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quarta-feira, 20 de março de 2013

Dêem razão à S&P

Portugal recebeu recentemente o primeiro sinal favorável de uma agência de notação financeira em 15 anos: a S&P veio subir as perspectivas para o rating da dívida portuguesa de negativas para estáveis. Depois da emissão de dívida pública a 5 anos em Janeiro último, uma nova etapa positiva foi superada na espinhosa trajectória que teríamos sempre que cumprir para ambicionar melhorar o nosso futuro.
Goste-se ou não das agências de rating, achemos ou não que são incompetentes (e que deixaram, no passado, que a crise financeira internacional, por exemplo, lhes rebentasse bem debaixo do seu nariz sem que o tivessem minimamente previsto), a verdade é que elas são incontornáveis, as suas opiniões e análises são globalmente escutadas e a melhor forma de um país ou empresa não estar sujeito à sua ditadura é “não se pôr a jeito” (como aconteceu, por exemplo, com Portugal). Considero, por isso, muito relevante o sinal enviado pela S&P, uma das três mais importantes agências de notação financeira do mundo (as outras são a Moody’s e a Fitch).
É verdade que a notação continuou a ser a mesma (BB, nível considerado “lixo”) – mas, enfim, pelo menos desapareceu o risco imediato de voltar a descer (o que fez os juros da dívida pública portuguesa acentuarem a tendência de queda que já vinham experimentando, contribuindo para tornar mais provável o regresso pleno de Portugal ao financiamento nos mercados a breve trecho). a razão de fundo para esta melhoria de outlook, dado o compromisso total do Governo no cumprimento das reformas estruturais e orçamentais subjacentes ao Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), reside no apoio dos credores e dos parceiros europeus. Como? Pelo ajustamento do ritmo de consolidação orçamental (leia-se um prolongamento dos prazos para cumprir as metas do programa) e também por uma extensão dos prazos para o pagamento da dívida financiada pela Europa. Uma consequência da deterioração da situação económica nacional e que, na opinião da agência, “torna o processo de ajustamento de Portugal mais sustentável económica e socialmente”, reduzindo o risco de que o País não cumpra o programa. Já para subir o rating da dívida pública portuguesa, a S&P elege uma prestação das exportações melhor do que se espera, ou uma recuperação significativa do investimento como factores críticos; ao contrário, a diminuição do compromisso político para implementar o PAEF, ou um menor apoio das instituições europeias ao programa, são factores que poderão fazer descer o rating da dívida pública portuguesa. Creio que, pelo menos desta vez, a S&P acertou em cheio no alvo. O que se tornou ainda mais evidente depois de conhecidas as conclusões do sétimo exame regular da Troika (a decisão da S&P foi conhecida antes). Porquê? Porque grande parte do PAEF português tem, hoje, pouco ou nada a ver com o inicialmente desenhado: a recessão é muito maior; o desemprego atinge níveis considerados impensáveis até há bem pouco tempo; a consolidação orçamental situa-se muito aquém do previsto (apesar dos progressos em termos estruturais – ainda assim, eles próprios bem inferiores ao projectado). Tudo isto com o Governo a mostrar um compromisso total com as metas do Programa. E com a população portuguesa a realizar tremendos sacrifícios, que superaram todas e quaisquer expectativas. Não podem, por isso, deixar de ser retiradas ilações desta situação. E se o País até já está excedentário nas suas contas com o exterior (o que nunca foi previsto no PAEF original…), isso significa que famílias e empresas já ajustaram – pelo que só faz sentido manter a austeridade na esfera pública. Por outras palavras, falta reformar o Estado e redimensionar a despesa pública, tornando-a sustentável. Mas, ao mesmo tempo, a sociedade deve ser aliviada do enorme sufoco fiscal em que se encontra – o que aumentará a confiança, deixará respirar um pouco melhor a economia e beneficiará as contas públicas. Faria todo o sentido que os nossos parceiros europeus o percebessem – se estão realmente interessados (e eu tenho a certeza que estão) no sucesso do nosso PAEF. E que não insistissem numa receita que, apesar do total empenhamento interno, não produziu, nem está a produzir, os resultados desejados – como já todos perceberam. A S&P subiu o outlook da dívida pública portuguesa devido ao apoio da Europa. Sucede que o apoio até agora demonstrado – a revisão das metas orçamentais do PAEF e a extensão do prazo para o pagamento dos empréstimos europeus – não é, nesta altura, suficiente para, em face do que se soube da sétima avaliação da Troika, continuar a garantir que, no fim, o PAEF acabará bem. Nem para que o nosso rating seja subido, como todos desejamos. À deterioração acentuada das condições económicas e sociais corresponde não só uma crescente dificuldade em conseguir cumprir as metas orçamentais que continuam a constar do programa, como condições políticas cada vez mais adversas (o consenso à volta do PAEF é, hoje, bem menor do que num passado recente). Nunca tanto como agora a responsabilidade esteve nas mãos das instituições europeias e dos nossos parceiros. O cumprimento do PAEF por parte de Portugal é inquestionável. O empenhamento do Governo e da população portuguesa tem sido irrepreensível. Mas sem que as orientações europeias de política económica se alterem, dificilmente chegaremos lá. Mesmo conseguindo colocar-nos sob protecção do BCE (e temos feito tudo para o alcançar). É tempo de sermos recompensados. Realmente. Sim, queremos cumprir o PAEF e pagar a nossa dívida. Dêem-nos, por isso, condições para o fazermos.
Dêem razão à S&P. 

Este texto foi publicado no Jornal de Negócios em 20 de Março, 2013.

5 comentários:

Floribundus disse...

nunca votei no partido que provocou a bancarrota.

o seu meio-secretário-geral devia ter um pouco mais de respeito pelos contribuintes porque são eles que pagam a factura.

Jorge Lucio disse...

Caro Dr. Miguel Frasquilho,

Eu até gostaria de concordar consigo. Mas noto o seu desabafo "é tempo de de sermos recompensados".

Recebemos um suposto bónus de um ano adicional para cumprimento do défice. Pelas declarações da delegação da troika diria que foi tudo menos uma recompensa; antes um favor... Nada nas atitudes recentes dos nossos "parceiros" europeus me parece representar algum respeito pela performance do "bom aluno".

Assumir uma postura de "cãozinho obediente" como fizemos, não trazem reconhecimento a ninguém (perderia tempo com alguém que demonstrasse que não pensa pela sua própria cabeça?)

E pelo exemplo que vem agora de Chipre, não há que esperar alterações da postura dos Governos do Norte da Europa para Portugal.


PS1: É curioso relembrar, mantidas as devidas distâncias, que José Sócrates num primeiro momento em 2008/9, também aplicou acriticamente as "directivas" de Bruxelas, então de "Investimento Público! Investimento Público!"

PS2: Quanto às S&P deste mundo... acha mesmo que vale a pena perder tempo com elas, depois das "borradas" que fizeram...?

alberico.lopes disse...

Subscrevo totalmente esta crónica do Dr-Miguel que muito aprecio pela sua indiscutível capacidade de análise!

Conservador disse...

Dr. Miguel Frasquilho:
1.- Era bom que assim fosse. Mas não se vê nada a médio prazo a não ser que se extingam autarquias, escolas secundárias, universidades, hospitais, limitação drástica das pensões ao máximo de 2500 euros, ...; preferiram violar a propriedade do salário,do rendimento.
2.- A Europa está velha meu caro, e desta vez sem dinheiro porque há trabalho, motivação, talento, ...noutros continentes.

Paulo Pereira disse...

Caro Miguel Fraquislho,

Conseguirá alguém explicar a obsessão em querer atingir um déficit público de 3% numa economia em recessão , quando isso é uma impossibilidade nas condições actuais ?

Porque é que os economistas deixaram a partir de 1992 de ter como principal prioridade o gestão do déficit externo e passaram a ter como obsessão um pouco fetichista o deficit publico e uma taxa de inflação máxima de 2%.

Será que o ensino da economia regrediu assim tanto em tão pouco tempo ?