“Numa maca e atrás das grades”, é assim que vem a fotografia na capa de muitos jornais de hoje, em grande plano. Nas televisões, a imagem passou uma, outra e outra vez, focando a jaula primeiro e, depois, um zoom para a maca, enquanto o moribundo respondia ao tribunal. Esperar-se-ia um grito unânime de repulsa perante esta exibição desumana de um tratamento miserável, esperar-se-ia que as sensibilidades que ainda há tão pouco tempo se revoltaram com as imagens de um homem algemado, a caminho do tribunal nos EUA, sem consideração pelo seu estatuto pessoal e profissional, se repugnassem agora em dobro ou em triplo perante este espectáculo de uma crueldade chocante. Mas Mubarak, o homem que jaz na maca dentro da jaula armada na sala do tribunal, é o “velho faraó" e a sua apresentação a tribunal um “aviso aos ditadores”, na sala estiveram mais de 600 pessoas e a sessão foi transmitida em directo, com écrans nas ruas do cairo e de várias cidades egípcias dando assim satisfação ao que os jornais chamam “movimento popular”. Uma decisão e um espectáculo de tal modo humilhantes e cruéis que desafiam a imaginação.
Talvez seja esta a verdadeira dimensão do abismo que separa as mentalidades, que as revela preconceituosas e incapazes de fazer da defesa dos princípios uma questão de facto universal. É que qualquer gesto de menos consideração por um dos “nossos” é pasto de debates, repúdios, declarações políticas, ofensas e, até, subtis insinuações quanto ao grau de civilização de quem assim desconsidera o que nós consideramos. Mas, se forem os outros a fazer isso, ou bem pior, aos “seus”, já não nos admiramos, já compreendemos os actos “justiceiros”, já alinhamos com os epítetos que não procuram mais do que disfarçar o intolerável.
Não reproduzo aqui as imagens a que me refiro porque acho a sua divulgação degradante.
Talvez seja esta a verdadeira dimensão do abismo que separa as mentalidades, que as revela preconceituosas e incapazes de fazer da defesa dos princípios uma questão de facto universal. É que qualquer gesto de menos consideração por um dos “nossos” é pasto de debates, repúdios, declarações políticas, ofensas e, até, subtis insinuações quanto ao grau de civilização de quem assim desconsidera o que nós consideramos. Mas, se forem os outros a fazer isso, ou bem pior, aos “seus”, já não nos admiramos, já compreendemos os actos “justiceiros”, já alinhamos com os epítetos que não procuram mais do que disfarçar o intolerável.
Não reproduzo aqui as imagens a que me refiro porque acho a sua divulgação degradante.
11 comentários:
Degradante para Mubarak e ainda mais degradante para a justiça e o povo egípcios. Não são estas as medidas mais corretas para corrigir ditaduras ou criminosos. Quem sabe se não irão alimentar outros ditadores ou criar mais criminosos...
O desejo de vingança é uma característica muito humana. Em determinados momentos podemos observar a emergência de comportamentos reptilianos, uma constante que nos acompanha desde a noite dos tempos, os quais, aliados à teatralidade e espetacularidade de certas situações, atraem clientes aos montes. Uma situação que não é nova e que vai decerto repetir-se noutras ocasiões.
Não sei o que é, de facto mais chocante, se as imagens se o justicialismo de quem delas se aproveita. Este é o alimento preferido dos media, sem excepção.
Nada melhor, para os orgãos de formatação, que um ditador enjaulado, completamente abandonado, o que estes miseráveis, que tentam controlar a nossa relidade, não disseram, é que este faraó, foi ajudado e alimentado por russos e americanos e europeus, e como já não servia, foi descartado. Memória curta destes imbecis, e que não falam do que não interessa. Seres rastejantes, que se esquecem, que também são descartáveis.
Nem sei como fizeram isso a uma pessoa tão boa.
Não se trata de ser bom ou mau, santo ou diabo, inteligente ou parvo, ditador ou democrata, trata-se apenas de um ser humano que tem direito a ser julgado com dignidade. É só isso, e não é pouco, porque há um paralelismo com outras situações muito menos graves perante as quais qualquer um de nós pode estar sujeito e a dignidade com que deve ser tratado qualquer ser humano é transversal e longitudinal. Claro que há os que não compreendem, ou não querem compreender, mas há sempre uma oportunidade de mais tarde ou mais cedo aprenderem...
Sim,é isso mesmo, não se trata de ser bom ou mau,para apurar isso mesmo deviam, teoricamente, servir os julgamentos. Mas quando um "julgamento" é pretexto para armar um circo brutal, cobardemente disfarçado de medidas de segurança numa sala de tribunal, não sei onde está a decência, nem o direito de julgar. E quem assim procede dá tudo menos garantias de liberdade, de justiça e da tão desfeiteada democracia em nome da qual prendem e julgam deste modo. Em suma, dá tudo menos esperança em que se venha aí a construir uma sociedade melhor do que aquela que querem julgar.
Ontem de manhã cedo ouvi na telefonia que tinha sido construída uma jaula para guardar Mubarak e os seus filhos durante o julgamento. As jaulas servem para guardar os animais perigosos e ferozes. Fiquei chocada e à espera do pior. O jornalista falava de questões de segurança, parecendo querer encontrar uma justificação para uma tal monstruosidade.
Ser humano quer dizer pertencer-se à sub-espécie Homo sapiens sapiens não é?
Margarida, uma vez que Mubarak tem 83 anos e está tão doente que não se consegue levantar, poderíamos pensar que a jaula era para o proteger das feras de fora...
Ser humano é mais do que pertencer à sub espécie Homo sapiens sapiens, porque, do que conheço, é a única que criou códigos, condutas, desenvolveu a ética e muitos outros aspetos de natureza cultural que não se encontram nas demais, nem mesmo naquelas que, evolutivamente, se aproximam mais de nós. Por outro lado, somos, presentemente, a única espécie que não consegue viver fora do ambiente cultural, pelo menos a grande maioria de nós, pelo que o conceito de humano se alarga para lá, e muito, das fronteiras de qualquer classificação zoológica!
Muito bem lembrado, caro Estêvão da Ponte.
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