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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Discriminação

Mais um caso a despertar a atenção para as consequências das intervenções médicas. Salvar uma vida é um hino de amor, mas por vezes o doente não agradece, não pode agradecer, nem quer agradecer, porque a vida que lhe devolveram não tem nada, rigorosamente nada a ver com as expectativas de quem sofreu um acidente ou doença grave.
Um engenheiro inglês, Tony Nicklinson, sofreu há anos um problema grave tendo ficado paralisado, totalmente incapacitado, apenas pode pensar. Não tem autonomia, e só com ajuda consegue comunicar.
Desde 2007 que pretende ter o direito a suicidar-se e começou a lutar para isso. Não quer dizer que o faça hoje, ou amanhã, mas quer que lhe concedam esse direito, porque sozinho não consegue. Considera que a lei discrimina os incapacitados físicos ao não permitir fazer algo que qualquer um pode fazer, deixar de viver.
O caso foi parar ao tribunal que começou a estudá-lo. Escravo das tecnologias e dos cuidados ultraespecializados, afirma que os "políticos são uns cobardes". A lei britânica proíbe ajuda ao suicídio. O inglês não tem dez mil libras para ir à Suíça resolver o seu problema, e, também, não tem vontade de suicidar-se numa cooperativa ou unidade industrial criada para o efeito, caso da Dignitas. Se lhe apetecer suicidar-se, o que só poderá fazer com ajuda, quer fazê-lo na sua terra. Também já lhe passou pela cabeça morrer à fome, mas é muito chocante, e, além disso, tem o direito de fazer algo menos traumatizante e mais rápido.
Esta luta, não é só de Tony Nicklinson, há tempos o galego Ramon Sampedro, tetraplégico, conseguiu almejar a liberdade com a ajuda de terceiros.
É preciso coragem política para casos como estes, que são, muitas vezes, frutos de um encarniçamento terapêutico que ofende a vida e protela a liberdade pela morte.
Os opositores a estas medidas dispõem de argumentos próprios, invocando conceitos e princípios religiosos para explicar o "sofrimento" dos seres humanos, como se fosse um desejo oculto e não explicável de um deus que se "entretém", através da medicina, a criar situações que noutros tempos nunca se equacionaria.
Nicklinson deseja apenas que lhe seja reconhecido o direito a poder suicidar-se com a ajuda de terceiros. Para quê? Para poder libertar-se da prisão em que o colocaram.

6 comentários:

Catarina disse...

Um assunto muito delicado e que continuará a ser polémico por muitos e muitos anos.

José Gonçalves Cravinho disse...

Eu sou apoiante da eutanásia e acho
que é mais criminoso deixar sofrer toda a vida até à morte,um doente que não tem cura.E também acho bem que um doente seja livre de cometer
suicídio se não quizer viver uma vida inteira com sofrimento e sem cura para os seus males.

bibónorte disse...

Caro Dr.Massano Cardoso
Um obrigada pela coragem de publicar a sua opinião com a qual concordo inteiramente.

Suzana Toscano disse...

Soube hoje do caso de uma senhora de cerca de 70 anos, cortaram-lhe uma perna na sequência de diabetes, vivia sozinha, não tem família nenhuma, foi para um lar e deixou de comer e de beber,deixou-se morrer, na verdade, está internada, toda entubada, esforçam-se por lhe devolver a vida que ela não quer. Mas que hão-de fazer?
Estou com a Catarina, é um assunto difícil sobretudo se pensarmos nos termos concretos em que deveria ser legislado. Perante cada caso concreto, em que a vontade e as razões para querer morrer parecem impossíveis de contrariar, parece desumano, mesmo, impor o castigo de permanecer vivo, mas como definir esse direito com carácter geral e abstrato? Não sei se levará assim tantos anos, Catarina, com o envelhecimento da população, e as doenças prolongadas a prolongarem-se mesmo muito,o tema da morte passará, muito provavelmente, a ser tratado com outra ligeireza, e não sei se isso é uma esperança se um terror...não sei mesmo.

Catarina disse...

Diz bem, Susana, esperança ou terror?

Recordo-me perfeitamente do caso de Sue Rodriguez (no Canadá) que sofria de esclerose lateral amiotrófica e que tanto lutou a favor do direito ao suicídio assistido. Direito que lhe foi negado pelo Supremo Tribunal. Acabaria por morrer em 1994 - porque assim decidiu - com a ajuda de um médico anónimo e na presença de um Membro do Parlamento.

Massano Cardoso disse...

As grandes conquistas da humanidade geram, muitas vezes, situações que não estavam "previstas" obrigando alguns seres humanos a viverem com incapacidades outrora letais e que constituem um atentado à dignidade humana. "Esperança ou terror"? Mas estão à espera de quê? Se as situações em causa são novas, compete-nos, quer queiramos ou não, resolvê-las. Como produzir leis para estes casos? É um desafio que se nos coloca e a que não podemos furtar. Faz parte das atividades humanas, cria-se algo de novo, bom, espectacular, mas também pode ser fonte de infortúnio obrigando algumas pessoas a viverem em condições degradantes, mas é fruto do desenvolvimento, logo os seres humanos têm de encontrar soluções e não esconderem-se atrás de certas "leis naturais", coisa que eu não entendo muito bem. O que é do homem tem de ser resolvido pelo homem. Custa? É doloroso? Pode ser, mas tem que se encontrar soluções. E não há volta a dar-lhe....