1.Foi agora anunciada a decisão do Governo de extinguir a sociedade estatal Parque Expo (PE): num comentário curioso, H. Roseta disse, e bem na minha opinião, que esta empresa já deveria ter sido extinta há muito…
2.Muita gente já nem sabe ou se recorda que esta empresa foi criada em 1993, como sociedade de capitais públicos, com a incumbência de preparar e organizar a Exposição Mundial de 1998 – a Expo/98 como ficou conhecida - que havia sido confiada a Portugal, decisão interpretada como sinal de grande confiança na capacidade de realização do País -outros tempos…
3.Tratava-se à partida de uma tarefa extraordinariamente difícil, pois a área escolhida para localização do recinto da Expo – na zona oriental de Lisboa, junto à doca dos Olivais – era na altura ocupada em boa parte por uma gigantesca e pestilenta lixeira, de resíduos urbanos e industriais, resultado da acumulação de muitos milhares de toneladas de resíduos ao longo de décadas, parecendo quase impossível que ali se pudesse, no curto espaço de 5 anos, projectar e realizar uma exposição mundial, com todos os requisitos exigidos para esse tipo de certames.
4.Acrescia que na parte dos terrenos que não eram lixeira se encontravam instaladas dezenas de indústrias, com destaque para a refinaria de Cabo Ruivo, propriedade da Petrogal. Era necessário, em tempo record, conseguir negociar a cedência de todos os espaços ocupados por essas indústrias, pagando aos proprietários o preço acordado após duras negociações…
5.A pressão do tempo jogava contra a PE e a favor das empresas ali instaladas que sabiam que a PE precisava de concluir as negociações num tempo muito curto…
6.Fiz parte, como responsável financeiro, da primeira equipa de gestão da PE que, sob a presidência do Eng.º Cardoso e Cunha (que acumulava as funções de Comissário da Exposição Mundial), lançou mãos à obra na Primavera de 1993…
7.Dispúnhamos à partida de um capital financeiro (capital social realizado) de apenas 500.000 contos, manifestamente escasso face ao elevado volume dos investimentos previstos…
8.Trabalhamos sempre com um enorme entusiasmo e espírito de missão até finais de 1996, altura em que começamos a sentir que a baix(íssim)a política tinha começado a invadir a Parque Expo – a empresa constituía à altura um alvo muito apetecível para os inevitáveis boys…
9.Em Fevereiro de 1997 – pouco mais de 1 ano antes do início da Exposição Mundial – o Eng.º Cardoso e Cunha, o Dr. Medina Carreira (administrador não executivo, indicado pela C. M. Lisboa, na altura presidida por João Soares) e eu próprio, decidimos renunciar aos cargos que vínhamos exercendo na Parque Expo…
10.E renunciamos porque concluímos que a politização do projecto, que então tinha atingido um nível insuportável – com intrigas diárias na comunicação social que dificultavam gravemente o trabalho da equipa de gestão – punha em causa, entre outras coisas, o objectivo fundamental de cumprir um modelo de projecto financeiramente solvente e economicamente equilibrado, evitando sobrecarregar o Estado…
11.Foi ainda possível à equipa que se seguiu concluir o trabalho de realização da Expo/98, um sucesso significativo, registe-se. Muitos dos nossos comentadores estarão ainda recordados desse evento…
12.Quanto à PE, de acordo com os seus estatutos originais deveria ter sido extinta dois anos depois da Expo, ou seja até final do ano 2000 se não estou em erro…alienando parte do seu património a privados e a outra parte revertendo para o Estado.
13.O que justificou que esta empresa tivesse arrastado a sua existência até hoje, 11 anos após a data prevista para a sua extinção?
14.A explicação mais plausível será de índole patriótica - a satisfação de interesses de muitos boys (e girls), com natural prejuízo do interesse do Estado, que deverá ter perdido muitas dezenas ou mesmo algumas centenas de milhões de Euros para sustentar uma empresa que, sem qq justificação razoável se transformou ,durante anos e anos, em mais um sorvedouro de dinheiros públicos…
15.Seria pois mais do que justificado que o Governo, ao decidir – e muito bem – extinguir a PE, encarregasse uma entidade independente de elaborar um relatório completo e detalhado dos custos que esta empresa impôs ao País, especialmente na fase pós Expo/98 (um LIVRO NEGRO da PE?)…os portugueses têm direito a saber…
16.Muito, muito mais haveria a contar, mas este Posto já vai longuíssimo…
8 comentários:
Ora aí está, caro Dr. Tavares Moreira; como dizem as gentes simples aqui da aldeia «falar claro e mijar direito» para que a gente se entenda.
Resta agora aferir se o governo vai conseguir «mijar direito» até que o processo fique concluso...
A Parque Expo tem, de facto, uma estória longa - longa demais - cuja análise deveria ser feita para memória e exemplo futuros. Pertenci à 1ª e 2ª comissões interministeriais encarregadas de estudar a localização do que viria a ser a Expo´98 e o seu modelo institucional e, mais tarde, tive outras responsabilidades em relação à actividade do grupo. Como referi na nota abaixo, o prolongamento para além do que seria razoável para permitir a natural liquidação de uma entidade que viu cessar a sua missão, para além da razão da manutenção artificial do emprego político, teve em minha opinião que ver a dificuldade de o accionista lidar com a dívida crescente e com a criada e alimentada ilusão de que solução passava por abrir "novas áreas de negócio" como repetidamente ouvi.
Não só com o Parque Expo, mas também com a Parque Expo, se aprendeu (espera-se) que dívida sustentada em aval do Estado é só o ponto do círculo vicioso do incremento da mesma a cada dia que passa.
Para se ser inteiramente justo, há que dizer que a existência do grupo também foi pautada por coisas notáveis. Se um dia encontrar uns papéis que tenho por aí perdidos, pode ser que volte com o tema..
A PE foi constituída por tempo indeterminado, não estando prevista a sua extinção formal. Por outro lado, o seu objecto principal era: a realização do projecto de reordenação urbana da zona de intervenção da EXPO '98 bem como a concepção, execução, exploração e desmantelamento dessa exposição.
O projecto inicial que previa custo zero para o Estado dependia de um conjunto de factores desde logo políticos. Não sei se devamos contabilizar apenas o custo do reordenamento urbano sem lhe afectar a verba de receita que teoricamente seria necessária e da responsabilidade do Estado e das autarquias. Feitas estas contas talvez o saldo final desse período não se afastasse muito do objectivo...
De qualquer forma e politicamente, a partir de Outubro de 1995 a responsabilidade pelo progressivo afastamento desse objectivo decorreu das imposições / limitações que por um lado interferiram na capacidade de execução e decisões próprias e, por outro, limitaram o ingresso de muitas receitas, nomeadamente de obras, eventos e benfeitorias de que foram beneficiários muitas entidades públicas e autárquicas, daí decorrendo desesembolsos financeiros que muito provavelmente ainda se encontram por liquidar.
Se fossem liquidadas as dívidas do Estado, das autarquias e outras entidades públicas e fossem afectas as receitas extraordinárias decorrentes das mais valias imobiliárias que o projecto criou, a dívida acumulada seria certamente liquidada com menos esforço do erário público do que de facto se verificou.
Por estratégia do Estado a PE devia ter-se tornado numa entidade em liquidação no ano a seguir ao termo da EXPO. Estou de acordo. Mas essa não foi a opção dos accionistas e terão de ser eles a explicar o porquê. Não pode ser o pagamento da dívida cumulada pois essa seria uma das tarefas da liquidação...
A manutenção de um espaço urbano condizente com os investimentos e qualificações da zona deveria ter sido assegurado pelas autarquias e politicamente deveria ter sido assegurado para aquela zona uma gestão urbana adequada e independente da PE, o que eliminaria um dos argumentos para a manutenção da PE.
Finalmente parece evidente que as elites gozaram bem da festa e festança que se seguiu e, talvez por isso, ela se tenha mantido até hoje.
Obrigado JsJ pelo seu contributo para explicar outra parte das razões para o prolongamento da vida da PE para além do tempo necessário ao cumprimento do seu escopo social. Um dos problemas para a liquidação oportuna da PE foi, efectivamente, a dificuldade de as autarquias, em especial a de Lisboa, aceitarem a responsabilidade pela gestão daqueles espaços, mantendo naturalmente os padrões de qualidade pressupostos na sua concepção; mas também, estranhamente, de alguns equipamentos que ficaram disponíveis após a realização da Expo´98. Não discordo de si quanto a um outro factor que pesou, e muito, que foi a falta de pagamento das dívidas das autarquias e do próprio Estado para com a PE. Foram factores que conduziram a um agravamento progressivo da situação financeira, tornada cada vez mais complexa e difícil de resolver. Falharam, também, hipóteses como a de aproveitamento de alguns pavilhões para acomodação de alguns ministérios, numa altura em que se pensava seriamente desocupar o Terreiro do Paço. Note-se que, falhada esta operação que permitiria com vantagens várias abreviar o fim da PE e o impacto da sua liquidação, foi para o espaço do Parque das Nações que migrou parte dos tribunais sem que se tivesse, julgo, ponderado a hipótese de aproveitamento para o efeito de activos da PE.
Continuo, porém, a pensar - sem prejuízo dos factores que refere e independentemente das responsabilidades de cada realidade antropomórfica designada pelo accionista para a gestão do grupo de empresas entretanto constituído e das sucessivas tutelas -, que o problema se foi paulatinamente agravando porque não se percebeu que o processo de cumulação de dívida estava longe de ser virtuoso e longe de poder ser invertido pelo alargamento das actividades do grupo, em especial no que respeita à prestação a terceiros (de preferência fora do círculo estadual) de serviços de planeamento e gestão de reabilitação urbana.
É uma mera opinião, mas, creia, fundada em algum conhecimento pessoal e directo de factos e circunstâncias.
Caro Tavares Moreira:
Já se disse mais e melhor neste post e nos comentários subsequentes sobre a sociedade Parque Expo do que toda a comunicação social acriticamente referiu. Fui testemunha desse tempo e lembro-me bem de uma reunião havida com o Eng. Cardoso e Cunha e com o meu amigo, Presidente e Administrador da Parque Expo,estava eu na altura num Banco de Investimento, sobre o projecto e o seu financiamento. Nessa reunião (e também noutras ocasiões, como as do projecto da Torre Vasco da Gama ) pude testemunhar o profissionalismo exigente e a dedicação que os responsáveis da Expo, a começar pelo Dr. Tavares Moreira, colocavam no Projecto. Todavia, quando ao profissionalismo e gestão exigente sucede o amadorismo político, como muitas vezes acontece, o desastre tende a ser grande. E todas as explicações são possíveis e algumas até se tornam pertinentes.
Assim, ligando pontas, devemos por respeito à verdade dos factos, que houve um aproveitamento político do PS para tomar de assalto algo que, para além da paternidade (?) e força do vulto, lhes dava proventos políticos óbvios “a festa era (agora nem tanto) sempre um bom argumento...”. E tal começou com a entrevista de J Coelho numa rádio transmontana, sobre a derrapagem, e do falecido, logo de seguida, “Já” de Miguel Portas. Daí à “Estátua” foi um instante.
Ora, ainda referindo as pontas, logo em Abril de 1996 com a renovação do mandato do CA, sujeito a mil e uma tropelias na prestação de contas - que culminou como TM refere na sua demissão e consequente recomposição - o desejo de tomar conta e de assumir os destinos e os negócios, e eram todos importantes e vultuosos, não parou de se assumir e, naturalmente, de se afastar do objectivo inicial de equilíbrio, para uma clara opção de “depois se verá”.
O conhecimento que a PE tem vindo a vender que detém dos processo de recuperação urbana, decorreu de na fase até 99 ter tido essa competência formal e efectiva (com quadros próprios), mas falta dizer que muito desse conhecimento desapareceu com a saída dos principais responsáveis e técnicos logo a seguir ao terminus da EXPO.
Por isso existe alguma falácia quando se invoca essa capacidade.
Mas já não é falácia que as pessoas que deram corpo (e a alma) por este projecto integravam, e alguns porventura ainda integram, os seus quadros. E essas pessoas devem ser respeitadas e não associadas a boys e girls pois estes são uma minoria facilmente identificável e seria uma injustiça fazê-lo por atacado.
Finalmente convém dizer que o Estado naquela área territorial tinha um valor negativo (bastante negativo). Agora tem um zona urbana e de serviços que é largamente produtora de receita. Não se arrimem gastos sem esquecer os proventos e já agora se uns são conhecidos, os gastos, que sejam também publicados os proventos a mais. Só depois se poderão fazer as contas.
Convenhamos que falta juntar aqui uma boa razão para o investimento feito ali: os fundos comunitários já estavam arredados da região de Lisboa e Vale do Tejo devido ao nível de riqueza atingido e usufruído.
Era necessário um projecto abrangente, de cariz nacional, que voltasse a abrir essa "fonte" e voltar a desequilibrar a balança dos fundos para a centralidade lisboeta...
A justificação era a Expo98, mas a razão de findo era a reabertura de acesso a fundos comunitários para a região.
Caro F. Almeida,
Em 1º lugar peço que me releve não ter feito referência ao seu Post anterior sobre o assunto, como seria mais do que justificado...
Acontece que só depois de editar o meu é que me apercebi da existência de outro sobre o mesmo tema...
Lapsos de um bloguista amador que o meu Amigo, com a sua proverbial generosidade, saberá certamente desculpar...
Quanto ao que refere sobre o vício resultante da dívida sustentada em aval do Estado, permita-me o comentário que o problema não é tanto essa dívida mas mais a forma como se encara a gestão dos recursos obtidos com tal dívida...
No caso da PE, posso dizer-lhe, como testemunha directa, que havia (i) quem considerasse que esses recursos poderiam ser utilizados à vontade, como "bem livre", sem qualquer preocupação quanto ao seu futuro reembolso, e havia (ii) quem entendesse que que esses recursos, como quaisquer outros, deveriam ser usados com rigor, parcimónia e sujeição a objectivos de eficácia, uma vez que se tornava imperativo o seu reembolso com os fundos gerados pela actividade da Empresa...
E o grande problema é que, na sequência da turbulência política que começou a varrer a PE a partir do 2º semestre de 1996, tornava-se claro que iria prevalecer a primeira das filosofias de gestão atrás referidas...
E prevaleceu, com especial intensidade a partir do final da realização da Expo...
Agoa existe uma pesada factura para pagar e, como sempre, ninguém é responsável, são todos óptimas pessoas...
O mais irónico disto tudo é que tenham ficado para a história como "maus da fita" exactamente aqueles que se bateram até ao fim pela defesa do rigor na gestão...
Como disse noutro Post, também por isto chegamos onde chegamos e estamos como estamos...
Caro JsJ,
Tem toda a razão quando diz, ao contrário do referido no Post, que não foi fixada nenhuma data para a extinção da PE nos seus estatutos originais...
Mas a realização do objecto principal (artigo 4º dos Estatutos) que bem refere, implicava, só por si, que a PE fosse dissolvida e entrasse em liquidação após a realização da Expo/98, ou seja a partir do final desse ano...
As razões pelas quais isso não sucedeu terão sido, como salientei no Post, de índole essencialmente patriótica: havia dinheiro a mais no País, era necessário encontrar saídas para esse excesso, a continuidade da PE resolvia o problema de uns quantos cidadãos excepcionalmente "dedicados" à causa pública e ajudava a enxugar uma parte daquele excesso de recursos...Por curiosidade, acabei de verificar que o capital social da PE foi aumentado em € 50 milhões em 31.12.2010, tendo sido relizados nesse mesmo dia € 15 milhões, o resto não se sabe se chegou a ser realizado...
Os resultados de exercício foram de - € 14.564.000 em 2009 e de - € 4.986.000 em 2010, mas desconhecem-se critérios quanto à contabilização de proveitos e custos, quem sabe se sobreavaliados os 1ºs e subavaliados os 2ºs...
Caro Pinho Cardão,
Recordo-me bem dessa famosa reunião que o meu Amigo refere, na qual aliás tivemos oportunidade de ser elucidados sobre básicas mas boas noções quanto ao tema do Project Finance, na altura muito em voga...
Agradeço as palavras dirigidas ao trabalho que naquela altura se fazia, norteado por uma quase "doentia" preocupação de rigor e de gestão eficaz de todas as componentes do Projecto...que nada tinha a ver com a "falperra" que se seguiu (já ANTES e DURANTE, mas sobretudo após a realização da Expo)...
Caro Gonçalo,
Tanto quanto me recordo, não foram utilizados fundos europeus para o financiamento dos projectos integrados na Expo...
Mas tb não quero garantir, posso incorrer em lapso de memória...
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