Número total de visualizações de páginas

quarta-feira, 19 de julho de 2006

Enriquecimento sem causa e ética empresarial

Nota prévia: Para que não restem dúvidas, quero desde já avisar da minha inteira adesão aos princípios da economia de mercado e a uma visão liberal da economia.
De vez em quando, faz bem olhar para os Relatórios e Contas das empresas. No dia 1 de Julho foram publicadas no Expresso as da empresa que o publica, a Sojornal, referentes a 2005. O capital e reservas atingem 2,6 milhões de euros e os Resultados do Exercício os 8,4 milhões de euros. Isto é, num só ano, os lucros líquidos triplicaram o capital investido e sem recurso a qualquer proveito extraordinário.
Muito interessante ainda é a proposta de distribuição de dividendos, que contempla a totalidade dos lucros líquidos. E não só os lucros, porque a proposta contempla também a distribuição das reservas livres, no valor de 43.000 euros.
Dir-se-á que estamos em economia de mercado, os accionistas fazem o que melhor entendem. Não digo que não.
Mas, generalizando, não é uma prática recomendável, precisamente em economia de mercado. Numa conjuntura desfavorável, com diminuição de proveitos e retracção de vendas e de margens, tal prática fragiliza as empresas, em termos substanciais e perante os seus clientes, fornecedores ou colaboradores, todos agentes activos dos lucros actuais que na totalidade revertem para os accionistas.
Repare-se que, muitas vezes, os fornecedores aplicam mais dinheiro nas empresas do que os próprios donos.
Distribuições maciças de dividendos impedem a criação de reservas para novos investimentos, em tecnologias avançadas, em novas formas de organização ou em formação dos colaboradores, sendo a causa de muito fracasso empresarial e de muitos dramas pessoais.
E normalmente os accionistas que recebem tudo o que há para receber nos bons tempos vão ser os primeiros a exigir, injustificadamente, dos Clientes, Fornecedores e Colaboradores sacrifícios nos maus, para assegurar a salvação das empresas que assim foram exauridas em seu, accionista, exclusivo proveito pessoal.
A economia de mercado exige ética. E ética não é boa vontade ou espírito humanista. O comportamento ético está nas medidas de prevenção que são tomadas e menos, ou nunca, nas que apenas servem para remediar situações. O lucro das empresas justifica-se plenamente e o seu conceito precisa mesmo de ser valorizado entre nós, nomeadamente pelo risco que a iniciativa empresarial comporta. Mas lucro sem risco, em benefício único da parte accionista, não é mais do que enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia.
Nota final: As considerações são genéricas; o caso da Sojornal, apenas um pretexto e, dado o historial do empresário, talvez nem o melhor.

2 comentários:

CCz disse...

Seria bom que os donos das empresas, lessem o que Schumpeter escreveu em 1906 sobre o que é realmente lucro. Schumpeter escrevia sobre os custos do passado (que aparecem na coluna dos custos) e sobre os custos do futuro (indevidamente reistados na coluna dos proveitos). Se uma empresa se quer manter actualizada e fazer face à concorrência tem de investir no seu futuro: formação, tecnologia, ...

Tonibler disse...

Em nada isto retira validade ao que está escrito mas, sem querer salvar o couro ao Balsemão, a Sojornal acho que é 100% Impresa e, esta, terá outro ROE...

O dinheiro sai das empresas, em primeiro lugar, para que não se torne inacessível. Sai porque a empresa não sobrevive se tiver que pagar IRC. Contabilisticamente não sai na forma de dividendo, mas na forma de pagamentos a fornecedores.

O que, ao fim do dia, foi uma falência de facto ou o que foi a compra de um Ferrari, é complicado de perceber. Que a situação fiscal provoca um controlo da liquidez excessivo na mão do dono, provoca. Que a situação fiscal dá a ocasião ao ladrão, dá.

Se juntarmos a isto um mercado pequeno e "ilíquido" em todos os aspectos, dá no cenário que descreve na perfeição.

A solução de tudo isto é muito simples, é acreditar na ética do mercado. É retirar os impostos e acabar com as legislações contraproducentes. Mas como isso é impossível num país em que 90% de pessoas que não acreditam na sua própria liberdade, vamos esperar que a ética venha daqueles que lucram exactamente por não a terem.