Se há algo que me seduz até aos limites são as lendas. Considero-as poemas da existência, porque permitem, ou melhor, conseguem dar vida e significado ao inexplicável. Afinal de contas andamos à procura de quê? Andamos a ver se conseguimos encontrar o sentido das coisas, mas só através das lendas é que é possível satisfazer tamanha aspiração. A ciência ajuda um pouco nesta busca incessante do inexplicável ao legitimar alguns mitos e ao provocar a criação de outros, graças a Deus, Ele mesmo um mito. Paralelamente, a filosofia encarrega-se do restante, ao criar novas angústias em cima de angústias mortas.
Há muitos anos, era um recém-médico, li, numa bela manhã de verão, recordo-me perfeitamente, um artigo na Science, descrevendo que na gruta de Shanidar, atual Iraque, há muitos milhares de anos, neandertais tinham realizado uma cerimónia fúnebre e utilizaram flores. Fiquei impressionado com este gesto de uma espécie, ou subespécie, com as mesmas origens que a nossa, e com a qual convivemos durante dezenas de milhar de anos até se extinguirem ou serem "exterminados" por nós, Homo sapiens. É sabido que as características morfológicas destes "não humanos" são por demais conhecidas, mais robustos, com crânios maiores, arcadas supraciliares muito desenvolvidas e sem praticamente queixo, dando-lhes um ar de brutalidade complementado pelo arqueamento dos fémures, só para citar alguns aspetos. Conviveram durante dezenas ou centenas de milhar de anos com a nossa espécie até desaparecerem há cerca de trinta mil anos. Tudo aponta para que este cantinho, onde hoje vivemos, tenha sido o último refúgio dos representantes de seres "não humanos", seres que tiveram pouca sorte. Coisas do diabo!
Os cientistas têm feitos estudos extraordinários no sentido de encontrar as diferenças genéticas entre nós e os neandertais. Em breve será possível “identificar” o que nos tornou humanos. Até agora tudo aponta para que as diferenças não sejam tão substanciais como à partida pareciam ser. Tudo leva a crer que terá ocorrido uma mutação qualquer, não muito substancial, algo que estivesse na base da "loucura", originando o aparecimento do "gene faustiano". Ninguém sabe ao certo qual é e onde se encontra, mas tem de existir uma base genética para a notável capacidade que nos caracteriza, em termos de arte, de imaginação, de aventura, de descoberta e de angústia. As análises comparativas entre os sapiens e os neandertais revelam que estes últimos não se notabilizaram na criação e desenvolvimento de artefactos, nem de coesão social e seriam portadores de genes diferentes em termos de "produção óssea", dos da fala, dos genes do autismo, apesar de terem ido para a cama com os nossos antepassados, talvez seja por isso que, à exceção dos africanos, sejamos portadores de um a quatro por cento dos seus genes. Afinal não estão completamente extintos, parte dos seus genes vivem em nós. Mas as coisas não ficam por aqui, outros seres "não humanos", como os devisonanos, também desaparecidos, deixaram alguns dos seus genes na nossa espécie, e estou convicto de que o futuro ainda trará mais surpresas.
O mistério do desaparecimento dos neandertais, e de outros, será o menos relevante, porque o grande mistério é saber o que é que nos tornou humanos, uma espécie com tanto "sucesso" que substituiu tudo e continua a substituir ou destruir o que encontra pelo caminho. Não há evidência de que os outros "não humanos" tenham sido responsabilizados por qualquer substituição ou destruição do que quer que seja. A única que teve um sucesso dos diabos, ou à custa do diabo, foi a nossa. Uma casualidade terá provocado mutações nalguns genes inclinando-nos para a loucura, só assim se explica a notável capacidade para criar e destruir, para amar e odiar, para salvar e matar. Um gene faustiano à solta, e aqui, entra na lenda, uma de muitas lendas, a do pacto entre a alma desejosa de tantas coisas e um Mefistófeles simpático que lhe faz a vontade. Apetecia-me regressar ao bar de Leipzig, onde Goethe se inspirou numa lenda que se auto reproduz ao longo dos tempos para explicar a natureza humana, uma ótima ideia, mas fico-me com a recordação dos neandertais que um dia, mesmo apesar das limitações ante os sapiens, se lembraram de colocar algumas flores na tumba de um dos seus. Quem sabe se os tais “um a quatro por cento” de genes neandertais que transportamos não serão os responsáveis?
Há muitos anos, era um recém-médico, li, numa bela manhã de verão, recordo-me perfeitamente, um artigo na Science, descrevendo que na gruta de Shanidar, atual Iraque, há muitos milhares de anos, neandertais tinham realizado uma cerimónia fúnebre e utilizaram flores. Fiquei impressionado com este gesto de uma espécie, ou subespécie, com as mesmas origens que a nossa, e com a qual convivemos durante dezenas de milhar de anos até se extinguirem ou serem "exterminados" por nós, Homo sapiens. É sabido que as características morfológicas destes "não humanos" são por demais conhecidas, mais robustos, com crânios maiores, arcadas supraciliares muito desenvolvidas e sem praticamente queixo, dando-lhes um ar de brutalidade complementado pelo arqueamento dos fémures, só para citar alguns aspetos. Conviveram durante dezenas ou centenas de milhar de anos com a nossa espécie até desaparecerem há cerca de trinta mil anos. Tudo aponta para que este cantinho, onde hoje vivemos, tenha sido o último refúgio dos representantes de seres "não humanos", seres que tiveram pouca sorte. Coisas do diabo!
Os cientistas têm feitos estudos extraordinários no sentido de encontrar as diferenças genéticas entre nós e os neandertais. Em breve será possível “identificar” o que nos tornou humanos. Até agora tudo aponta para que as diferenças não sejam tão substanciais como à partida pareciam ser. Tudo leva a crer que terá ocorrido uma mutação qualquer, não muito substancial, algo que estivesse na base da "loucura", originando o aparecimento do "gene faustiano". Ninguém sabe ao certo qual é e onde se encontra, mas tem de existir uma base genética para a notável capacidade que nos caracteriza, em termos de arte, de imaginação, de aventura, de descoberta e de angústia. As análises comparativas entre os sapiens e os neandertais revelam que estes últimos não se notabilizaram na criação e desenvolvimento de artefactos, nem de coesão social e seriam portadores de genes diferentes em termos de "produção óssea", dos da fala, dos genes do autismo, apesar de terem ido para a cama com os nossos antepassados, talvez seja por isso que, à exceção dos africanos, sejamos portadores de um a quatro por cento dos seus genes. Afinal não estão completamente extintos, parte dos seus genes vivem em nós. Mas as coisas não ficam por aqui, outros seres "não humanos", como os devisonanos, também desaparecidos, deixaram alguns dos seus genes na nossa espécie, e estou convicto de que o futuro ainda trará mais surpresas.
O mistério do desaparecimento dos neandertais, e de outros, será o menos relevante, porque o grande mistério é saber o que é que nos tornou humanos, uma espécie com tanto "sucesso" que substituiu tudo e continua a substituir ou destruir o que encontra pelo caminho. Não há evidência de que os outros "não humanos" tenham sido responsabilizados por qualquer substituição ou destruição do que quer que seja. A única que teve um sucesso dos diabos, ou à custa do diabo, foi a nossa. Uma casualidade terá provocado mutações nalguns genes inclinando-nos para a loucura, só assim se explica a notável capacidade para criar e destruir, para amar e odiar, para salvar e matar. Um gene faustiano à solta, e aqui, entra na lenda, uma de muitas lendas, a do pacto entre a alma desejosa de tantas coisas e um Mefistófeles simpático que lhe faz a vontade. Apetecia-me regressar ao bar de Leipzig, onde Goethe se inspirou numa lenda que se auto reproduz ao longo dos tempos para explicar a natureza humana, uma ótima ideia, mas fico-me com a recordação dos neandertais que um dia, mesmo apesar das limitações ante os sapiens, se lembraram de colocar algumas flores na tumba de um dos seus. Quem sabe se os tais “um a quatro por cento” de genes neandertais que transportamos não serão os responsáveis?
5 comentários:
Para a compreensão do mistério que ditou a extinção dos neandertais, pelos sapiens, tenho a explicação!!!
(lá vem este Bartolomeu com as tretas dele...)
A explicação encontra-se na morfologia física.
É verdade.
O neandertal não possuia grande amplitude de movimentos dos membros superiores. Essa "deficiência" , ao não lhe permitir usar armas de arremsso com tanta precisão e a tanta distância, como os sapiens, ditou a sua inferiroridade bélica e levou à sua extinção.
Em contrapartida o sapiens, podia rodar os braços quase a 360 graus, o que lhe permitiu manter-se até aos dias de hoje.
Esta capacidade articular evoluiu ao longo dos milénios, achando-se actualmente na sua fase aurea, basta-nos observar alguns políticos de maior sucesso, como por exemplo Alberto João Jardim.
Existem relatos de que recentemente, um grupo de paleontólogos descobriram numa escavação, a ponta de um dente de mastodonte. Mas após toda a escavação do material e posterior datação é que se percebeu a magnitude do que tinham escontrado. Um dente canino, que por sinal, era um instrumento musical! Os paleontólogos designaram de "tuba neandertal". Dezesseis furos cuidadosamente alinhados na superfície do dente de 1,8m de comprimento podem ser visualizados. Creio que o artesão Neandertal utilizou alguma pedra afilada para furar o dente. Também foram descobertos nessa escavação restos do que aparentam ser outros três instrumentos. Um assemelha-se a uma gaita de foles. Embora o saco do fole já não assuma contornos de nada há muito tempo, permaneceram resquícios de proteinas na rocha. Análises sugeriram que provavelmente foi confeccionada de uma bexiga de algum animal de grande porte, possivelmente um rinoceronte. Associado a este espólio, também foi encontrado um instrumento semelhante a um triângulo e uma colecção de ossos de diversos tamanhos e com alguns furos. Talvez um xilofone? Acredita-se que os neandertais usavam esses ossos como uma espécie de harpa eólica, pendurada na entrada das cavernas. Alguns paleontólogos ainda afirmam que os neandertais tocavam a gaita de foles com o nariz, devido ao facto de a mesma apresentar pequenos acessórios de madeira que se adaptam perfeitamente à cavidade nasal dos crânios dos neandertais. Durante as escavações também foi encontrada uma entrada para uma caverna, e nela, outra importante descoberta: as mais antigas pinturas neandertais. E mais, as pinturas mostram músicos agrupados três a três no que parece ser uma notação musical. Teorizo agora eu, que o gosto pela música seja um dos motivos para o desaparecimento dos Neandertais há 30.000 anos atrás. Talvez o barulho da música tenha espantado toda a caça. Eles devem ter produzido uma terrível algazarra! Bartolomeu, até o último espécimen, hoje encontrado na ilha da Madeira, como citou, fugiu! Talvez a nado, presumo! Pela incapacidade do movimento de cirucundação, que nos distinguia dos Neandertais, só pode ter ido a bruços! Mas o gosto pela algazarra mantém-se. Coisas certamente do "Gene faustiano"!
Para evitar comentários de algum "afectado dos termos", corrijo Cirucundação, para Circundação.
Mas existem outros dignos descendentes directos dos sapiens... e que sapiens... caro Luis, e que sapiens... sapien-a-toda!!!
“(…)Uma casualidade terá provocado mutações nalguns genes inclinando-nos para a loucura, só assim se explica a notável capacidade para criar e destruir, para amar e odiar, para salvar e matar (…).
E que bela “loucura” que dá para criar textos como este que nos deleitam, pese embora o facto da destruição que vamos causando…
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