Uma vez, um chefe de família deu uma prelecção aos seus muitos filhos dizendo que deviam poupar nos seus gastos, de modo a contribuir para que o orçamento familiar chegasse para todos. Um dos filhos, ousadamente, sugeriu que ele dissesse então quanto é que ganhava, para que todos pudessem assim avaliar o grau de esforço exigível. O pai respondeu:
- Se todos soubessem quanto é que a nossa família tem para viver, os parentes do lado mais pobre iam pensar que ganho muito, e que somos ricos; já os do lado mais abastado iam ter pena de nós e comentar como é que eu sujeito a minha família a viver com tão pouco. A uns e a outros, tal como a vocês, será apenas necessário que saibam que vivemos do meu trabalho.
Lembrei-me deste episódio porque, por esta altura, enchem-se os jornais de “notícias” com as declarações de rendimentos dos novos governantes, reproduzindo com alarde, até à canseira, o que cada um, nome por nome, tem nas contas, nas aplicações, propriedades, tudo num exercício de puro voyeurismo com que já nos vamos conformando. Mas, na verdade, não se trata de um inocente exercício de espreitadela pelas vidas alheias, o que não mereceria mais do que um gesto de impaciência pela futilidade. Trata-se, em bom rigor, do uso abusivo de uma informação que tem que ser prestada para um fim de interesse público de transparência, um fim de que tantos se reclamam em altos gritos mas do qual, afinal, não percebem absolutamente nada. Essa transparência, obtida à custa da renúncia à reserva da sua vida privada por parte dos que se dispõem a servir a causa pública, visa permitir que se confirme, ou não, que, no decurso dos mandatos, esses titulares não enriqueceram de forma desproporcionada ou inexplicável. Só isso, e nada mais, é que devia ser notícia, caso houvesse diferença digna de nota nesse contexto, tudo o mais é pura devassa que só distorce a boa intenção da lei. A devassa expõe, de uma forma leviana e gratuita, a vida privada dos que se dispõem a assumir cargos públicos e em nada contribui para a confiança dos cidadãos, uma vez que as notícias se esgotam no copy paste da declaração inicial, no anúncio aos sete ventos que fulano de tal, ministro, é rico ou é pobre, e que o outro ao lado é proprietário ou tem lá em casa um carro xpto, tornando a palavra transparência numa armadilha sem sentido. Nunca vi nenhum jornal fazer, no fim dos mandatos, o exercício contrário, que era demonstrar que a maior parte dos governantes não enriqueceram durante o exercício dos cargos, que é para isso que a lei existe, só assim tem sentido e só deste modo é que os que reclamam transparência a podem, honestamente, invocar, para obter informações que, de outro modo, não teriam o direito de exigir.
- Se todos soubessem quanto é que a nossa família tem para viver, os parentes do lado mais pobre iam pensar que ganho muito, e que somos ricos; já os do lado mais abastado iam ter pena de nós e comentar como é que eu sujeito a minha família a viver com tão pouco. A uns e a outros, tal como a vocês, será apenas necessário que saibam que vivemos do meu trabalho.
Lembrei-me deste episódio porque, por esta altura, enchem-se os jornais de “notícias” com as declarações de rendimentos dos novos governantes, reproduzindo com alarde, até à canseira, o que cada um, nome por nome, tem nas contas, nas aplicações, propriedades, tudo num exercício de puro voyeurismo com que já nos vamos conformando. Mas, na verdade, não se trata de um inocente exercício de espreitadela pelas vidas alheias, o que não mereceria mais do que um gesto de impaciência pela futilidade. Trata-se, em bom rigor, do uso abusivo de uma informação que tem que ser prestada para um fim de interesse público de transparência, um fim de que tantos se reclamam em altos gritos mas do qual, afinal, não percebem absolutamente nada. Essa transparência, obtida à custa da renúncia à reserva da sua vida privada por parte dos que se dispõem a servir a causa pública, visa permitir que se confirme, ou não, que, no decurso dos mandatos, esses titulares não enriqueceram de forma desproporcionada ou inexplicável. Só isso, e nada mais, é que devia ser notícia, caso houvesse diferença digna de nota nesse contexto, tudo o mais é pura devassa que só distorce a boa intenção da lei. A devassa expõe, de uma forma leviana e gratuita, a vida privada dos que se dispõem a assumir cargos públicos e em nada contribui para a confiança dos cidadãos, uma vez que as notícias se esgotam no copy paste da declaração inicial, no anúncio aos sete ventos que fulano de tal, ministro, é rico ou é pobre, e que o outro ao lado é proprietário ou tem lá em casa um carro xpto, tornando a palavra transparência numa armadilha sem sentido. Nunca vi nenhum jornal fazer, no fim dos mandatos, o exercício contrário, que era demonstrar que a maior parte dos governantes não enriqueceram durante o exercício dos cargos, que é para isso que a lei existe, só assim tem sentido e só deste modo é que os que reclamam transparência a podem, honestamente, invocar, para obter informações que, de outro modo, não teriam o direito de exigir.
6 comentários:
Diz bem, cara Doutora Suzana... "Pontos de Vista"!
A solução que me parece ser a mais sensata, para calar a boca a essa cambada "calhandreiros", sempre passam a vida a "meter o bedelho" nas vidas alheias... é aumentar a prole. Assim, por mais chorudo(s) que seja(m) o(s) vencimento(s, numca virão a ser alvo da cobiça alheia.
Puro voyeurismo, inveja e maldicência.
Em completa contradição com o teor de um livro cuja versão portuguesa apareceu recentemente nos escaparates: "NOBREZA DE ESPÍRITO, Um ideal esquecido" de Rob Riemen; talvez provoque algum sobressalto!
Quanto ao belíssimo exemplo inicial, parece apontar para aquilo que alguns já consideram a melhor solução para os problemas das sociedades actuais: a frugalidade e a sobriedade feliz.
Cara Suzana,
Já viu a trabalheira? É muito mais simples e medíocre fazer um copy-paste...
Suzana
Trata-se, com efeito, de um uso abusivo de informação que nada tem que ver com o dever de transparência que tem por objectivo, segundo a lei, comparar os rendimentos dos titulares de cargos políticos no ínicio e no final dos mandatos.
O que se está a fazer na praça pública não é escrutinar, é esgravatar a vida privada destas pessoas. Mas é mais do que um abuso porque a lei, assim parece, não está a ser respeitada.
Caro Bartolomeu, e resolvia-se, pelo caminho, o problema demográfico e o futuro pagamento das pensões :)
Caro just-in-time, obrigada pela recomendação do livro para elevar a nobreza de espírito, o ideal era mesmo que se tornasse um best seller!
caro fartinho da Silva, é isso mesmo, dava uma trabalheira e além disso as notícias teriam pouco impacto, uma vez que não seria escandalosas seriam consideradas "não notícias".
Margarida, temos esta especialidade nacional que é exigir imenso medidas legislativas muito avançadas e profundas e depois usamo-las pela rama, na superficialidade formal, mesmo que com isso condenando as leis às urtigas.
Excelente post.
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