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sábado, 24 de fevereiro de 2007

A política há 140 anos...

Notável esta "prosa" de Eça de Queiroz. Acutilante, irónica e trocista, bem ao seu estilo. Foi há 140 anos! E em 2007, como vai a nossa politica?

“ORDINARIAMENTE todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?”

(Eça de Queiroz, 1867 em "O distrito de Évora")

10 comentários:

CN disse...

Eça teve o condão de se perpetuar no tempo, ou então foi o tempo que não passou. A verdade é que a sociedade que ele descreveu parece que não se alterou.

Suzana Toscano disse...

Como figura de estilo, tem a sua força, mas para levar à letra acho que são generalizações abusivas, profundamente negativas e injustas. Mas esta negação de tudo também é um estilo bem português, é sempre mais fácil criticar...Acho bem que se demonstre o que está mal e se critique uma política como a que Eça descreve. Mas que se passe daí a um anátema, acho que não. acho mesmo.

BigX disse...

Este post da Margarida recorda-me um outro, que julgo ter sido também aqui publicado, onde Eça (penso que ele) retratava a "obcessão do défice" pelos governantes de então; o texto era, no mínimo, hilariante, dado paralelo das situações em tempos tão distantes.
Ainda aqui, mas também em outros blogs, comentários, etc, se recorda de tempos a tempos a célebre frase de Júlio César sobre os Lusitanos.
Estes e outros retratos, tão afastados no tempo, vão sempre surgindo ciclicamente quando a actualidade o solicita e alguém, inteligentemente, os "puxa da gaveta" da memória para nos lembrar que, se calhar, sempre fomos assim...
Concordo que criticar é fácil, é relamente um estilo bem português. Mas é inegável que o nosso povo tem pouco de social, de olhar para o bem comum, tentanto sobreviver dê lá por onde der, doa a quem doer. Assim se compreendem as fugas ao fisco, as baixas fraudulentas, os desempregados que não querem emprego, a acomodação ao mínimo indispensável para a sobrevivência, o medo de arriscar e andar para a frente.
Os governantes, esses, são apenas uma versão mais evoluida, refinada e educada do nosso povo - ou não tivessem eles de lá saído. Um político (governante ou não) inicia quase sempre a sua carreira colando cartazes numa Jota qualquer; depois, "cola-se" ou "é colado" a quem dá mais jeito, e assim vai subindo na hierarquia da máquina - e, se tudo correr bem, mais cedo ou mais tarde há-de surgir num cargo público. Depois, é o que se pode adivinhar: se a necessidade surgir, alguém haverá de o lembrar de como é que ele ali chegou...
Estou certo que a Suzana Toscano irá discordar desta minha generalização; mas tenho também a certeza que para fazer de Portugal um país sério, responsável e audaz, assente em valores nobres e fundamentais, só se irá conseguir mudando grande parte da massa de que somos feitos.

António Viriato disse...

Acaso o problema, hoje, seja ainda de maior gravidade, porque já nem os pressupostos do primeiro período da prosa do jovem Eça, director, redactor, correspondente e repórter do combativo Distrito de Évora, se verificam.

Muitas vezes a inteligência anda arredia daquelas ministrais cabeças, os discursos são sofríveis, na prosa, como na dicção e, muitos deles, nem sequer para convivas servem.

E, quanto ao mais, da competência, da idoneidade profissional e moral, disso nem é bom falar.

Seriam precisos, hoje, uns punhados de Eças e Ramalhos para zurzir tanto político incompetente. O Vasco Pulido Valente, só, é manifestamente insuficiente...Mesmo se, por vezes, secundado por alguns bons contributos de VGMoura, António Barreto e MSTavares..

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro CN
Este retrato dá-nos que pensar...

Suzana
Tem razão quando diz que as generalizações são abusivas. E acrescento que são perigosas e, muitas vezes, injustas.
O retrato de Eça de Queirós sobre a sociedade política não seria uma mera generalização, como sabemos de muitos outros retratos que escreveu. O seu estilo acentua de forma irónica e trocista certos traços evidentes da sociedade daquela época.
E tão pouco o retrato se aplica, sem os devidos cuidados, aos tempos actuais.

Caro zorbian
"Puxei da gaveta" da memória este retrato porque encontrei nele peculiaridades e particularidades que conservamos. Que acabam por se reflectir em muito do que nós somos. E os políticos não fogem à regra!

Caro Félix Esménio
Bela invocação de Almeida Negreiros. Ás vezes parece mesmo que nos falta aquele talento necessário à mudança!

Bartolomeu disse...

Pegando no "diáfano" citado pelo caro Félix, transcrevo a célebre frase de Eça "Sob o manto diáfano da fantasia, a nudez forte da verdade".
O conceito desta frase é contido também no texto postado pela Srª M.C.A. Concordando também com a necessidade de não generalizar. Percebo no entanto que este olhar de Eça sobre os nossos políticos e a sua forma de exercer a política, continua actual, com excepção para alguns pormenores. A cortesia nos discursos, assim como a pura dicção, são dois elementos que se perderam quase por completo. Mas como alguem profetizou um dia... "Portugal irá cumprir-se"

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro António Viriato
Encontramos semelhanças entre o seu flash sobre os tempos que correm e o retrato do nosso Eça de Queiroz! Ressalvada a generalização, muita coisa vai mal na nossa classe política, afinal o espelho do País que somos.

Caro Bartolomeu
"Sob o manto diáfano da fantasia, a nudez forte da verdade" é também um excelente mote para uma conversa sobre "E em 2007, como vai a nossa política?". O mediatismo da política tem roubado em muito a serenidade necessária ao exercício da política. Não são incompatíveis, mas a sua conjugação é algo que fazemos mal - "No meio está a virtude"!

Anthrax disse...

Cara Margarida,

Muitos parabéns por este post. Está fantástico. Ando há N a dizer que a nossa política actual e a nossa política do século XIX são semelhantes mas, ninguém me liga (não faz mal, eu não me importo):). Agora já devem ligar.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro anthrax,
Espero que esse seu sentimento fique agora um pouco desvanecido. Se não lhe ligam fazem mal...

antoniodasiscas disse...

A é a mesma, as moscas é que mudam!
Neste contexto apetece-me perguntar quantos políticos se conhecem com a envergadura de um autêntico " Homem de Estado ". Sóvejo um. O Prof. Dr. Adriano MOreira. Que pena já ter uma certa idade, e ter nascido nisto.