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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Referendos pouco mobilizadores

Na ressaca da consulta popular sobre o fim voluntário da gravidez (interrupção é algo que, por definição, pode ser continuado, o que, obviamente, não acontece se uma gravidez for “interrompida”…), muito se tem discutido sobre a figura do referendo na ainda jovem democracia portuguesa.

E, dos mais variados quadrantes, tenho ouvido, lido e visto muitos comentadores, analistas e políticos cá do burgo defenderem que a “instituição referendo” está em perigo, ou que Portugal ainda não está preparado para consultas deste género. Claro que este raciocínio resulta do facto de, em qualquer um dos três referendos realizados até agora, a grande vencedora sempre ter sido a abstenção, porque a verdade é que, em todos, nunca o número de votantes atingiu 50% dos inscritos. O que, de acordo com a Constituição, significou que os resultados obtidos nunca foram juridicamente vinculativos – ainda que, politicamente, nunca pudessem ser ignorados (como não foram…).

Não concordo com esta análise. É verdade que nos três referendos até agora realizados, o número de votantes sempre foi baixo. Apenas 31.9% no primeiro referendo sobre o aborto (1998); 48.3% no referendo sobre a regionalização (1998); e, agora, 43.4%.

Mas não creio que se possa afirmar que os temas que foram objecto de referendo constituiam temas do topo da agenda do país, ou temas que fossem considerados vitais pela população. Por mais que determinados políticos da nossa praça assim tenham querido fazer crer.

Alguém de bom senso acreditará que o fim voluntário da gravidez e a despenalização do aborto se realizado até às 10 semanas, por opção da mulher, era o problema prioritário com que os portugueses se debatiam? E que, por força de o “sim” ter vencido, todos os nossos problemas ficaram resolvidos? Será que os nossos salários vão crescer mais por causa disso? Ou que o nosso desemprego se reduzirá? Ou será que, por força deste resultado, o nosso crescimento económico vai ser tal que finalmente retomaremos a convergência real para a média europeia? Ou ainda que as listas de espera na saúde sejam encurtadas?

Aliás, para além disto, não se tratava de uma questão que podia ter sido resolvida no Parlamento?! Não é também para solucionar assuntos destes que a Assembleia da República existe?!... Para quê submeter novamente à consideração da população uma questão que, há quase 9 anos atrás, tinha suscitado muito pouco interesse e tinha resultado num rotundo fracasso? Pois apesar da subida da votação, mais uma vez ficámos longe dos 50% de votantes…

E no referendo sobre a regionalização, será que naquela altura (ou ainda hoje…), a divisão em regiões administrativas de um país que já ele é pouco maior do que algumas províncias espanholas, era algo por que os portugueses desejavam ardentemente pronunciar-se? Não creio, como os resultados demonstraram (e, mesmo assim, foi, dos três referendos, o que registou participação mais elevada…).

Penso, pois, que os referendos até agora realizados no nosso país tiveram sempre uma fraquíssima participação porque os temas sobre os quais os portugueses foram chamados a pronunciar-se não lhes captaram a atenção. Ou, se se quiser, não constituíam, claramente, as suas prioridades. Eram, talvez, a prioridade para uma determinada franja da classe política. Mas não mais do que isso. E, definitivamente, não o eram para a população.

Suponhamos agora que, em 1984 ou 1985, tinha sido submetida à consideração da população a nossa adesão à então CEE, em 1986, como acabou por acontecer. Não teria esse referendo tido uma elevada participação? É bem provável.

E imaginemos por um momento o que sucederia se hoje fosse submetido à consideração da população, em referendo, o aumento da idade da reforma. Não será que a esmagadora maioria dos eleitores votaria? Creio, obviamente, que sim…

Tristemente, os referendos que até hoje foram realizados não mobilizaram a nação. E foi por isso que, em todos eles, a abstenção foi a grande vencedora. Mas não é por isso que a “instituição referendo” deve ser colocada em causa.

Na verdade, se alguém precisa de retirar daqui ilações é a classe política (a que pertenço…). Que não submeta à consideração da população temas que só a uma minoria interessam. Sejam referendadas questões que verdadeiramente interessam o país e mobilizam a população, e estou absolutamente convicto que logo teremos resultados vinculativos e a abstenção derrotada.

11 comentários:

Tonibler disse...

Sim, é verdade que uns quantos fascistas colocaram a dúvida se valia a pena fazer referendos dado o número de votantes. Curiosamente, alguns deles eleitos com uma percentagem pouco maior de votantes.

Já agora, vamos mandar os deputados europeus todos de volta por terem sido eleitos numas eleições de baixíssima participação?

SG disse...

E agora a lei? Veja algumas preocupações em http://leia-la-isto.blogspot.com

Flávio Gonçalves disse...

Ainda não compreendi bem, como não votaram 50% da população este referendo tem valor?

Sinceramente que o aborto (juntamente com os direitos de casamento gay e a liberalização das drogas) são causas que servem para animar uma certa esquerda que já não sabe fazer política. Não servem para nada, a minha namorada pode abortar, eu posso encher-me de drogas para esquecer a vidinha de merda (e azar de ter nascido português num mundo tão grande) e ter o meu vizinho como amante... ao fim do dia, o Estado e a banca continuam a engordar, e a minha vida continuará a mesma m**** da sempre!

Anthrax disse...

Sinceramente, não sei se o Miguel Frasquilho tem razão ou não naquilo que diz mas, sei que fiz parte da abstenção, não só, pelos motivos que ele descreve neste post, como também, por outros motivos que ele não descreve neste post (e.g. o facto de transformarem toda esta questão no velho confronto entre esquerda e direita), e não me considero menos democrático por isso.

Este é, pelo menos, um ponto de vista com o qual me identifico.

Frederico Lucas disse...

Caro Miguel Fransquilho,
Rezo para que o argumento indicado não sirva para evitar referendos cuja participação se preverá fraca.

In extremis, o seu argumento poderá ser muito pouco democrático.


Um abraço

Frederico Lucas disse...

P.S.: Por curiosidade: Será, no seu entender, a OTA e o TGV referendável? Quais as expectativas de participação?

Miguel Frasquilho disse...

Caro Frederico,

Se calhar fui eu que não consegui passar a minha mensagem correctamente. Note que não estou contra os referendos, muito pelo contrário. O que não devemos, em minha opinião, é concluir que os portugueses não "gostam" de referendos ou não estão preparados para eles, baseando-nos apenas nos resultados obtidos até agora... pelos motivos que aponto. Quanto à OTA e ao TGV, pelo significado estratégico de que se revestem, pelos elevados montantes em jogo, e pela polémica que têm levantado creio que se poderia justificar, pelo menos, a ponderação de serem objecto de uma consulta popular... E, em caso afirmativo, creio que não seria muito dífícil superar os resultados dos referendos que tivemos até agora...

clubedasueca disse...

Caro Miguel Frasquilho, permita-me discordar da sua opinião. Considero todos os referendos até aqui realizados como pertinentes e que abordaram questões mobilizadoras. Infelizmente em Portugal ainda reside uma sociedade civil pouco mobilizadora... Ao contrário do que pensa, julgo o referendo da regionalização de uma importância vital para o desenvolvimento sustentado das regiões menos desenvolvidas do país. Infelizmente o não à regionalização venceu, e o que é que as regiões mais deprimidas do país ganharam com isso? Julgo que só perderam. Estas regiões viram diminuir o seu rendimento per capita, o desemprego aumentar, depararam-se com mais dificuldades para atrair investimentos, ou seja, houve uma diminuição do nível de vida da população destas regiões.
Reconheço que para quem está instalado no seu gabinete em Lisboa, tenha dificuldade em compreender esta realidade!

Anónimo disse...

Oportuno, meu caro Miguel.
Porém não o acompanho nas premissas e não subscrevo a conclusão de que para mobilizar o eleitorado é necessário chamar o Povo a pronunciar-se sobre temas mais relevantes. Penso diferentemente, em primeiro lugar porque as questões até aqui referendadas estão longe de se poder considerar questões menores para a democracia.
De facto, não é menor para o desenvolvimento do País o problema da sua organização administrativa. Ao contrário, é nuclear. Trata-se aí de chamar a julgamento do povo se se deve manter intocada a tradição centralista centenária; ou se devemos antes apostar na descentralização, ponderando vantagens e inconvenientes (incluindo a pequenez do território que refere e é decerto factor a ponderar), que os há, como ficou demonstrado no chocho debate que antecedeu o processo referendário da regionalização.
Também não me parece menor a questão da IVG sobretudo se colocada no plano da opção política, vertida em lei, de ver criminalizado o acto de abortar.
Acho, porém, que quer um quer outro dos referendos dão pistas para a explicação do seu insucesso - há que assumi-lo sem disfarces, de resto.
Lembro-me bem da campanha eleitoral do referendo sobre a regionalização. O que me espanta não foi a fraca participação. Espanto-me é que em resultado dela quase 50% das pessoas ainda tenham sentido vontade de escolher entre o sim e o não a uma pergunta sem sentido e depois do triste esgrimir de argumentos absurdos, de um lado e de outro da barricada. Esse referendo, convenhamos, serviu propósitos de afirmação política de alguns do lado do não - que bem necessitados dela andavam - e foi preparado com os pés por parte de quem protagonizou o sim.
Nesse caso, toda a classe política tem responasabilidades porque não foi capaz de fazer um debate preparado e honesto sobre as implicações positivas e negativas da descentralização que era o que deveria ter estado em causa.
Já este último referendo sobre o aborto, como o anterior, também comportam em si, a meu ver, a explicação para o desinteresse que a maioria das pessoas manifestou. Para muitos, este não é um tema referendável pela simples e elementar razão de que as implicações morais e éticas de uma opção se sobreporem às considerações políticas e excederem largamente os efeitos que com o referendo se pretendeu estabelecer.
Agora, meu caro Miguel, há uma responsabilidade que sinceramente não vejo a classe política atribuir e essa deve ser corajosamente atribuída: a responsabilidade do Povo. Foi ele que se ausentou e não vale apresentar a desculpa da muita chuva para o exonerar dessa responsabilidade como vejo hipocritamente fazer.
Com isto quero dizer que temos uma democracia pobre. Pobre em participação. Mais pessoas assistem a uma telenovela do que as que se interessam por um dos tais temas relevantes da vida nacional.
Manifestou-se agora neste referendo, tal como se manifestou nas eleições europeias como alguém acima recordou, a pobreza, a falta de maturidade e de cultura democráticas deste Povo. Como se manifesta sempre que as pessoas são chamadas a pronunciar-se sobre coisas tão próximas do cidadão como as soluções de um Plano Director Municipal ou sobre o loteamento. Desde que, claro, não haja dramatização, sangue suor e lágrimas como no caso do sargento condenado por sequestro da menor que acolheu, que mobilizou num ápice 10000 requerentes da soltura do militar!
Enquanto os políticos se satisfizerem com este nível de participação, nada fizerem para confrontarem os eleitores com o seu desinteresse; ou então não atribuirem significado político à abstenção como gesto consciente de rejeição do método, seremos uma democracia incompleta. Que serve a alguns políticos, bem sei. Exactamente aqueles, meu caro Miguel, que nunca aceitarão submeter a referendo um dos tais temas muito importantes. Porque quanto a esses temas sabemos todos muito bem que boa parte da classe política reclama para si e sempre reclamará a competência exclusiva para decidir (competência, no seu diverso significado...).

Outra questão que o seu post suscita, é a do quid possivel de um referendo. Nem tudo numa sociedade que aceita como bons mecanismos de democracia semi-directa, é referendável. Aliás, há opções que só podem ser tomadas no quadro da democracia representativa.
Mas estas são contas de outro rosário, que talvez um dia tenha paciência para desfiar...

Abraço, Miguel

Miguel Frasquilho disse...

Caro José Mário,

Tenho pena de não poder estar presente no repasto de amanhã, onde por certo poderíamos debater esta questão com mais profundidade. No entanto, deixe-me só referir-lhe que a mensagem principal que quis passar neste meu post foi que a figura do referendo não deve estar em causa só porque nos três referendos até agora realizados a abstenção sempre foi superior a 50%... E convido, até, a classe política a retirar as devidas ilações do que sucedeu... Não pretendo concluir que os referendos em Portugal devam acabar (muito pelo contrário!...) - o que defendo é que os temas devem ser muito bem pensados e escrutinados para que, depois, os resultados obtidos não dêem azo a todas as especulações e raciocínios a que tenho assistido nestes últimos dias!...
Mas, de qualquer forma, muito obrigado pelos seus comentários!...
Um abraço.

Carlos Monteiro disse...

Caro Ferreira de Almeida,

Uma grande análise.