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sábado, 18 de janeiro de 2014

Escuridão da alma

Os sábados têm o condão de me oferecer algum descanso e propiciar conversas a relembrar que também poderia transformar-me numa espécie de Sherazade. Conheço-os há muito tempo. Têm medo de viver, apesar de já terem vivido muito. Quanto mais vivem mais medo têm do futuro. Confundem as dores e a ansiedade das suas almas como se fossem manifestações do seu corpo. Compreendo-os perfeitamente. É difícil a um ser vivo saber onde acaba um e começa a outra. Se bem que não saiba o que é o nascer da alma, embora tenha visto partir algumas, não me é complicado ver onde paira o mal, mas antes tenho de "provar" que o corpo não está tão doente como julgam, às vezes está um pouco amarelecido ou enferrujado pelo tempo, mas ainda brilha e funciona com vontade de viver. Conheço-os tão bem. Deixo-os falar. Falam libertos de qualquer medo e ansiedade. Falam de tudo, de pequenas coisas, contam e recontam as suas histórias vezes sem conta. Falam da sua vida, do seu passado, de histórias que ouviram dos seus antepassados, alguns dos quais nunca conheceram. Falam, e eu deixo-os falar. Expurgam, mesmo que momentaneamente, o pus de abcessos que atormentam as suas almas. Histórias ricas, desconhecidas, perdidas e que nunca serão achadas. Oferecem-mas sem as pedir. O tempo passa, e a conversa alastra-se impregnando o narrador de compreensão, de alguma felicidade e, até, de esperança. Eu ouço-os. Deveria dizer, eu ouço-as, sim, é melhor dizer, ouço-as, talvez porque as almas femininas sejam diferentes, gostam de se desnudar sem qualquer pudor. Hoje passei a tarde a ouvir duas almas femininas que sofrem de dores da existência, cada uma à sua maneira. A uma delas consegui convencer que o seu mal estava na alma. 
- A sua alma está negra. 
- E agora, senhor doutor, o que é que tenho de fazer? 
- Não sabe? Pense bem o que é que tem de fazer. Olhou-me fixamente. O facto de ser uma mulher do campo não lhe rouba ou limita as suas capacidades de encontrar as soluções para os seus males.
- Só o senhor doutor é que consegue fazer-me rir sem vontade.
- Então, quais são as soluções? Após alguns segundos, imersa numa interrogação silenciosa, enumerou-as de forma exemplar.
- Viu? Sim senhora!
- E o meu joelho? Já agora, gostava que o visse. Replicou, tentando escapar à conversa.
- Joelho?! Fiquei surpreso, porque tinha aparecido à última hora. - Deixe isso comigo. Só quero saber se compreendeu o que é que tem. Compreendeu onde está o seu mal? Sorriu, baixando a cabeça.
- Sei.
- Ora vamos lá ver, então, o que é que se passa com o seu joelho. Uma ninharia face ao historial de "doenças" que vinha desfiando desde há algum tempo. Agora deverão desaparecer, mas a do joelho, não. Também é uma forma de se sentir viva e um pouco enferrujada. Dali não vem grande mal ao mundo e, sobretudo, à sua alma...

2 comentários:

Bartolomeu disse...


Assim sendo, não é o joelho da Senhora, o seu verdadeiro calcanhar de Aquiles...






Al Cardoso disse...

E eu nao soubesse, que o Senhor nao era medico na minha terra, ainda haveria de dizer que a senhora que ouviu era a minha mae!

Ela realmente necessitava de um medico como o Dr. Massano Cardoso!

Um abraco deste seu leitor!