Número total de visualizações de páginas

terça-feira, 5 de março de 2013

Massa do tempo...

Debilitado fisicamente, fiquei na expectativa de poder usufruir um curto momento de reflexão e de tranquilidade à hora do almoço. Não preciso de muito tempo, eu próprio consigo transformar o breve num longo e suave suspiro. Consigo estender o tempo para além do tempo sem dar conta da passagem do tempo. Mistério do tempo. As horas passavam e nunca mais via chegar o momento desejado. À debilidade física associou-se uma espécie de debilidade emocional. Desisti. Hoje não vou ter tempo de ver correr o tempo da maneira que eu gosto, a única em que não sinto o seu peso e tormentos. Em primeiro lugar estão os deveres e as regras mundanas. Fica para a próxima. Cumpri. Eis que me informaram que iria ter tempo livre durante a tarde, muito tempo, tempo demais, inclusive. Sendo assim, vou dar uma volta, não para matar o tempo, não tenho esse instinto, nem esse direito, mas sim para andar, para ver, para encontrar não sei o quê, mas acabo sempre por encontrar qualquer coisa e quando não encontro, encontram-me. Acabei por me encontrar no espaço em que consigo dominar o tempo, dar-lhe um significado diferente, estendendo-o como se tratasse de massa folhada, a recordar o tempo em que passava o tempo a ver a beleza da farinha, da margarina e da água a adquirirem aquela textura na placa de mármore, retirada da mesinha de cabeceira para aquele fim específico. O pensamento transformou-se no rolo da massa e começou a exercitar-se, inicialmente com alguma dificuldade, depois com suavidade até que a massa do tempo começou a desprender-se aceitando quaisquer formas que lhe quisesse dar. Dei-lhe inúmeras formas, recheadas de vida, de suco, de prazer, os únicos recheios que vale a pena utilizar. Saboreei um a um, não com o instinto de matar a fome, apenas pela procura de sensações hedonísticas. O tempo também me fez recordar a altura em que os restos da massa, pequenas tiras, que depois de fritas eram cobertas de açúcar e de canela, me propiciavam o melhor dos prazeres, comer o tempo. Só o tempo é que consegue dar forma e encobrir belos e deliciosos recheios. Se não fosse a massa do tempo como daria forma a tais sensações? E eu que não sabia que em pequeno cheguei a comer pequenas tiras de tempo, fritas, com açúcar e canela. O tempo nunca se importou com isso...

7 comentários:

Floribundus disse...

desde há anos que alguns os Portuguesas entraram na dança de São Vito,
não conseguem usufruir o tempo e a reflexão. correm para chegar a parte nenhuma.
outros andam a matar o tempo, mas é o tempo que os mata

Catarina disse...

Ah! Como me fez bem ler este texto, caro Prof!

Bartolomeu disse...

Saber "agarrar" o tempo, molda-lo, prepara-lo e saborea-lo, é uma sabedoria milenar que muitos monges, eremitas e outros contempladores aprendem a aperfeiçoar durante um bom tempo, do tempo que lhes cabe viver.
Não são muitos os que conseguem dominar inteiramente essa arte mas mesmo assim, retiram dela, longos momentos de prazer e de auto-conhecimento.

Se o prazer sabe à canela,
Que cobre a massa folhada.
E o saber faz parte dela,
Se de tempo for recheada.
Roube-se então. À panela
Do tempo, a massa amassada,
Molde-se finamente com ela,
Uma tira bem esticada,
De tempo, largamente açucarada.

;)

Bartolomeu disse...

A propósito do tema do post:
http://www.youtube.com/watch?v=hzC_GzLR-8k

Bartolomeu disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Suzana Toscano disse...

Belo texto, gostei imenso dessa associação da massa folhada à massa do tempo, ainda tenho o hábito de fazer as tais tirinhas com açúcar e canela, a diferença é que agora compra-se a massa já feita, a partir de agora vou associar essa guloseimas a este lindo texto e as tirinhas vão ganhar um novo e inimitável sabor.!

Suzana Toscano disse...

Já agora, o poema do caro Bartolomeu está uma obra de arte :)