Antes de deixar as férias para trás, ainda fui hoje à Flor do Bairro, Agroquímicos, Drogaria e Adubos e Produtos Vários, onde o Senhor Manecas atende os clientes que procuram as coisas mais extraordinárias que se possa imaginar. Na Flor do Bairro, que tem aquele cheiro das antigas drogarias, uma mistura de produtos de limpeza, creolina e ranço, há desde ratoeiras, pulverizadores, vassouras, prateleiras com tintas, diluentes, rolos de corda, produtos para a lavoura, sacos com rolhas, sementes, enfim, um deslumbramento de coisas que já nem nos lembramos que existem.
O Senhor Manecas é o meu consultor para os assuntos de jardinagem, matéria de que é um devoto.
A primeira vez que lá fui, ainda a começar a aprender a arte, disse-lhe que queria um remédio para a ferrugem das roseiras, maleita que detectei à custa de umas leituras para curiosos na matéria.
O Senhor Manecas olhou-me com desprezo. “– Como é que sabe que é só ferrugem? Não será oídio? Ou pulgão? Não lhe vou dar remédio nenhum sem saber a doença da planta, traga mas é umas folhas para se fazer o diagnóstico!”
Fiquei desconcertada. Oídio e pulgão nas minhas roseiras? E eu não dava por isso? Engoli o rancor, que remédio, e lá fui meter no bolso umas folhinhas doentes, aproveitei e levei outras do pessegueiro que me levantavam suspeitas, não fosse o diabo tecê-las!
A consulta, como todas as que lhe pedem, demorou largo tempo. Explicações detalhadas, cautelas, prescrição. O homem é um profissional que gosta do que faz, e além disso ensina quem quer aprender, uma raridade. No fim da consulta, escreve tudo minuciosamente num papel, sublinha várias vezes as partes importantes, como o "alternar com". Dessa vez, tive que trazer também um pulverizador – “De 20 litros? Nem pensar, como é que ia aguentar com isso às costas? Leve um de 5 l que já lhe chega!” E refez o papel das prescrições, com as quantidades para 5 litros…
Tornei-me cliente assídua daquele guru.
Hoje estava lá num canto a velha tia, uma sombra sempre vestida de preto, cara pálida como cera, muito quieta e calada, a gastar o tempo a ver quem entra e quem sai.
Já estava eu com os frasquinhos todos no saco quando me lembrei de perguntar se ele tinha cera acrílica para o chão, e uma esfregona para puxar o lustro, com as férias no fim é altura de deixar a casa a brilhar.
Ao ouvir isto, a velha saltou como uma mola.
- Ai minha rica filha! Então vai-se matar a trabalhar? Olhe para mim, aqui onde me vê, tenho 87 anos! 87, e sabe porquê? Porque me poupei. Toda a vida me poupei muito, nunca saí de casa para trabalhar, uma vez que fosse! Fui muito estimada, hoje já não há quem estime as mulheres, é só trabalho, trabalho, para quê? Para morrerem cedo! Deixe-se de ceras, passe uma vassourinha e vai ver que fica um brinco. Ele há lá quem dê o valor! Faça como eu, menina, estime-se!, se quer chegar a velha!” E deu-me uma beijoca na cara…
Cheguei a casa a rir-me.
– “Então o consultor? Sempre tinha a cera que querias?”
- "Não, em vez disso trouxe o elixir da juventude e da longa vida!"
A Flor do Bairro é um lugar extraordinário.
O Senhor Manecas é o meu consultor para os assuntos de jardinagem, matéria de que é um devoto.
A primeira vez que lá fui, ainda a começar a aprender a arte, disse-lhe que queria um remédio para a ferrugem das roseiras, maleita que detectei à custa de umas leituras para curiosos na matéria.
O Senhor Manecas olhou-me com desprezo. “– Como é que sabe que é só ferrugem? Não será oídio? Ou pulgão? Não lhe vou dar remédio nenhum sem saber a doença da planta, traga mas é umas folhas para se fazer o diagnóstico!”
Fiquei desconcertada. Oídio e pulgão nas minhas roseiras? E eu não dava por isso? Engoli o rancor, que remédio, e lá fui meter no bolso umas folhinhas doentes, aproveitei e levei outras do pessegueiro que me levantavam suspeitas, não fosse o diabo tecê-las!
A consulta, como todas as que lhe pedem, demorou largo tempo. Explicações detalhadas, cautelas, prescrição. O homem é um profissional que gosta do que faz, e além disso ensina quem quer aprender, uma raridade. No fim da consulta, escreve tudo minuciosamente num papel, sublinha várias vezes as partes importantes, como o "alternar com". Dessa vez, tive que trazer também um pulverizador – “De 20 litros? Nem pensar, como é que ia aguentar com isso às costas? Leve um de 5 l que já lhe chega!” E refez o papel das prescrições, com as quantidades para 5 litros…
Tornei-me cliente assídua daquele guru.
Hoje estava lá num canto a velha tia, uma sombra sempre vestida de preto, cara pálida como cera, muito quieta e calada, a gastar o tempo a ver quem entra e quem sai.
Já estava eu com os frasquinhos todos no saco quando me lembrei de perguntar se ele tinha cera acrílica para o chão, e uma esfregona para puxar o lustro, com as férias no fim é altura de deixar a casa a brilhar.
Ao ouvir isto, a velha saltou como uma mola.
- Ai minha rica filha! Então vai-se matar a trabalhar? Olhe para mim, aqui onde me vê, tenho 87 anos! 87, e sabe porquê? Porque me poupei. Toda a vida me poupei muito, nunca saí de casa para trabalhar, uma vez que fosse! Fui muito estimada, hoje já não há quem estime as mulheres, é só trabalho, trabalho, para quê? Para morrerem cedo! Deixe-se de ceras, passe uma vassourinha e vai ver que fica um brinco. Ele há lá quem dê o valor! Faça como eu, menina, estime-se!, se quer chegar a velha!” E deu-me uma beijoca na cara…
Cheguei a casa a rir-me.
– “Então o consultor? Sempre tinha a cera que querias?”
- "Não, em vez disso trouxe o elixir da juventude e da longa vida!"
A Flor do Bairro é um lugar extraordinário.
5 comentários:
Afinal de contas não são os melros que sabem da poda, as "melras" também sabem...
Pode acreditar cara Suzana, ainda me estou a rir, esta sua deliciosa prosa, possui os sons, os aromas e as imagens genuínas de quem olha para as "coisas" e as vê tal como são.
Eu até estou tentado a sugerir-lhe uma parceria com o caro professor M.C. e o Dr. Pinho Cardão, para fazerem uma compilação e posterior edição das vossas romanescas histórias. Estou certo, que será um best seller. Apresento desde já a minha proposta de título para a obra "SABORES DO CAMPO E DAS GENTES". Se precisarem de um escriba... humm, é melhor não, dou muitos erros e sou um grande preguiçoso para os rever, mas contem comigo para levar gratuitamente as provas à editora.
:)))
Caro Bartolomeu:
Não falo de mim, mas é verdade que têm passado por este blog histórias interantíssimas de gente real, concreta, de carne e osso, enternecedoras e exemplares.
E algumas delas mereciam mesmo ser publicadas, até por descreverem tipos e perfis de pessoas que vão rareando.
E a sua sugestão de título é um maravilhoso achado!...
Suzana
Mas que história tão engraçada. Que bom saber que ainda vão existindo pessoas tão pitorescas e tão sábias!
É de facto um prazer e diria mesmo um privilégio poder conviver com pessoas tão "diferentes". São pessoas do passado num tempo presente, sem deixarem de estar presentes mas com a presença bem viva do seu passado!
Está arrematado, caro Bartolomeu!:))
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