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segunda-feira, 22 de maio de 2006

Por Terras do Congresso do PSD- II

Na minha primeira Crónica expliquei as circunstâncias em que fui ao Congresso do PSD e referi como capítulos seguintes a indicação do perfil dos oradores e a estrutura dos discursos.
Como ponto prévio, não posso deixar de referir o tipo de democracia vigente no Congresso, que me pareceu algo exótica e peculiar, baseada num sistema de castas, em que os direitos são iguais para cada casta, mas muito diferenciados de casta para casta. Nomeadamente no direito ao falar, que é o mais inalienável direito de um Congressista a sério.
Então, e para abreviar, a hierarquia está estabelecida desta maneira, a começar nas castas mais baixas e a terminar nas mais altas. (E andei eu a pensar tantos anos que castas só na Índia...)
1. Militantes de base não iniciados; 2. Militantes de base experimentados
3. Militantes de base muito influentes nas bases; 4. Aspirantes a Notáveis
5. Notáveis; 6. Muito Notáveis e Membros superiores dos Órgãos Nacionais
Mas nesta hierarquia há ainda uma diferenciação essencial: é que as primeiras quatro categorias têm que se inscrever para falar, enquanto as duas últimas enviam mensagens à Mesa a dizer a hora a que se dignam intervir.
Os Militantes de base são o verdadeiro sustentáculo do Partido e a sua função é essa. Complementarmente, é-lhes consentido falar no Congresso, mas de forma muito racionada e mitigada. Neste contexto, o espécimen mais baixo, Militante de base não iniciado em Congressos, tem direito a três minutos, cronometrados ao centésimo de segundo.
Para compreender o comportamento das castas seguintes, há que referir que nos Congressos vigora um verdadeiro mercado secundário de “direitos” de tempos de discurso, em fracções de três minutos, direitos esses que se adquirem num mercado informal, mas não menos verdadeiro. O mecanismo é encontrar alguém que se inscreva como orador, com a condição de desistir, de forma a ceder o seu tempo ao adquirente. Para isso, basta dirigirmo-nos a um "broker" de tempos, cujo perfil apresentarei noutro post.
Deste modo, o espécimen seguinte, Militante de base experimentado, compra no mercado um direito de três minutos, tendo assim a faculdade de falar seis minutos cronometrados ao décimo de segundo.
O espécimen seguinte a contar de baixo, Militantes de base muito influentes nas bases, procede como o anterior, mas o seu poder aquisitivo permite-lhe adquirir dois “direitos”, isto é, 6 minutos; deste modo, tem direito a 9 minutos de discurso, aqui cronometrados ao segundo.
Os Aspirantes a Notáveis já estão a meio caminho entre as Bases e as castas mais elevadas. São os mal-amados, por não serem carne nem peixe. Mas dado que têm alguma autoridade sobre as castas inferiores, começam a ser tolerados pelas castas superiores. Adquirem vários “direitos” de tempo de discurso. A sua “performance” passa a ser cronometrada ao minuto.
Aqui há duas sub-espécies: os que ainda estão no primeiro grau do aspirantado e apressam o final do discurso, quando a Presidente diz que o tempo chegou ao fim e os que, por considerarem que já têm graduação suficiente, dizem que vão terminar, mas prosseguem como se nada tivesse acontecido.
Os Notáveis e Muito Notáveis não têm que se inscrever: mandam uma mensagem à Presidente dizendo a hora a que lhes convém falar, normalmente perto das 20 horas. Também não têm que comprar direitos de “fala”. Embora recebam sinais discretos de que o tempo terminou, só acabam quando expuseram as suas ideias.
Quero aqui ressalvar que esta classificação de Notáveis visa apenas assinalar o seu lugar na hierarquia das castas e só por singular coincidência tem a ver com o “curriculum” pessoal e profissional de cada militante.
Como é, aliás, o caso dos órgãos agora eleitos (o respeitinho é bonito...) e sobretudo o nosso amigo e Autor do 4R, Miguel Frasquilho!...

10 comentários:

Antonio Almeida Felizes disse...

Muito bom, muito elucidativo e muito pedagógico.

AF - Regionalização
.

Massano Cardoso disse...

Castas? O melhor seria respeitar alguma espécie de castidade...

Anónimo disse...

Notável é este post!

Tonibler disse...

FABULOSO! Valeu a pena ir só por causa deste post!

Tavares Moreira disse...

Nesta apuradíssima crónica política, Pinho Cardão relata, com uma invulgar sagacidade neo-realista, uma liturgia partidária muito curiosa.
É exactamente assim que as coisas se passam em Congresso, posso testemunhar.
Melhor esta crónica, mas muito melhor, do que as de alguns consagrados cronistas políticos...

João Melo disse...

gostei especialmente da imagem dos brookers do tempo.belissima metáfora..

Torquato da Luz disse...

É por essas e por outras que me "desarrisquei" a tempo, caro Cardão. Embora, é claro, nunca tenha sido congressista - maleita que, felizmente, desconheço (e vou desconhecer "ad aeternum").
O abraço de sempre.

António Viriato disse...

Muito engraçada e bem elucidativa, esta pequena crónica da nossa inutilidade partidária, chame-se social-democrática, socialista ou popular-centrista demo-cristã. Quem poderá ainda ter fé nesta realidade política ? Será que Cristo ainda descerá de novo à terra, passe a irreverência para com os mais crentes ?

Anthrax disse...

Parabéns Dr. PC, ambos os posts estão bastante elucidativos e o que é que eu posso dizer, além do velho "Estão a ver porque é que não pago as quotas?".

Felizmente, ainda há aqueles como o Dr. PC que acreditam e isso é muito positivo. Só há ali uma coisita que eu discordo. Não acho que os "aspirantes a notáveis" sejam mal amados. No mínimo são é frustrados (como eu por exemplo que sou um "aspirante a génio" mal sucedido. Eu bem quero e bem esforço - dependendo dos dias - para que o meu Q.I ultrapasse a barreira dos 133... só precisava de mais 27 pontinhos para chegar pelo menos aos 160... mas não! Toma lá 133 e já gozas).

Daí que compreendo os "aspirantes a notáveis".

Anónimo disse...

Devido a essa perversidade e deturpação do Congresso é que já se propôs (pelo menos em intervenção) que houvesse um monitor bem visível para todos com a ordem de inscrição dos congressitas. Não é dificíl nem é uma inovação tecnológica.