Consegui finalmente ler as propostas eleitorais do PSD e do PS para a Justiça.
Sem surpresa, os diagnósticos. Do lado do PSD a catástrofe das reformas por fazer; do lado do PS, o caminho do paraíso aberto pelas reformas feitas por este governo.
Que a Justiça funciona mal como acentua a negro o PSD, é uma evidência. Como é evidente que o esforço feito por este governo para a simplificação dos processos - pese embora a aposta na automatização de procedimentos com recurso à informática - se tem revelado, em muitos aspectos, um flop.
Não fora a desjudicialização de muita coisa que não deveria ser desjudicializada, e o atraso nas decisões seria ainda mais grave do que é. O que significa que a estratégia de tentar fazer justiça mais rapidamente fazendo menos justiça, malogrou.
Do lado do PSD chega-se a dizer que o mau funcionamento da Justiça é o principal entrave ao nosso desenvolvimento económico. Exagero. O problema principal é a falta de competividade da nossa economia, sendo um dos factores a manifesta ausência de fiabilidade dos sistemas de resolução de litígios, que muitas vezes têm pouco que ver com as decisões governamentais, e tudo com a preparação e capacidade, se quiserem, com a competência de quem faz a justiça nos tribunais.
Mas há outros factores, para além do mau funcionamento do judiciário, factores de natureza estrutural que continuarão a constituir travões ao desenvolvimento económico e social se não existirem políticas destinadas a oferecer soluções corajosas e atentas à nova economia, ainda que a Justiça passe a dar resposta irrepreensível.
Descontado o exagero, tem razão o PSD quando elege a Justiça como preocupação maior de uma futura governação, pelas implicações que tem o seu mau funcionamento, a diversos níveis, incluindo na melhoria da economia.
Destaco duas áreas onde PSD e PS quiseram prometer algo ao eleitorado.
Pela positiva, a proposta do PSD de rever o "regime da litigância de má-fé". Pondo de lado a circunstância de não termos um "regime" de litigância abusiva, ao contrário do que se dá a entender (o que é secundário nesta análise) é de aplaudir a ideia de penalizar severamente a parte que faz dos processos um uso reprovável. Um contributo eficaz, creio, para descomprimir os tribunais de acções fúteis ou a sua instrumentalização para finalidades alheias à Justiça. Que revela, além do mais, que quem ajudou no programa vive no dia-a-dia os problemas concretos da vida judiciária, e não é um daqueles teóricos que se refugia em soluções tão elaboradas quanto longe das realidades. Já agora, espero que essa intenção, quando concretizada, implique que a penalização do litigante de má-fé resulte sobretudo em benefício da parte indevidamente incomodada com o processo (a principal vítima), e não só do Estado.
Pela negativa, destaco as banalidades do programa do PS sobre a formação dos magistrados e a ausência de propostas neste domínio por parte do PSD, o que contrasta com a importância decisiva desta questão.
Creio que pela formação dos magistrados (em bom rigor, de todos os agora chamados "operadores judiciários") passa a melhoria do sistema nas suas múltiplas vertentes. Se quiserem, como aqui tenho escrito recorrentemente, não existe falta ou insuficiência de lei como muitas vezes se pretende fazer crer; há falta de quem saiba aplicar bem a lei, sendo esta observação uma homenagem que presto àqueles - e são ainda muitos - que encontro todos os dias nos tribunais a administrar sabia e prudentemente a Justiça.
Mas há um aspecto de fundo que me causa alguma perplexidade ter sido ignorado pelos programas eleitorais. Vai uma nota à parte sobre isso.
2 comentários:
Caro JM Ferreira de Almeida,
A preocupação em proteger-me do último sopro legiferante com que o legislador nos tem vindo a bafejar (sem cuidar, sequer, de interpôr o antebraço, em flagrante contravenção das instruções constantes das brochuras anti-gripais!), não me tem permitido dar cumprimento a esse verdadeiro dever de cidadania que é a leitura atenta dos diversos programas eleitorais.
Prevaleço-me, por conseguinte, da S/ análise sobre as propostas “apresentadas a concurso” (sem que, todavia, tal me dispense do referido dever).
A revisão (criação?) do regime da litigância de má fé, merece a minha total concordância, conquanto se trate, efectiva e exclusivamente, de reprimir o uso reprovável dos meios processuais.
Não ignoro, de todo em todo, os efeitos perversos da litigância de má fé na regular marcha dos processos; Também os sinto, com nefanda intensidade, no meu quotidiano.
Contudo, não creio que se deva alicerçar semelhante regime legal sobre os efeitos de uma determinada realidade conjuntural.
A litigância de má fé constitui um verdadeiro “malum in se”, isto é, traduz um comportamento que qualquer “bonus pater familiae” representa como censurável. O seu desvalor reside na própria conduta e não, a jusante, nas consequências dela.
Mesmo que não tivesse por efeito o entorpecimento da marcha processual, a litigância de má fé seria, em todo o caso, reprovável, na medida em, como muito bem disse, prosseguiria fins alheios à Justiça.
Sinto-me compelido a partilhar este meu ponto de vista, porquanto me pareceu discernir no S/ texto a ideia de que o regime de litigância de má fé deveria ser concebido como medida de combate às pendências, o que já não me parece correcto.
Afinal, não foi, justamente, essa a ideia subjacente às sucessivas reformas, nomeadamente as “desjudicializadoras”?
E os resultados delas, estamo-los vendo...
Tem toda a razão, meu caro Henry.
Corrijo, pois, o meu ponto de vista no sentido de que a alteração do "regime" da litigância de má-fé, ao contribuir para uma maior ponderação na utilização dos meios processuais, pode ser por aí contribuir para a descompressão dos tribunais. Mas a penalização do uso processo para fins alheios à realização da justiça, vale por si, como muito bem assinalou.
Agradeço-lhe a chamada, certeira, de atenção.
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