Mas havemos de comer outros frutos, a fazer lembrar estes, vai ver.
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