Já os conheço, quase que poderia dizer de ginjeira. Sempre a mesma coisa, não aprendem, não acreditam, não assimilam e borrifam-se para os mais elementares e evidentes conselhos e orientações. Não conseguem entender o que digo, será porque não querem, não podem ou têm uma mundividência própria, com as suas própria "leis", interpretações fisiológicas e noções de causalidade que me transcendem? Não sei, só sei que respiram uma indiferença que diria quase patética e que me perturba. No entanto, se começar a falar de certas coisas do dia-a-dia, assuntos sociais, políticos e desportivos, mesmo tendo em conta a tradicional baixa instrução, revelam uma lógica que entendo perfeitamente, sendo mesmo criativos. Então, por que carga de trabalhos não entendem, não interiorizam e não acreditam no que lhes digo em termos de saúde e que podem comprometer as suas vidas a curto e a médio prazo? Não sei, embora me passem pela cabeça muitas e simples explicações. Algumas incomodam-me, porque me levam a tecer considerações pouco abonatórias dos sujeitos, mas não sei se não será uma forma de viver e de ver o mundo através de lentes que não consigo encontrar. É pena, porque de ano para ano vão cometendo os mesmos disparates permanecendo indiferentes e incrédulos ao futuro que em breve lhes irá toldar a alma e desfazer o corpo. Olho-os ao sair convicto de que não irão mudar um milímetro do que quer que seja, embora tenham afiançado que sim, que iriam mudar os comportamentos, que deixariam de beber, que iriam tomar a medicação, e muitas mais coisas. Para o ano, se formos vivos, vamos partilhar as mesmas conversas e eu vou relembrar os efeitos que me produziram nos anos anteriores. Tudo irá ficar na mesma, até que um dia um deles me diz, lembra-se de fulano, aquele que..., sim lembro-me muito bem. Que é feito dele? Oh, está muito mal, coitado, já não trabalha, não sai de casa. Pois, compreendo. Era de esperar, quantas vezes o avisei, quantas, meu Deus. Olhe, se o senhor não seguir os meus conselhos, sabe o que é que lhe irá acontecer? Sabe? Não sabe? Pois, vai-lhe acontecer qualquer coisa parecida. Ah, não me diga! Digo, digo. O olhar retrai-se, o silêncio impera por breves segundos e fico com a nítida sensação de que a conversa não foi suficiente para mudar o que quer que seja. O "delator", que partilha os mesmos tiques que o sinistrado acabado de denunciar, sai convicto de que eu não passo de um parvo. Acontecer o mesmo a mim? Este médico é um parvalhão, só pode ser. Ouço perfeitamente o arrazoado do seu pensamento no silêncio da saída da consulta...
13 comentários:
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Meu estimado amigo, compreendo perfeitamente a sua raiva por aqueles que o consultam, não compreenderem aquilo que para si é a mais pura evidência. Quando sabemos que temos razão e a mesma não nos é reconhecida, apesar das demonstrações das evidências, somos assaltados pelo desespero e a vontade quase irreprimível de lhes abrir a cabeça e enfiar-lhes lá dentro, a razão. Esquecem-se que o Senhor é o médico, ou então, a loucura fá-los sentir tão ou mais conhecedores da ciência médica.
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Este seu post, lembrou-me a minha avo materna. Uma Senhora nascida numa aldeia da Serra de Estrela mas possuidora de uma fineza de raciocínio admirável. Naquela época, mesmo quem era mais abastado, possuía um sentido de economia que se fosse posto em prática nos nossos dias, as pessoas morreriam de insuficiência de capacidade de adaptação.
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Bom, mas lembrei-me da minha avó pelo seguinte: porque ela assim como a maioria das pessoas naquela época, aproveitava os tempos livres para costurar e "remendar". E tinha por princípio remendar qualquer buraquinho que aparecesse numa peça de roupa, por mais pequeno que fosse. Então diziam-lhe; porque perdia tempo a remendar um buraco tão pequeno? E ela respondia: se não o remendar hoje, amanhã estará maior e depois, maior ainda e se continuar a deixar por remendar, acabo por ter de deitar a roupa fora. Ora hoje, tal como o caro Professor aqui expõe; muitos preferem deixar o buraco por remendar, mesmo que, quem sabe da poda lhes garanta, que mais dia, menos dia, se não deitarem agulha e linha à peça, ela vai inevitavelmente acabar por não ter concerto.
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Caro Professor, este seu post é interessante e representativo duma certa incompreensão que os médicos têem quanto às motivações das pessoas. Para muitos é mais importante viver bem, intensamente e sem engulhos nem restrições do que viver muito. Compreendo, porém, que para um médico, dado o seu treino e instinto de preservação da vida, isto pareça estranho. Mas há efectivamente quem previlegie viver bem a sobreviver muito.
Permita-me falar de mim. Sou fumador. Sei que faz mal? Sim, claro que sei. Tenho antecedentes de cancro? Sim, tenho. É muito provavel que desenvolva um cancro no futuro? Sim, claro. Então porque não deixo de fumar? Porque não quero. Porque não quero padecer o sacrificio que é deixar de fumar. E porque me sabe bem. Assumo a forte probabilidade de problemas futuros. E digo-lhe mais. Tenho visto cancros na minha familia por ramo feminino desde sempre. Precisamente por isso, a menos que seja algo muito, muito simplezinho, não quero senão cuidados paliativos para não ter dores ou desconforto. É, aliás, o que tenho escrito no meu testamento vital.
Posso dar-lhe outro exemplo. Gosto de mar. Sobretudo de mar muito forte, muito batido, com correntes fortes, ondas altas. Sei mover-me bem dentro de água, sei reagir quando sou arrastado pela corrente e já o tenho sido ao longo de dezenas de metros. Em suma, mexo-me muito bem no mar. Porém sei perfeitamente que algo pode correr mal e posso ficar lá. Sei que efectivamente fazendo o que faço corro riscos relevantes. A pergunta é: a consciência do risco faz-me deixar de o correr? Evidentemente que não. O prazer que obtenho e venho obtendo ao longo dos anos das cabriolas que faço no mar e até mesmo das partidas que o mar me vem pregando ao longo dos anos é muito, muito grande. A tristeza por não fazer o que quero seria sempre muito superior ao medo de um dia ter um acidente.
Em suma, Professor, tudo isto para dizer-lhe que para muitos, eu incluído, é mais importante viver e até mesmo viver intensamente do que viver comedidamente até aos 120 anos. Prefiro, mas sem sombra de dúvida, morrer aos 50 mas contente e podendo dizer que tive uma vida cheia e satisfatória do que chegar aos 80 a lamuriar-me do que podia ter feito, não fiz e aos 80 anos já não poderei fazer.
Zuricher, pois, como disse no título, "não entendo, mas não faz mal"... Só que, quando chega a altura, as coisas não são tão bem assim como descreve! Além de mais não há incompatibilidade entre tirar prazer da vida e fazer o que nos dá mais gozo, mesmo com alguns riscos. As coisas não são bem assim, tão lineares, tão simples, são um pouco mais complexas, porque se for pelo seu raciocínio, então, na maioria das vezes, o melhor é levantar-me e ir embora. Não sou moralista, não sou padre, não sou juiz. Não condeno ninguém, para mim, à partida estão todos absolvidos, mas o que eu quero mesmo é ajudar, e quando digo ajudar é para poderem desfrutar com saúde os diferentes prazeres que a vida ainda pode dar.
Bartolomeu. Buracos? Muitos, até demais, alguns são mesmo "negros"...
Caro Professor, entendo bem a sua frustração, claro que sim. Ver alguém a fazer uma asneira que vai causar que se estampe contra uma parede ou sim, ou sim, é efectivamente aflitivo. Entendo isso perfeitamente. Mas um médico é acima de tudo um conselheiro. Um conselheiro com peso muito relevante? Sim, sem sombra de dúvida. Mas a decisão última cabe sempre, sempre, à pessoa. O médico sabe das doenças, do estado físico dum seu paciente. Mas a própria pessoa sabe do seu global, dos seus objectivos, dos seus interesses. O conselho médico é mais um dado, mais uma informação, que a pessoa incorpora ao seu raciocínio e ao processo decisório interno quanto a fazer ou não isto ou aquilo. Não é um imperativo ao qual se subordina tudo o resto. O mesmo é válido para a opinião do advogado, do assessor fiscal, do gestor de investimentos, etc, etc, etc.
Acho interessante aludir aos diferentes prazeres da vida. Cada um tem os seus. E, enfim, quanto mais intensamente se vive, mormente quando se é novo, menos prazeres mundanos vão sobrando. Olhe, um dos grandes prazeres para a maioria das pessoas é constituir família e ter filhos. A mim só a ideia arrepia-me e por acaso tenho este exemplo fresco por ser conversa que tive há poucos dias com um dos padres da minha paróquia, meu vizinho e amigo. O que muitos vêem como prazer e satisfação, ter um filho, para mim seria suplício de tântalo. Ter um filho iria cercear tanto, tanto, tanto a minha liberdade que faria de mim o mais infeliz e amargo dos homens. Isto para ilustrar que, enfim, cada um tem os seus prazeres e o que disfruta na vida. Tudo tem consequências e desde que se esteja ciente das que são más e se assuma a sua elevada probabilidade, tudo bem.
Confúcio, o conhecido mestre filosofo chinês, disse: "Se um homem aprende com os outros mas não pensa, ele ficará confuso. Se, por outro lado, um homem pensa mas não aprende com os outros, ele estará em perigo".
"Perigo" é um conceito, como se percebe, intuitivo mas também subjetivo.
Não sinto qualquer dificuldade em perceber o ponto de vista que o nosso amigo Zuricher expõe. Contudo, parece-me imperativo que saibamos distinguir entre prazer e vício. Os dois exemplos que apresentou, o uso do tabaco e a prática de desportos radicais, admitindo que sejam para si duas fontes de prazer, e simultaneamente constituírem ambas, fortes hipóteses de risco, têm no entanto características diferentes. E a dependência do uso de tabaco, meu caro Zuricher, é algo que, podendo até não vir a resultar em prejuízo grave para a sua saúde, é no entanto algo que lhe limita a capacidade de decisão, mantendo-o prisioneiro de um pseudo-prazer. O mar sim, a sensação de liberdade, de domínio do elemento, do desafio, da adrenalina, etc. Mas o mar é justo, exerce sobre si um efeito hipnótico, mas liberta-o desse efeito. E quando o Zuricher sai do mar vem fortalecido física e mentalmente, ao passo que o tabaco oprime-o, obriga-o e saca-lhe a saúde e a independência que o mar lhe oferece.
Sim, meu caro Bartolomeu. Sim, o tabaco é um vício. Sim, sei que é. Mas é também um prazer. E isto, olhe, noto na marca que fumo. Quando não há e tenho que comprar outra fumo muito menos. Aí sim, fumo apenas para aplacar os sintomas de privação. Mas por norma fumo com genuíno prazer.
Em todo o caso um dos motivos para não deixar de fumar é precisamente o sofrimento atroz que está envolvido nessa operação.
Meu caro Zuricher, percebi que a sua idade são 36 anos. A minha idade são 58 anos. Comecei a fumar com 12 anos quando entrei para a escola secundária - coisa de miúdos que se querem armar para as miúdas - o problema foi ter ganho o gosto pelo tabaco, o qual me levou a chegar ao exagero de fumar 3 maços por dia de SG filtro. Por volta dos 34 anos decidi abandonar os cigarros e passar para as cigarrilhas, primeiro as café creme e depois as davidoff panatela, daí, saltei para o charuto e depois para o cachimbo radicando-me no tabaco mayflower. Mas nenhuma destas alternativas me satisfez e reincidi no SG. O vício era tal que me bastava olhar para o maço para sentir imediatamente a vontade irreprimível de fumar. Porém, um dia, tinha precisamente 36 anos de idade, ainda não era proibido fumar dentro dos gabinetes, no emprego,peguei distraidamente no maço, retirei um cigarro e, quando ia acendê-lo, suspendi o gesto, olhei para o cigarro e pensei; mas afinal, eu sou parvo, ou a minha vontade é tão fraca que um simples tubo de papel preenchido com folhas secas de uma planta, partidas em tiras minúsculas, tem mais força que ela? Voltei a colocar o cigarro dentro do maço, e este, dentro do caixote do lixo. A partir desse dia, a força da minha vontade prevaleceu sobre a força da vontade do cigarro. E a sensação de sermos donos absolutos da nossa vontade está ao nível, penso, da sensação de vencer uma corrente marítima forte, ou de surfar com sucesso uma onda difícil. Afinal, caro Zuricher, na vida, aquilo que tem mais sabor e mais prazer nos proporciona, são as vitórias que alcançamos.
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Muito interessante este diálogo e os argumentos que aqui juntou. Percebo perfeitamente a fúria do Massano Cardoso, que se importa imenso com os seus doentes e com o destino que lhes antevê, tantas vezes aqui exprimiu a angústia de já não lhes poder valer. Mas o caro Zuricher também tem razão, sobretudo, diga-se, quando uma pessoa é saudável sente isso mesmo, que controla a sua vida e pode decidir o que quiser, tomando conselho e seguindo-o de acordo com o seu critério.Mas quando se fica doente a sério ou seja, quando se julga que se calhar nunca mais se vai ficar bem, a perspectiva muda um pouco, passa-se a ter medo, a consciência do risco ocupa logo uma parte importante dessa preciosa liberdade de que fala e então queremos é confiar e seguir os conselhos de quem nos pode ajudar. Pelo menos até voltarmos a sentir-nos bem. Lá diz o ditado " si jeunesse savait, si vieillesse pouvait" :) boas ondas e muita saúde para saborear os prazeres da vida!
E, claro, o caro Bartolomeu, com a sua lógica de que a maior liberdade é sermos donos da nossa vontade, vícios incluídos, mas se uma pessoa for tão livre que não haja nada a que não possa renunciar a certa altura a vida não tem graça nenhuma :) estou a exagerar, claro, percebo muito bem o seu argumento e dou-lhe razão, uma vez deixei de fumar e senti essa grande alegria de não ter que fumar para me sentir bem, mas também nunca fumei três maços, que exagero! é muito raro chegar a gastar um maço, mesmo meio já é demais.
Concordo, cara Drª Suzana, meio maço, continua a ser de mais. Meio maço, equivale a dez renuncias à conquista da liberdade completa que tem como prémio a alegria de não ter de fazer algo, vícios incluídos, que não proporcione a tal grande alegria de não ter de fazer.
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Talvez um pouco de Comboloi ajude a compreender melhor esta mecânica...
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PS; A regra consiste em recitar 33 vezes, 3 pensamentos, o que perfaz 99 e no final, uma vez, o resumo dos 3 pensamentos, totalizando 100 vezes.
;)
Caro Bartolomeu, há erros que fazemos ao longo da vida. Ter começado a fumar foi um deles. Se não tivesse começado nunca teria conhecido os prazeres do tabaco e continuaria tão inocente como um bebé que nunca provou leite açucarado. Como comecei, pois, tal como o bebé nunca mais quer leite sem açucar, também eu quero continuar com este prazer. Se me propusesse, talvez conseguisse deixar de fumar. Mas não quero. É um dos prazeres que tenho. E, por outro lado, sei bem os efeitos de deixar porque, em tempos, estive 54 dias sem fumar. Não quero voltar a passar pelo mesmo. Ainda por cima é um sofrimento para deixar algo que sabe bem. Não faz lá muito sentido...
Cara Suzana, eheheh, sim!, quando estamos doentes queremos ficar bem. Mas, de todo, não a todo o custo! Que há curas piores que a doença e muito mais prolongadas!
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