Fugi de casa para ver se apanhava o sol, corri até um dos meus lugares anónimos para ver se podia ganhar um pouco de confiança nesta vida tão desprezada e vazia de interesse. Ao chegar o sol já se tinha escondido atrás das casas e só o céu é que reverberava de luz, na terra começava a imperar a sombra e a indiferença. Regressei pelo mesmo caminho. Com o olhar conseguia perseguir a luz do sol, distante, tão distante que não me permitiria chegar a tempo de o beijar. Debaixo do braço levava dois livros. Os livros precisam de apanhar ar e sol. Também gostam, são como eu. Refugiei-me num confortável café. Não li os livros que estavam a dormir sobre a minha mesa, não quis perturbá-los. Li algumas notícias que, em vez de me tranquilizarem, acabaram por me inquietar. Tudo é previsível, a ponto de ficar nauseado. Comentários, citações, falta de originalidade, incorreções, deturpações, mentiras, conspirações, loucuras atrás de loucuras, e, vá lá, ao menos isso, sempre consigo encontrar a doce poesia. Leio-a, releio-a, gravo-a, deixo-me seduzir, tento esquecer qualquer incómodo e dou por mim a cerrar os olhos para poder recordar o belo e os seus satélites naturais. Lá fora deixei de ouvir os sons quentes da banda da filarmónica a querer aquecer e a substituir-se ao sol moribundo. A esta hora já devem ter levado a senhora para a sua capela. Esta noite não dormiu em casa, fez o seu passeio anual à matriz. Está sossegada na escuridão da capela. Prefere a sua deliciosa solidão, em que só as almas cantam, choram e rezam com fervor à poesia que circula no seu coração. É no silêncio da oração que se consegue ouvir o bater de tão delicioso coração. Poesia pura no dia da Nossa Senhora da Conceição.
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