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terça-feira, 23 de agosto de 2011

À descoberta de Portugal…

Há já algum tempo que tinha curiosidade de conhecer Rio de Onor. É uma pequena aldeia do Concelho de Bragança, situada no nordeste de Portugal. Faz fronteira com a sua homónima Rihonor de Castilla, aldeia situada do lado de Espanha. Duas aldeias separadas por um rio – Rio de Onor – mas unidas pela vida comunitária.
Depois da estada em Bragança, partimos rumo à descoberta das tradições de vida comunitária e do património medieval de Rio de Onor.
A distância física é relativamente curta, cerca de 20 km, e o caminho é agradável, embora demorado. A estrada nacional que faz a ligação entre Bragança e a fronteira atravessa o Parque Natural de Montesinho oferecendo vistas bonitas e variadas.
Tivemos a sorte de conhecer alguns dos membros da Família Mariano, o Avô, o Tio Mariano assim conhecido, a filha e uma neta que tinham ido passar o fim-de-semana com o pai e o avô. O Tio Mariano, é uma memória viva da terra, ali nasceu e permaneceu até aos tempos de hoje, um poço de sabedoria e um testemunho da organização da vida comunitária. A sua amabilidade e simplicidade proporcionaram-nos um convívio que não vamos esquecer.
É pena que Rio de Onor não esteja preparado para acolher os visitantes, para lhes contar e mostrar a sua história. Poderia ser um centro de importante atracção turística, mas não é. O visitante pouco documentado fica perdido e ainda que com algum estudo prévio não tem como conhecer e descobrir a sua identidade
Rio de Onor perdeu importância e relevo enquanto posição fronteiriça, está geograficamente muito distante dos grandes centros urbanos e longe da acessibilidade a infra-estruturas modernas e das promessas da abundância e do consumismo que empurraram as gerações mais novas a procurar novos lugares para construírem as suas vidas. “As coisas andam atrás dos donos” declarou o Tio Mariano!
Algo esquecida e abandonada, com o seu património medieval em visível estado de má conservação, encontra-se entregue aos 50 habitantes de idade avançada que ali vivem em permanência. Do lado de Espanha o panorama não é menos deprimente. Dois casais e três viúvas somam a população residente.
Rio de Onor foi-nos explicado pelo Tio Mariano. As tradições comunitárias já não são o que eram - a vida tradicional comunitária terminou nos anos 80 do século passado - mas ainda há assuntos e trabalhos agrícolas que são tratados em conjunto. Ainda subsiste um regime comunitário na administração rural. Existe uma área agrícola no centro da aldeia, na qual todas as famílias têm uma parcela de terreno, que é tratada nos mesmos dias por todos, para semear e para colher. E há também um lameiro com uma área apreciável que está dado de exploração mediante o pagamento de uma renda que é gerida comunitariamente. Com a população muito envelhecida, os poucos habitantes da aldeia perderam as boiadas e os rebanhos comunitários e muitos outros usos como por exemplo a utilização da água e a definição de caminhos públicos. Não têm dinheiro para manter a aldeia como gostariam.

O Tio Mariano sorria a recordar os tempos em que as cabras e as ovelhas dos rebanhos comunitários se encaminhavam, no final de uma jornada de pasto, para os currais dos seus donos. Conheciam a sua própria casa e não havia enganos. E com as boiadas passava-se o mesmo.
A tradição da vara também acabou. Era um pau que servia para assentar através de riscos gravados na madeira as faltas cometidas pelas famílias e os castigos decididos em Conselho. A organização comunitária obedecia a orientações com incidência no dia-a-dia das famílias e a regras de uso comunitário e dispunha de uma disciplina comunitária em que imperava a sanção social. Esta disciplina assentava num quadro de valores fundamentais comunitários em que se praticavam a comunhão e o compromisso, a solidariedade e a entreajuda. O Conselho comunitário reunia duas vezes por semana, era liderado por dois “mordomos” e nele participavam os chefes das famílias. Certo dia um chefe de família, que fora emigrante em França, denunciou no Conselho que a justiça se fazia nos tribunais e logo se iniciou o fim deste regime comunitário.
A conversa animada com o Tio Mariano já ia longa, muito para lá da tradicional hora de almoço da aldeia. Esperava-o um “cozido” à transmontana que abriu o apetite a todos. Tivemos que partir, mas com a enorme vontade de voltar e responder ao convite do Tio Mariano para uma visita guiada a Rio de Onor. Lá estaremos um dia destes....
Se queremos ser um país de turismo temos que acarinhar e investir no que de bom temos para mostrar. Rio de Onor é mais um caso triste de abandono. Nas mãos dos espanhóis ou dos franceses seria tratado com “pinças”. Perante a gravíssima crise económica e social em que nos encontramos resulta evidente a urgência de aproveitarmos os recursos naturais que temos. Talvez a agricultura comunitária não seja só passado e venha a constituir uma via para explorar a riqueza das terras abandonadas e trazer algum povoamento às zonas interiores do país…

7 comentários:

Tavares Moreira disse...

Excelente e encantador relato, cara Margarida, abriu-me o apetite para uma próxima escapada a Rio de Onor, mal surja oportunidade!
E espero não perder o cozido à portuguesa!

Bartolomeu disse...

Drª. Margarida,
O Tio Mariano que não perca a esperança de voltar a ver instituído na sua Rio de Onor, a disciplina comunitária.
Mais cedo do que se poderá pensar, voltaremos todos a cultivar os campos, a criar rebanhos, o porco e as galinhas.
Mas, como diz a sabedoria popular, "ha males que vêem por bem" e esse inevitável retorno à terra, ira fazer-se de forma vantajosa para todos, dado que, desde o tempo em que a agricultura foi abandonada, trocada pela indústria e pela emigração, em busca de uma vida mais fácil e mais cómoda; aconteceu evolução. Os jóvens adquiriram um conhecimento global, precioso e, aquilo que lhes falta - o conhecimento empírico das técnicas agrículas- adquiri-lo-hão rápidamente, porque os Tios Marianos das aldeias portuguesas, guardiões do saber feito de experiência, aguardam-nos.
;)

JDACT disse...

Excelente trabalho.
A amizade é o maior triunfo da vida.
Com amizade.
JDACT

Suzana Toscano disse...

Margarida, depois da "dica" deixada pelo Massano Cardoso, agora é a sua vez de nos apontar o caminho de rio de Onor e arredores, espicaçando a curiosidade. Excelente descrição a sua, o Tio Mariano é capaz de ver aumentar a sua popularidade entre os turistas que lá apareçam, só à conta do 4r terá vários :)
Obrigada!

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Dr. Tavares Moreira
Vale a pena o passeio! Há mais coisas bonitas e interessantes para ver nas redondezas .
Caro Bartolomeu
Vamos mesmo precisar de cultivar o que comemos. E é nos jovens que temos de apostar. A situação de crise é também um momento importante para os nossos governantes reflectirem e decidirem sobre o desenvolvimento do interior do país. Precisamos de corrigir os erros do despovoamento.
Caro JDACT
Obrigada pelas suas amáveis palavras.
Suzana
A ideia foi justamente colocar Rio de Onor nas rotas do 4R!

Fernando Antolin disse...

E experimente fazer a estrada que liga Rio de Onor a Guadramil, hoje em dia alcatroada e que ainda fiz em macadame. Panoramas deslumbrantes. Também pode aproveitar e reler o livro de Jorge Dias, "Rio de Onor uma comunidade ago-pastoril", ou á sombra do secular castanheiro que à direita da estrada que segue para Rio Onor de Castilla nos abriga, ou sentada junto ao marco fronteiriço,nº608 salvo erro, que lhe fica em frente,ao começo da encosta. Se fôr pelos fins de Setembro, os vermelhos e dourados daqueles soutos, o piar dalguma perdiz ou a corrida tonta dum coelho assustado,junto ao cheiro de urzes e estevas, reconciliam-nos com a vida.

Um livrito do Torga também acompanha bem.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Fernando Antolin
Tentadoras sugestões para apreciarmos o belo da vida. Muito obrigada. E há tanto para ver, sentir e admirar. São especialmente as pequenas grandes coisas que nos fazem sentir bem com a vida.