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sexta-feira, 26 de maio de 2006

Bumpy ride

Permito-me assinalar alguns episódios ou notícias da semana que está a findar.
Destaco, em primeiro lugar, declarações proferidas na 3ªFeira por dois responsáveis governamentais.
O Ministro das Obras Públicas prometia (pela enésima vez?) que o Governo vai lançar investimentos fortíssimos na construção, contabilizando 17.200 milhões euros só nos projectos da OTA, Alta Velocidade, Plano Rodoviário Nacional e plataformas logísticas.
É o que se pode chamar um verdadeiro “festival de despesa”.Viva a despesa, abaixo o pessimismo!
Não é difícil imaginar quem esfregue as mãos de contentamento ao ouvir este tipo de declarações.
Nós, os simples contribuintes, devemos justificadamente “levar as mãos à cabeça”.

No mesmo dia, o Ministro da Economia e da Inovação (chamarei, para simplificar, Eco-inova), proferia um comentário, em reacção às mais recentes previsões da OCDE, que tenho procurado decifrar.
Afirmava, citando “A melhor prova de que há medidas que podem ter um impacto positivo no curto prazo é o facto de que nem a OCDE conseguiu detectar a viragem da economia portuguesa”.
Relativamente a esta arrojada afirmação, o que me deixa mais intrigado é que não tenha havido qualquer reacção por parte dos habituais comentadores, pelo menos de que me tenha dado conta.

Hoje, encontro na imprensa diária a notícia segundo a qual os municípios portugueses terão continuado a reforçar os seus quadros de pessoal, ao ritmo de 19 pessoas por dia, em 2005. Mais 6.900 funcionários, em números redondos.
Viva a despesa, abaixo o pessimismo!

Tudo isto depois de, no início da semana, a OCDE ter baixado a previsão de crescimento da economia portuguesa para este ano. Segundo esta organização, o PIB não deverá crescer mais do que 0,7%, o que, a confirmar-se - esperemos bem que não - significaria um recuo considerável em relação à previsão do Governo, incorporada na proposta do OE para 2006, que era de 1,1%. E seria menos de 1/3 do ritmo de crescimento previsto para a União Europeia.
Contra esta última previsão, como vimos, a arrojada, embora algo enigmática declaração do Ministro da Eco-inova, de que “nem a OCDE conseguiu detectar a viragem na economia portuguesa”.
No entanto, pensando melhor, se a viragem da economia portuguesa é assim tão recente que a OCDE em Maio, não se tinha dela apercebido, então também – por forte maioria de razão - a previsão de crescimento de 1,1%, apresentada pelo Governo na proposta de OE para 2006, antes do início do corrente ano, não podia ter tido em conta essa viragem.
Contas feitas, a conclusão que temos forçosamente de extrair, para dermos razão ao Ministro, será que a economia deverá crescer este ano mais de 1,1%. Talvez 1,5%?
Teríamos 1,1% da previsão inicial mais 0,4% da viragem (modesta viragem, mas convém não exagerar...).
Uma verdadeira “bumpy ride”, esta semana de notícias.
Cintos bem apertados, recomenda-se.

5 comentários:

Tonibler disse...

Pois é. Mas sabe, a economia portuguesa cada vez interessa menos. As câmaras que contratem, o governo que construa as suas parvoeiras, os partidos que abichem as contribuições patrióticas...Certo é que dinheiro não vai haver!

Fugir aos impostos! Essa é a verdadeira atitude patriótica.

Tavares Moreira disse...

Caro Pinho Cardão,

Essa afirmação do Ministro Eco-Inova, se proferida num Congresso do xxx, com estatuto de notável - quem mais se atreveria... - teria levantado o Congresso, num aplauso frenético e prolongado, como poucas vezes se terá visto.
À saída, depois de aplaudirem sem descanso, não seriam poucos os que comentariam para o lado: "Olha lá, percebeste aquela do Min. da Eco-
-inova?"

Carlos Sério disse...

Não foi elaborada qualquer legislação ou criadas quaisquer condições ou mecanismos capazes de inverter o despesismo do Estado, o despesismo dos Municípios, a corrupção generalizada nos serviços do Estado e Municípios, ou os altos custos de exploração das empresas. Ao fim e ao cabo nada foi feito para libertar a economia nacional das amarras com que está presa e asfixiada. As medidas anunciadas até aqui pelo governo, não passam de medidas populistas e foram lançadas mais com o intuito de captar simpatias do que com a finalidade objectiva de procurar inverter este estado de coisas. Um exemplo de que assim é, manifestou-se no recuo do governo na extinção dos 18 governadores civis.
Não pode haver contemplações na luta contra o despesismo do Estado dada a gravidade deste problema hoje em dia. As dezenas de milhar de nomeações politicas para cargos de gestão do Estado (incluindo empresas com participação do Estado) são outro factor importante do nosso atraso económico. Ao escolherem-se “gestores” políticos em vez de gestores com curriculum necessário e capaz acarreta inequivocamente como resultado uma gestão menos correcta, por vezes manifestamente errada, e com custos económicos graves. Acresce como factor negativo a precariedade e instabilidade gerada nos Órgãos, Institutos ou Empresas que vêm os seus gestores mudarem sempre que há mudanças de governo. Sem contestação da opinião pública dada a reconhecida incompetência desses gestores o que não deixa de ser cómodo para os partidos do governo, para a “classe política”.
Não se vê infelizmente a nossa classe politica e os governos discutirem com seriedade estas questões. As causas da nossa falta de competitividade, do nosso atraso, são sempre justificadas por múltiplas outras razões e, como tal, nunca combatidas com eficácia.

Anónimo disse...

Portugal é visto no estrangeiro como um país em contínua degradação e declínio no que respeita ao mais variados indicadores económicos, necessitando de um «grande abalo». O retrato negro é traçado pelo guru da gestão norte-americano, Jack Welch.
«Se compararmos o crescimento com o dos países da Europa do Leste, com a Irlanda ou Espanha, eu ficaria embaraçado com o desempenho económico português», afirmou.
(extracto do site da TSF)

“Sob o manto diáfano da fantasia, a nudez crua da verdade”
Eça de Queirós

A verdade dói. Mas só a dor da verdade pode impulsionar uma efectiva estratégia de mudança.
Não falo das pequenas mudanças que, naturalmente, também são necessárias. Falo sim de uma mudança do paradigma de desenvolvimento socioeconómico, que deve centrar-se: i) no estímulo da iniciativa privada – orientando-a para uma economia aberta e competitiva, com uma forte componente de exportação (a inovação tem, neste contexto, um papel essencial); ii) na qualificação com dupla certificação, escolar e profissional – entrosando, de forma estreita, as escolas e as empresas (as escolas, desde o básico, têm que fomentar o aparecimento de empreendedores, direi mesmo de empresários); iii) no saneamento das contas públicas – só possível com a redução do papel Estado a agente regulador mercado e auditor da qualidade (funcionários e serviços públicos, em conjunto, têm que passar para a esfera privada).

Quanto maior for a demora, maior será a dor da mudança!
Porém, nunca haverá qualquer mudança indolor.
O importante é que as pessoa percebam, com clareza, quais são os objectivos e qual o caminho. Alguns pensarão, é o dilúvio. Mas enganam-se. Surgirão novas e melhores oportunidades. Acima de tudo, a nossa forma de encarar os problemas passará a ser diferente. Mais resoluta e com maior confiança.
Parece que já não é possível a situação piorar, mas é! Ainda podemos continuar a empobrecer se, entretanto, não mudarmos nada do que é essencial.

Tavares Moreira disse...

Pois é, meus Caros Tonibler, Ruy e Felix Esménio.
Compreendam como se sente uma pessoa que já há 7 anos chamava a atenção para este problema, por vezes de forma apaixonada, e que foi acusado publicamente de exibir um pessimismo injustificado!
Tenho a noção de que só haverá correcção efectiva de políticas quando as agências de "rating" e os credores externos nos impuserem condições de financiamento draconianas.
Bem gostava de estar enganado, sou franco.
Mas não vejo mudança de rumo fundamental - boas intenções pouco ou nada valem - que me permita acreditar numa solução próxima, fruto de vontade política autónoma, do problema do excesso de despesa pública em Portugal.
Quando referi, em posts anteriores, o ALERTA VERMELHO, não pretendi exagerar.