Deixo-me envolver com facilidade pelo ambiente em que mergulho. Quando as águas são os doentes, com os seus problemas, vivências, interpretações, medos, dores e ansiedade, então, é certo e sabido que consigo sentir uma mistura complexa de sensações, frio, calor, relaxamento, angústia, respeito, deslumbramento e, porque não, uma tremenda e revoltante impotência, não só por não poder ajudá-los mais nas maleitas que invadem os seus corpos mas, sobretudo, os tormentos que minam as suas almas. O que é que se pode fazer face a alguém que é perseguido e humilhado no seu local de trabalho? Não de uma forma exuberante, mas encapotada, temperada pelo poder, tentando provocar uma reação que possa ser "útil" ao autor para estocar ainda mais profundamente no subalterno. O diagnóstico não é difícil de fazer e as manifestações clínicas são fáceis de ver, algumas são mesmo preocupantes. Conversar, dar conselhos, "medicar" um pouco, o suficiente para diminuir a ansiedade e abafar a agressividade em incubação, são algumas medidas, mas tenho a perceção de que não suficientes.
Agressividade e intolerância no local do trabalho são preocupações constantes que, nos tempos atuais, se revestem de particular acuidade face à instabilidade laboral. O subordinado sente essa pressão e humilhação. Sofre. Os dias vão passando e as farpas aumentam. Tenta controlar-se. Eu ajudo nesse sentido, mas tenho receio que uma explosão mal pensada possa fazer das suas, aparecendo inopinadamente. Antevendo algumas consequências, ensino e ajudo no que posso. Depois tive de o orientar no sentido de procurar outros tipos de apoios, entre os quais, o legal, obviamente. Não foi fácil. Tive de usar a minha condição médica para conseguir algum tipo de equilíbrio usando o poder que a lei me confere, a lei, mas também a ética e a moral.
Em certos momentos somos confrontados com situações complexas e potencialmente perigosas para todos. Hoje fiz o que devia fazer. Na sombra consegui amenizar, confortar, orientar e, quem sabe, prevenir coisas desagradáveis. Terminei o dia pensando, nada disto vem nos livros. Estas coisas não se estudam, aprendem-se. O olhar do trabalhador, um olhar humilde traçado de ansiedade, desfez-se num inesperado muito obrigado.
Não disse nada. Sorri e cumprimentei-o.
3 comentários:
Só por curiosidade, o paciente é funcionário do estado ou do privado?
Privado, mas também ocorre no público.
Ocorre em todo o lado, parece que o mau hábito das praxes se prolonga pela vida fora.
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