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terça-feira, 19 de março de 2013

"Não ter medo da bondade"


Ouvir dizer que "não devemos ter medo da bondade" perturbou-me. Uma frase não feita, não encomendada, apenas sentida por quem deve gostar e acredita na vida. A frase perturbou-me e, muito provavelmente, não a irei esquecer. Qual o seu sentido, qual o seu alcance, qual a sua origem? Não importa qual, o que importa é que vai ficar na mente de alguns, na minha vai ficar com toda a certeza. Sempre irá ajudar-me a esconjurar a maldade que abunda por aí. Não esconjura nada, mas não há nada melhor do que acreditar numa esperança vã, dá sentido e significado, ainda que momentaneamente, à vida, enquanto a sentimos ou enquanto ela se faz sentir, tanto faz. 
Ouvir dizer que "não devemos ter medo da bondade" aleijou-me, porque no momento em que a ouvi estava a ler um pequeno artigo sobre uma das mais horríveis manifestações de um representante da espécie humana, Joseph Mengel, o "Anjo da Morte", um dos poucos demónios que nunca foi capturado e julgado pelos seus atos criminosos. Ao reler algumas das suas atividades e "experiências" senti um sabor nauseabundo a percorrer aquilo a que podemos chamar alma, coisa que não sei bem o que é, ou se existe, mas que interpreto como uma sopa quente de sentimentos, de emoções, de esperanças, de temores e de dissabores, sem pernas, sem braços, sem memória, sem nada, algo confuso que vive sem saber que vive. Incomodou-me a circunstância de ter de ouvir e de ler, praticamente ao mesmo tempo, o conselho a não ter medo da bondade e o renascer do medo da maldade. Velhos medos, humanos, diabólicos e divinos, a fazerem das suas, a convidarem-me à fuga ou ir ao encontro do que não sei e nem sei se valerá a pena. Fugir ou encontrar são duas faces da mesma moeda da vida, moeda cara e fria, embora leve e bela por vezes. Assusta-me a maldade humana, uma maldade projetada nos demónios. Pobres demónios. Nem eles são capazes de fazer o que pode fazer um humano. Assusta-me não fazer "bondade", mas assusta-me mais o alheamento da bondade divina. Os deuses devem ter inveja de muitos humanos porque estes são capazes de atos de bondade que nem lhes passa pelas divinais mentes. Mas afinal o que é o ser humano? Um somatório de sentimentos e de emoções com vida própria capaz de oscilar entre a maldade absoluta e uma divinal bondade. Onde pairamos neste longo espetro de sentimentos e de emoções? Algures.
Eu tenho muito medo da maldade, mas, afinal, o que eu queria era não ter medo da bondade... 

5 comentários:

C.e.C disse...

Talvez a maior razão para o receio que a bondade nos evoca -provocando uma certa desconfiança- provenha, como ocorre muitas vezes, da análise da sua antítese. A maldade, pelo menos a mim, sempre me fez pensar em auto-defesa (preservação), não num acto - propriamente dito - de mágoa a outrem; transformando dita interpretação de maldade em algo inatamente natural e a bondade em algo que nos foi incutido através de resoluções sociais como religião, educação, etc.

A verdade é que a definição de bondade e dos seus actos inerentes tem mudado constantemente ao longo de séculos e milénios... já a maldade, que se ramifica em defesa do próprio e dos 'seus', tem se mantido bastante fiel a si própria.

Pedro disse...

sinais dos tempos...indelizmente!

Esse tal "medo da bondade"...é, parece-me, o mesmissimo mecanismo interno e automatico, que na maioria das pessoas que conheço faz disparar a seguinte frase :

"és memo artolas, com essa tua mania de seres bondoso e justo! achas que alguem irá fazer isso por ti ?"


Isto é...esse "medo da bondade" é tambem acompanhado por uma "vergonha de ser bondoso"!

Porque, nos dias de hoje, onde quem "manda" são os "valores que se tem no banco" e não os "valores que se praticam, se defendem e se partilham"...numa sociedade onde vale mais a imagem que a subtancia...

...ser "bondoso" já parece só ser reconhecido como vindo de alguem que das duas uma :

- ou é tolo!
- ou quer fazer de ti tolo!


e por este andar, daqui a umas gerações, no proximo acordo ortografico, talvez palavras como :

- Bondade
- Principios
- Moral
- Sentimentos
- Compromisso

..o mais certo é desaparecerem devez, por já não terem qualquer tipo de utilização.

jotaC disse...

Pois eu também tenho medo da bondade, não de toda, só da piedosa...

Luis Moreira disse...

Já encontrei gente muito inteligente e trabalhadora mas bondosa muito pouca. É, realmente, a qualidade mais importante num ser humano. perguntem a uma criança...

Catarina disse...

A bondade está a ficar cada vez mais escassa.