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domingo, 22 de julho de 2007

Nem as Descobertas nos podem valer...

Diariamente, pelo menos, de manhãzinha e ao anoitecer, percorro a zona ribeirinha entre Alcântara e a Torre de Belém. A zona ribeirinha de Lisboa é-me muito querida. Sou sensível à beleza natural que se desenha na relação entre a cidade e o rio, em particular na zona em que a terra e o rio se encontram, e à beleza e riqueza artísticas das obras culturais e da história de Portugal que se abeiram do rio numa relação de cumplicidade única.
A proximidade do meu quotidiano à zona ribeirinha reflecte-se na atenção que dispenso à sua paisagem, não me passando despercebidas as intervenções que vão sendo feitas naquela zona. As boas e as más...
A zona ribeirinha é um ex-libris de Lisboa e deveria ser tratada como tal. Tratada com pinças!
O novo modelo de gestão para a zona ribeirinha está na agenda política do Governo e não houve candidato à presidência da CML que se prezasse que não tivesse trazido para o discurso eleitoral o tema da intervenção na zona ribeirinha: com promessas disto e daquilo, com ideias luminosas, com anúncios recorrentes de ideias e realizações aqui e ali, mais para norte ou mais a sul, sem que, muito francamente, os lisboetas tivessem verdadeiramente compreendido o que poderão esperar, eles e os visitantes de Lisboa, da actual zona ribeirinha.
O que certamente não queremos é que a zona ribeirinha seja transformada numa zona de promoção imobiliária. Sim, o imobiliário é um dos grandes perigos que fustigam a zona ribeirinha, ou melhor, constitui uma tentação para as várias entidades que têm responsabilidades no seu ordenamento, designadamente a Administração do Porto de Lisboa.
Vem tudo isto a propósito da construção em curso de um hotel – Hotel Altis de Belém – na Doca do Bom Sucesso, na frente ribeirinha entre o Monumento Padrão das Descobertas e a Torre de Belém. Uma obra de volumetria apreciável, pelo menos à vista de um cidadão normal. Uma construção, em meu entender, criminosa, injustificável, quaisquer que sejam as razões que queiram apontar, sendo inaceitável o argumento da necessidade de oferta/promoção hoteleira/turística.
Uma vergonha o que se está a fazer, com consequências irremediáveis na beleza do recorte paisagístico da frente ribeirinha, constituindo um duro golpe no já de si frágil equilíbrio existente, num total desrespeito pela vocação da zona.
Coincidência ou não o arquitecto responsável de mais esta aberração é Manuel Salgado, o número dois da lista do futuro presidente da CML. Pena que, durante a campanha, não tenha sido confrontado com esta encomenda. Provavelmente, encontraria uma qualquer importante desculpa ou um qualquer sofisticado argumento para explicar o inexplicável. E tudo não passaria de mais um equívoco!
A conclusão a retirar de mais este lamentável erro urbanístico e ambiental, para não lhe chamar outra coisa, é que não há, mesmo, quem nos defenda! Nem as Descobertas nos podem valer...

7 comentários:

Tonibler disse...

Cara Margarida,

Todo aquele ruído que ouviu na campanha sobre o APL, as nomeações do Júdice, a candidatura do Costa e a existência de um plano governamental para a zona ribeirinha deve significar que os seus receios são fundados. Aliás, muito me surpreendia que não fossem os mesmos interesses que o queriam fazer com a Taça América. Espero estar enganado, mas como também são os nomes que se vêem associados às grandes suspeitas de financiamento partidário....

Arrebenta disse...

http://asvicentinasdebraganza.blogspot.com/2007/07/iniciao-terceiro-axioma-de-bilderberg.html#links

Bartolomeu disse...

Pois é verdade caríssima Margarida, durante a campanha António Costa, foi confrontado muiiiito ao de leve com as incoerências das posições publica e dúbiamente assumidas por Manuel Salgado. Quem lhe apontou o dedo, fê-lo sempre de uma forma velada, ao jeito do que vimos assistindo cada vez com mais frequência "é preciso levantar a lebre, mas sem implicações pessoais" Ou seja, continuam a ser empregues as "técnicas" palacianas por quem se assume republicano.
No antigo regime de Salazar, o projecto do estado novo para toda a zona ribeirinha que se estende de Alcântara a Cascais, incluía alguns hoteis e residências unifamiliares de luxo, assim como prédios baixos.
A ideia seria portanto, dar a toda a orla ribeirinha o aspecto visual para quem entra o tejo de uma cidade ordenada, limpa e bonita, ao jeito do Mónaco, ou da costa francesa mediterrânica. Desse projecto, pouco ficou concretizado, mas podemos apreciar com um ênfase superior toda a encosta do Restelo, se nos colocarmos numa posição priveligiada, a meio do rio, ou até na margem de lá. É este e mais alguns isolados pontos ao longo da costa do Estoril que denunciam os tópicos desse projecto.
Para ser sincero, e porque tb sou um amante da zona que a Margarida descreve, nasci em Algés e a zona ribeirinha foi sempre o meu local predilecto, confesso que não me choca ver nascer um hotel entre as Descobertas e Torre, desde que o seu traço arquitectónico não descaracterize o local e a sua história. Para ser verdadeiro, até prefiro um hotel bonito e bem "esgalhado" àquelas velhas instalações da marinha.
Como se costuma dizer... a ver vamos.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Tonibler
Tenho esperança que as diversas entidades que reclamam a gestão da zona ribeirinha se entendam em nome do interesse público e apresentem um plano de intervenção decente, que preserve o recorte paisagístico e valorize a ligação com o rio e reforce a componente de fruição pública, mas sem ser à custa de "centros comerciais".
A construção de mais um hotel de portas e janelas para o rio é motivo de grande preocupação. Mas o que é que podemos fazer?

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Bartolomeu
Preocupa-me bastante o "...a ver vamos", que normalmente é sinónimo de "lá terá que ser" porque tem muita força a política do facto consumado.
Considero profundamente incorrecto que numa zona tão bonita, sensível e única os lisboetas não conheçam nem discutam os planos de intervenção. Era tempo de concordarmos numa plano estratégico para os usos da zona ribeirinha. Mas não, mudam-se os ventos mudam-se as vontades… Tem sido assim!
A falta de informação levanta a suspeita de que as coisas são feitas pela calada, desintegradas de um contexto reflectido e coerente.
Gosto de hotéis de charme e não me chocaria ver um ou outro na zona ribeirinha, mas teriam que ser sempre edificações de reduzida volumetria. Não aceito é que a ligação com o rio seja interrompida por grandes espaços, que impedem a quem está quer do lado de terra quer do lado do rio, mais do que o aspecto visual, a fruição de espaço único.
“Uma cidade ordenada, limpa e bonita, ao jeito do Mónaco, ou da costa francesa mediterrânica” é um sonho do qual também partilho, mas cada vez mais comprometido pelas “brilhantes” opções de entidades administrativas, bem mais motivadas em realizar receita do que em defender soluções de compromisso...
A nossa zona ribeirinha na mão de gente sensível e de bom gosto seria uma verdadeira delícia...

antoniodasiscas disse...

Cara Margarida
Sem quaisquer resquícios de dúvida, há arquitectos, sem ofensa para a classe em causa que é digna e respeitável, que se prestam a efectuar trabalhos profissionais que só os colocam mal perante os olhos do cidadão comum que, por arrastamento, tem tendência para julgar também a própria classe, o que não deixa de ser extremamente penoso e até desprestigiante. E isto porque, ou se trata de arquitectos, que são uns pobres incapazes não se dando conta de que estão a praticar heresias profissionais graves, ou que se divorciam das suas obrigações deontológicas e a ética profissional a que estão subordinados,pela troca de interesses mais do que comerciais ; esquecem por isso aquilo que deve presidir às suas intervenções como responsáveis por soluções que muitas vezes lesam os altos interesses da cominidade,seja em que perspectiva esta for encarada.
Relativamente ao caso exposto, que é vergonhoso, ou se vai a tempo de parar o desmando em questão,o que fatalmente se mede pelo montante a indemnizar o promotor do hotel, se outros interesses não existirem no campo da mafia instalada, ou se encontra uma solução intermédia que visará diminuir os estragos que já existem, escolhendo uma solução de contenção global. E quanto às responsabilidades daqueles que foram actores deste atentado urbanístico,nas ópticas a que o texto se refere? Qualquer Lisboeta tem obrigação de ficar atento ao desenrolar deste processo cujos contornos se afiguram esquisitos e distorcidos.Ou não será assim?.Talvez a Arquitecta Helena Roseta, com responsabilidades pesadas perante a classe, por ser bastonária da Ordem dos Arquitectos, possa dar ao processo um ar da sua graça,o que desde já não se esquece,começando por exigir um inquérito a toda esta trapalhada que cheira que tresanda a negociata.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro antoniodasiscas
O problema é que ainda que estejamos atentos, o que podemos fazer para impedir e dar voz de admiração e protesto a processos e a obras que levantam as maiores duvidas quanto à sua regularidade?
Foi pena que a candidata Helena Roseta, que também não resistiu a falar da zona ribeirinha, mas que pouco disse, não tenha apontado o dedo a mais esta "violação" da zona ribeirinha. No meio disto tudo ficamos sem saber de quem é a responsabilidade do licenciamento da obra e se a mesma cumpre com o "plano de pormenor" para a zona! Se é que existe um "plano de pormenor" ou um outro instrumento legal de ordenamento do território da zona ribeirinha!?