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terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Cinema confidencial e estritamente reservado!...


Através do suplemento do Actual da última edição de 2006 do Expresso, o conhecido crítico Jorge Leitão Ramos referiu alguns dados referentes a esse ano sobre o cinema português.
A safra resultou em doze longas-metragens e cinco documentários, para além de algumas curtas-metragens. De grande qualidade e diversidade, “mostrando uma vitalidade no sector, também ela sem paralelo histórico”, de acordo com o crítico.
Foram de facto filmes de grande valo qualitativo e de enorme valor cultural, bem confirmados pelo parâmetro usual para essa aferição: as audiências.
Das 12 longas-metragens, três não atingiram mil espectadores, seis não atingiram os 10.000 espectadores (e muitos ficaram bastante abaixo) e apenas dois ultrapassaram 10.000 espectadores, um com 29.000 e outro com 11.000, este ainda em exibição.
Temos que nos congratular por largos milhões do nosso dinheiro terem sido destinados a produtos de tão alto padrão cultural e, como tal, de circulação confidencial ou mesmo reservada, para não adulterar o produto.
Tomando como padrão um produto cultural autêntico que é a Quarta República, verifico que as fitas do ano já têm menos espectadores do que de visitas tem o Quarta República diariamente, nuns casos, ou em cada semana, noutros, ou num mês, numa delas. O que constitui um facto verdadeiramente notável!....
Como tal, e como no cinema, justifica-se plenamente um subsídio estatal ao 4R para melhoria dos textos, obviamente concedido em função de objectivos, crecente à medida que os visitantes diminuissem e atingindo o valor máximo quando ninguém se interessasse por nós. Sinal de que teríamos então atingido o paroxismo cultural e do serviço público!...
Nota: Também estreado em 2006 foi o Filme da Treta, que teve 270.000 espectadores. Mas não me venham dizer que esse facto anula alguma coisa do que atrás referi…

13 comentários:

Tonibler disse...

Subsídio ao 4-R, já!

O Filme da Treta, filme de piada fácil, sem qualidade estética, só vem confirmar que isto de cinema de qualidade não para andar por aí a ser visto por todo o gato careto!

Anónimo disse...

Comento a nota final, só para acrescentar que o "sucesso" do Filme da Treta prova que só se ganha quando se chamam os nomes aos bois.
Quanto ao subsídio estatal ao 4R, apesar de estar de acordo com a análise do Pinho Cardão que conclui pela maior legitimidade dos seus autores para o receberem se comparados com a maioria dos produtores e realizadores do nosso cinema, devo dizer que a magnanimidade destes republicanos e a coerência com a sua aposta num Estado verdadeiramente social, certamente que os levaria a decliná-lo.

Pissarrinha disse...

E qual seria a vossa sugestão acbar com os subsidios? Acabar com o cinema de producao nacional?

Pinho Cardão disse...

Caro Pissarinha:
Se com subsídios temos este cinema de altíssima qualidade, sem subsídios não deixaríamos de ter cinema de alta qualidade!... É que a necessidade aguça o engenho!...
Sei que dirão que quem afirma isto não sabe nada da realidade da produção de cinema português. Não é verdade, porque sei alguma coisa. E também sei que se justificam alguns subsídios. Mas não para quem faz modo de vida no produzir ou realizar sistematicamente filmes para si e os amigos. Esse também é um tipo de cinema comercial, sendo que apenas dois ou três beneficiam do comércio!...
Mas dá para alguns fazerem grandes vidas, o que seria o menos, se fosse a expensas próprias,mas é o mais, porque é à custa do seu, do meu e do nosso dinheiro,e com o desplante de dizerem que é em nome da cultura!...

Suzana Toscano disse...

Está visto que não precisamos de subsídios, a produção nacional afirma-se pela adesão do mercado :)
Sobre o cinema subsidiado e sem espectadores não sei se ouviram a entrevista de vasco Pulido Valente em que dizia que nunca ouviu nenhum desses "produtores" questionar-se, uma vez que fosse, sobre a razoabilidade da utilização que estavam a dar aos dinheiros públicos que recebiam ou seja, não detectou nunca (afirmou ele claramente)qualquer preocupação desse género nos candidatos ao subsídio...

João Pais disse...

Já agora, mais algumas obras sem interesse público, já que não tiveram nenhuns aderentes do "público geral" (que parece ser o factor de qualidade por aqui, vendo o nível do post original), e atreveram-se a desafiar o gosto geral num gesto claramente elitista:

- http://en.wikipedia.org/wiki/Kafka#Literary_work
- http://en.wikipedia.org/wiki/Vincent_van_Gogh
- porque é que um filme onde isto acontece: http://youtube.com/results?search_query=juventude+marcha+cannes
só podia ser visto em Dezembro passado em 1 cinema (marginal) na capital lisboa?

e já agora complete o seu raciocínio, e diga se estas são as suas novas obras de referência:
- http://www.i1mdb.com/boxoffice/alltimegross?region=non-us
- e em território nacional: http://pt.wikipedia.org/wiki/Filipe_La_Féria (o senhor P.C. deve estar bastante emocionado com a próxima temporada do Rivoli, e com o trabalho pioneiro de Rui Rio)

Anthrax disse...

APOIADO!!

Subsídios ao 4R já! :)

Ok, e agora num tom um pouco mais a sério.

Pessoalmente, gosto imenso de cinema e ao contrário do que se possa imaginar, este meu gosto não se reflecte unicamente nos filmes norte-americanos. Os ingleses, os franceses, os espanhóis, os italianos, os chineses, os japoneses, os coreanos, os indianos, os russos, os brasileiros, etc têm filmes muito bons, muito giros que em nada ficam atrás aos americanos (excepto, talvez no orçamento).

É claro que não é possível ignorar que quando se fala de cinema, automaticamente, pensamos nos filmes americanos, em Hollywood, no estrelato e em pipas de massa, mas isso é absolutamente natural porque, de facto, eles têm uma indústria cinematográfica fenomenal, global e não são subvencionados pelo Estado (embora haja casos em que os filmes sirvam nitidamente objectivos políticos).

No caso específico dos filmes portugueses, é da minha opinião que, o maior problema que eles têm é o facto de serem subvencionados. Ora, trocando isto por miúdos, é o facto de estarem a ser sustentados artificialmente e quando isso acontece não há sobrevivência possível.

Note-se que isto não acontece somente com os filmes. Isto acontece com qualquer projecto que seja subvencionado quer por fundos nacionais, quer por fundos comunitários e posso-vos garantir que, neste último caso que referi, são muito poucos os casos de sucesso que conseguem adquirir a sustentabilidade que lhes permite sobreviver para além daquele pequeno momento que constitui o período de duração do projecto.

Sabem qual foi a melhor coisa que eu disse a um coordenador de projectos português, depois de ter visto o projecto deles? "Vocês têm aqui um excelente projecto, com pernas para andar, com ou sem financiamento comunitário, certifiquem-se que têm o apoio necessário para continuar mesmo que o projecto não seja aprovado por Bruxelas". E disse-lhes como é que haviam de fazer para garantir esse apoio e a que portas poderiam ir bater.

No meio disto tudo, a verdade é Bruxelas não lhes aprovou o projecto mas, eles sobreviveram e andam aí. Também é verdade que tudo o que eles conseguiram até agora saiu-lhes do pêlo e continua a sair, mas eles estão a sobreviver e têm o apoio, não só de empresas portuguesas como também de empresas estrangeiras. E eu fiquei feliz da vida porque fiz uma boa acção.

É claro que vos podia estar aqui a dar uma seca sobre desenvolvimento, coordenação e gestão de projectos, dizer-vos quais são as principais falhas (que normalmente começam logo na concepção do mesmo), mas isso não ía alterar em nada o "bottom line" que é a incapacidade de sobreviverem por si só.

O problema é pensar-se que não se consegue fazer nada sem subsídios e essa é, não só, uma visão muito distorcida das coisas, como também, uma forma muito airosa e conveniente de desresponsabilização (também conhecida pelo termo "sacudir a água do capote").

E eis o meu, extenso, regresso ! :)

Tavares Moreira disse...

Caro Pinho Cardão,

Gostaria de saber o que é que pode justificar a subsidiação de uma produção de cinema ou teatro que ninguém ou quase ninguem aprecia? Não consigo entender esta lógica, pois a única resposta que encontro é um suposto "direito divino" ou privilégio original dos subsidiados, o direito a serem financiados pelos demais cidadãos, contra a vontade destes que não reconhecem qualquer utilidade no produto/ serviço que é subsidiado.
Expliquem-me por favor qual o sentido de tal subsidiação, se não é este.

Pinho Cardão disse...

Caro João Miguel Pais:
Creio que muitas pessoas valoram apenas os seus valores culturais e subestimam os dos outros.
Pois eu tanto me recuso a considerar como obra de arte ou cultural um filme em que o realizador tapa a câmara, como o Filme da Treta.
E,pelo que tenho visto, muita da má qualidade, no meu entender, de um grande número dos nossos filmes resulta apenas do facilitismo que vem presidindo à sua produção e realização, provocado pelo sistema de subsidiação existente.
E não estou a falar de audiências, mas de má qualidade intrínseca e de temas inenarráveis.

João Pais disse...

o meu ponto é ainda o mesmo (já tivemos esta discussão há uns tempos atrás): o problema não são haver subsídios, mas haverem maus subsídios. pelo seu discurso, parece que a solução de tudo é acabar com os meios que existem (como se desactivando o ministério da cultura ou cancelando concertos fosse o melhor a fazer para reavivar a música, por exemplo). acha que acabando com a bolsa a economia iria melhorar?
se os subsídios existentes dão maus produtos, então a solução seria elaborar critérios sérios e adequados para os projectos a apoiar, ser mais exigente, e também assegurar que as avaliações são feitas por pessoas sérias - um pouco de estratégia cultural também não seria mau, em vez de andar apenas a distribuir o dinheiro dos outros.


fora do assunto, gostaria de comentar a frase "É que a necessidade aguça o engenho!...". este é um lugar comum neo-romântico típico, que as pessoas de fora gostam de atribuir aos artistas (normalmente sentadas conforavelmente na sua casa à frente da lareira, a beber um whisky de qualidade). como se uma condição para ser artista fosse passar fome, não ter emprego fixo, ter problemas a pagar a renda, etc. acha que essa frase se aplicaria bem se o senhor a dissesse a algum empregado seu, ou se o seu patrão a dissesse a si? "o senhor está a receber demais. agora fica três meses sem ordenado, para ver se trabalha melhor"
agora não faço, mas posso depois dar-lhe uma lista de artistas (mais tarde famosos e considerados de qualidade, claro) que morreram mais ou menos precocemente, e na miséria. nós estamos contentes de eles nos terem "dado" as suas obras; não sei é se eles se calhar teriam feito mais e melhor se tivessem vivido mais tempo, e se tivessem tido melhores condições de vida e pudessem ter feito o que sabiam fazer melhor.

Tonibler disse...

Caro João Miguel Pais,

Porque não passar do subsídio para o apoio? O contribuinte paga publicidade ou paga 50% do preço dos bilhetes, para que o acesso ao produto não seja tão caro.

Agora, o objectivo do subsídio não é o produto, é o consumo. Se ninguém consome o produto que faz é irrelevante se acha que é bom ou é mau. Vai consumir mais tarde, vai achar mais tarde que é bom?Acredito, mas que seja uma mais valia para os herdeiros e não um castigo para os contribuintes. Porque quando subsidiamos produtos culturais que ninguém vê, estamos a tirar o dinheiro de outros investimentos em que era preciso.

Anthrax disse...

Caro João Miguel Pais,

Espero que não se importe que eu me meta na conversa só para lhe dizer que, quando diz «o problema não são haver subsídios, mas haverem maus subsídios» eu não discordo inteiramente de si. E quando diz que é preciso haver critérios, que é preciso haver uma avaliação séria, levada a cabo por pessoas sérias etc, aqui estou plenamente de acordo consigo. Tudo isso é verdade (e, por exemplo, é um modelo que nós, embora noutra área, aqui somos mesmo obrigados a seguir) mas isso é só uma parte da coisa.

Isso é apenas «um processo de selecção» e quem avalia, pode estar, inicialmente, perante uma excelente proposta no papel e depois quando se vai ver o que estão a fazer, aquilo é uma desgraça tão grande que até dá para ficar de boca aberta. É claro que, nós aqui, quando encontramos situações dessas pedimos a devolução integral da verba mas, acredito que noutros sítios não se proceda da mesma forma.

Oiça, há pessoas que são verdadeiros profissionais a escrever propostas e não há volta a dar-lhe. A única hipótese e tornar os outros tão bons ou melhores que eles.

No que respeita à vida "desgraçada" dos artistas, não se esqueça de que não são as únicas pessoas que vivem na miséria, nem são as únicas pessoas que não têm direito a subsídio de desemprego.

A cultura funciona bem quando há dinheiro, quando não há ou quando aquilo que há não diz nada ao público, as coisas tornam-se muito mais complicadas.

João Pais disse...

para quem me respondeu (nâo há nada que pedir para entrar, isto é público e ainda bem) aqui estão respostas, embora um pouco desordenadas:

"profissionais a escrever propostas"
eu também já organizei projectos, e embora na minha opinião os projectos fossem válidos, uma proposta "profissional" é essencial para obter apoios (seja a que nível for). o que achei/achámos engraçado foi que o ipae, depois de nos ter dado um não tão pequeno apoio (e aumentando-o sempre ao longo de vários anos) nunca sequer fez nenhum controle para ver como/se as iniciativas propostas foram cumpridas. claro que no final do evento tem que se enviar um relatório, mas tal como a proposta, esse também é feito apenas pelos apoiados.
nós fomos honestos e mesmo com meios a menos conseguimos fazer tudo (e às vezes mais) do que previsto inicialmente. mas sabendo que as coisas se passavam deste modo, como é que eu sei que outros fizeram o mesmo? e se houve consequências para quem foi apanhado em falta? (algo mais do que ficar marcado para futros apoios)
isso é algo que eu incluiría na avaliação. tal como qualquer outra bolsa, o dinheiro é adiantado ao bolseiro - mas se ele não conseguir o grau no final, poderá ter que devolver tudo. para isso tem que haver um controle efectivo.
se isso existe em outras áreas, porque não na cultura?


apoio ao acesso ao produto (cultural):
acho que o objectivo do subsídio é efectivamente a produção do produto - que é a parte onde tem que haver o maior investimento.
o apoio à divulgação/acesso também seria outra vertente a explorar, mas de qualquer modo a produção acarreta sempre custos (a temática era cinema, onde são bastante altos), que não podem ser adiados.
mas mesmo tendo bastantes vantagens no acesso aos produtos, não sei se isso garante que irão ser "consumidos". alguém sabe qual o sucesso de venda dos cds e videos que costumam vir com os jornais diários?

o nível de consumo também traz consigo a questão do que é cultura, os mesmos eventos/produtos podem não fazer sentido em locais/ambientes diferentes. ninguém gosta de ter uma sala vazia (nem mesmo o joão césar monteiro). tal como em outras actividades, também deve haver um risco envolvido (e se forem analisar deste modo, aposto que bastantes livros/músicas/filmes/teatro que julgam bons foram um risco na altura - e bastantes foram penalizados por isso), em vez de uma total concessão ao gosto já existente (o que garantiria público, pelo menos em quantidade).
claro que os riscos também devem ser medidos, dependendo das possibilidades e do contexto. mas para isso teria que haver um contexto, ou uma política geral, coisa que parece não haver.


a "vida desgraçada" dos artistas era um aparte. não que eles sejam os mais desgraçados, de longe pelo contrário. mas acho um pouco deselegante e desrespeitosa a atitude de "é preciso sofrer para triunfar na vida". não é lógico ao mesmo tempo exigir mais qualidade e baixar os meios necessários para atingir essa qualidade. exprimentem desligar 1/4 dos computadores nos vossos escritórios e continuem o trabalho. de certeza que o vosso engenho se desenvolverá bastante - ao mesmo tempo que os clientes desaparecem.
pelo contrário, parece-me lógico que se alguém consegue algo com x meios, com x+y deverá conseguir mais.


a cultura sempre foi um luxo. antes haviam regentes ou corpos políticos (mais ou menos iluminados) que gostavam de mostrar as suas posses incentivando essa cultura. esses tempos estão bastante longe (felizmente, houve progresso), e hoje em dia qualquer artista tem que saber como viver e ao mesmo tempo produzir.
é claro que a cultura no plano imediato só serve para gastar dinheiro, e só existe se o há. mas penso que todos concordam, que se existir cultura, esse dinheiro será um investimento que enriquecerá as mentes dos que dela usufruírem.