Foi noticiado recentemente que uma freira de 32 anos, salvadorenha, deu à luz um menino num hospital italiano. Foi acometida de fortes dores abdominais e ao chegar às urgências do hospital o diagnóstico foi fácil de fazer, estava em trabalho de parto. Pariu um menino. A freira desconhecia que estava grávida e, às tantas, nem soube como é que as "coisas" aconteceram.
Sorri perante este episódio e recordei um outro ocorrido há muitos anos, talvez em 1975 ou 1976, no decurso do processo da vinda dos "retornados". Era um jovem médico do internato geral. Estava de serviço às urgências e fazia equipa com mais uma colega de curso. Foi no velho hospital da Universidade de Coimbra, na altura ainda não funcionava no rés-do-chão, mas no primeiro andar. Entrou uma jovem negra a queixar-se de fortes dores abdominais. Deitámo-la na marquesa da primeira sala e procedemos ao interrogatório e exame físico. Levantei-lhe as saias e vi que tinha um abdómen um pouco volumoso, mas nada de especial. Quando ia a começar a fazer a apalpação, com a natural hipótese de apendicite aguda a bailar nos neurónios frescos e cheios de informação, olhei para a linha média e vi que naquela escuridão, própria da etnia a que pertencia, ainda estava mais escura. Sobrepus aquela imagem à que já tinha observado nas grávidas e fiquei de boca aberta com as mãos levantadas como se estivesse pronto a começar a fazer uma prédica no templo da vida. Olhei para a minha colega e apontei-lhe para a linha do meio com uma cor de chocolate mais negra do que a pele em redor. Continuei a examiná-la e perguntei-lhe se estava grávida.
- Grávida?! Quem? Eu? Respondeu-me com muita surpresa.
- Sim.
- Não!
- Não?
- Não. Que coisa mais estúpida.
- Há quanto tempo não tem o período?
- Não sei, não sou regular. Entretanto ia palpando o abdómen e não me foi difícil apanhar um pé a querer fazer desenhos na barriga. O safado estava de cabeça para baixo e não deveria faltar muito para ver a luz do dia. Pedi à minha colega que fosse interrogar os acompanhantes, depois de lhe ter perguntado quem é que tinha vindo com ela.
- Os meus padrinhos.
- Vai lá ver o que é que se passa. Voltou passado uns minutos.
- Olha, o melhor é tu ires falar com eles.
- Porquê?
- Porque sim. Há ali qualquer coisa que não bate certo.
- Está bem, mas o melhor é pedires uma ambulância para levar a cachopa, que tinha 15 anos, para a maternidade. Não me apetece fazer um parto aqui, era o que mais me faltava. Saí e falei com o casal. Já tinham passado a meia-idade, uma meia-idade avançada. Perguntei o que é que se tinha passado com a rapariga, convicto de que poderiam saber mais sobre o estado dela. Mas a forma como davam explicações não me permitiram concluir nada de especial. Era afilhada e tinha vindo de Angola com eles.
- Sabem se a rapariga tem namorado?
- O quê? Disse de uma forma enxofrada o padrinho.
- Namorado? O que é que o senhor quer dizer com isso? Eu não lhe admito coisas dessas, ouviu? Ela está aqui por causa de dores na barriga, está tão doente e aflita e o senhor a perguntar se tem namorado. Mas isso faz algum sentido? Atrapalhado, comentei:
- Desculpe, tenho de ir lá dentro, eu já volto, vou tratar da sua afilhada.
- Vá, vá. E eu fui. Entrei e perguntei à minha colega:
- Trataste de tudo?
- Já. Telefonei para maternidade. Estão à espera da garota.
- Ainda bem! Respirei fundo. Entretanto, tinham chegado dois maqueiros e dei-lhes ordem para se despacharem.
- Com certeza, senhor doutor. E lá foram. Olhei para a minha colega e disse-lhe:
- Queres apostar comigo que daqui a pouco vai nascer um mestiço.
- O quê?
- Vais ver. Quando sairmos do turno vamos dar uma saltada à maternidade. Combinado? A Rosa ria que nem uma perdida.
- Não me digas que o padrinho...
- Sim, vai ser promovido a pai.
Demos uma saltada à maternidade para vermos como estaria a "doente". Deitada, sem dores, olhava com muita admiração para um saudável menino "café au lait", muito bonito. Rimos discretamente, sem antes ver se em redor não estaria o enxofrado do padrinho transformado em pai.
Os colegas da maternidade assistiam ao nosso "diagnóstico".
- Um milagre. Não acham?
- Um milagre da Santa Milagrança! Ripostei.
- E bem pode dizer. Ainda tinha os "três" intacto.
Por isso, coitada da freira, às tantas nem soube o que lhe aconteceu. Há certos "ares" que podem ser mesmo "pestilentos"..."
Sorri perante este episódio e recordei um outro ocorrido há muitos anos, talvez em 1975 ou 1976, no decurso do processo da vinda dos "retornados". Era um jovem médico do internato geral. Estava de serviço às urgências e fazia equipa com mais uma colega de curso. Foi no velho hospital da Universidade de Coimbra, na altura ainda não funcionava no rés-do-chão, mas no primeiro andar. Entrou uma jovem negra a queixar-se de fortes dores abdominais. Deitámo-la na marquesa da primeira sala e procedemos ao interrogatório e exame físico. Levantei-lhe as saias e vi que tinha um abdómen um pouco volumoso, mas nada de especial. Quando ia a começar a fazer a apalpação, com a natural hipótese de apendicite aguda a bailar nos neurónios frescos e cheios de informação, olhei para a linha média e vi que naquela escuridão, própria da etnia a que pertencia, ainda estava mais escura. Sobrepus aquela imagem à que já tinha observado nas grávidas e fiquei de boca aberta com as mãos levantadas como se estivesse pronto a começar a fazer uma prédica no templo da vida. Olhei para a minha colega e apontei-lhe para a linha do meio com uma cor de chocolate mais negra do que a pele em redor. Continuei a examiná-la e perguntei-lhe se estava grávida.
- Grávida?! Quem? Eu? Respondeu-me com muita surpresa.
- Sim.
- Não!
- Não?
- Não. Que coisa mais estúpida.
- Há quanto tempo não tem o período?
- Não sei, não sou regular. Entretanto ia palpando o abdómen e não me foi difícil apanhar um pé a querer fazer desenhos na barriga. O safado estava de cabeça para baixo e não deveria faltar muito para ver a luz do dia. Pedi à minha colega que fosse interrogar os acompanhantes, depois de lhe ter perguntado quem é que tinha vindo com ela.
- Os meus padrinhos.
- Vai lá ver o que é que se passa. Voltou passado uns minutos.
- Olha, o melhor é tu ires falar com eles.
- Porquê?
- Porque sim. Há ali qualquer coisa que não bate certo.
- Está bem, mas o melhor é pedires uma ambulância para levar a cachopa, que tinha 15 anos, para a maternidade. Não me apetece fazer um parto aqui, era o que mais me faltava. Saí e falei com o casal. Já tinham passado a meia-idade, uma meia-idade avançada. Perguntei o que é que se tinha passado com a rapariga, convicto de que poderiam saber mais sobre o estado dela. Mas a forma como davam explicações não me permitiram concluir nada de especial. Era afilhada e tinha vindo de Angola com eles.
- Sabem se a rapariga tem namorado?
- O quê? Disse de uma forma enxofrada o padrinho.
- Namorado? O que é que o senhor quer dizer com isso? Eu não lhe admito coisas dessas, ouviu? Ela está aqui por causa de dores na barriga, está tão doente e aflita e o senhor a perguntar se tem namorado. Mas isso faz algum sentido? Atrapalhado, comentei:
- Desculpe, tenho de ir lá dentro, eu já volto, vou tratar da sua afilhada.
- Vá, vá. E eu fui. Entrei e perguntei à minha colega:
- Trataste de tudo?
- Já. Telefonei para maternidade. Estão à espera da garota.
- Ainda bem! Respirei fundo. Entretanto, tinham chegado dois maqueiros e dei-lhes ordem para se despacharem.
- Com certeza, senhor doutor. E lá foram. Olhei para a minha colega e disse-lhe:
- Queres apostar comigo que daqui a pouco vai nascer um mestiço.
- O quê?
- Vais ver. Quando sairmos do turno vamos dar uma saltada à maternidade. Combinado? A Rosa ria que nem uma perdida.
- Não me digas que o padrinho...
- Sim, vai ser promovido a pai.
Demos uma saltada à maternidade para vermos como estaria a "doente". Deitada, sem dores, olhava com muita admiração para um saudável menino "café au lait", muito bonito. Rimos discretamente, sem antes ver se em redor não estaria o enxofrado do padrinho transformado em pai.
Os colegas da maternidade assistiam ao nosso "diagnóstico".
- Um milagre. Não acham?
- Um milagre da Santa Milagrança! Ripostei.
- E bem pode dizer. Ainda tinha os "três" intacto.
Por isso, coitada da freira, às tantas nem soube o que lhe aconteceu. Há certos "ares" que podem ser mesmo "pestilentos"..."
2 comentários:
Luz apagada...
São os h-ar-d-cor...
A inocência é uma coisa munta linda...
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