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quinta-feira, 26 de julho de 2007

“Obesidade e amizade”...

Um dos aspectos mais sedutores do estudo não é só conhecer coisas novas, mas, sobretudo, por em causa aquilo que pretensamente já “sabemos”. O efeito provocador da novidade causa-me uma certa sensação de bem-estar ao antever um futuro que “ridicularizará” o presente à semelhança do que acontece hoje relativamente ao conhecimento do passado. Ainda bem!
Esta pequena reflexão prende-se com um artigo que revela o carácter “contagioso” da obesidade entre amigos e familiares.
Não entrando em pormenores sobre as múltiplas causas de obesidade já conhecidas, agora, apareceu mais uma, de facto, muito curiosa. Ou seja, um indivíduo tem mais probabilidade de ser obeso por influência da obesidade dos seus amigos e familiares. Este efeito é superior ao determinado pelos efeitos dos genes. Nem mais! Parece que os laços de amizade influenciam, mesmo à distância, este efeito obesógeno. Os efeitos, curiosamente, são muito mais intensos entre elementos do mesmo sexo, caso de amigos, mas também existe um efeito similar entre os membros do casal. Neste mesmo estudo, os autores não verificaram este fenómeno com os vizinhos, nem com outros comportamentos, descartando o papel dos factores ambientais. Parece que as influências sociais, desenvolvidas pela amizade, têm um papel preponderante. Sendo assim, talvez a magreza possa tornar-se, também, contagiosa!
Há alguns anos, quando andei pela Assembleia da República comecei a ficar mais “gordinho” o que me surpreendeu. Ouvir a minha secretaria, ao fim-de-semana, a comentar: “Ah! A Assembleia está a fazê-lo mais gordo”, irritava-me! Mas era verdade, porque comecei a enervar-me com os colares das camisas. Claro que os meus hábitos alimentares foram alterados. Passei a fazer mais refeições fora de casa e não comia a horas. A estas alterações adiciono as sandes de ovo e de atum com que atulhava o estômago. Deste modo, tentei justificar o aumento de alguns quilos, apesar de todos os esforços para evitar o excesso de peso. Mas ao fazer as minha contas, em termos de ração calórica diária e do esforço físico dispendido, conclui que não havia motivos para este fenómeno. Às tantas, pensei, bom, mais uma das consequências da idade! Alteração do metabolismo. A idade paga tudo, como devem saber!
Agora, ao ler este artigo, comecei a raciocinar: será que o facto de ter feito novos amigos, alguns deles com excesso de peso, um deles, por exemplo, o meu companheiro de gabinete, que, em boa hora, deixou de fumar e por esse motivo engordou, poderão ter induzido a adquirir mais uns quilitos? Não sei, mas o que é certo é que estamos perante uma nova “forma” de medicina a que os anglo-saxões denominam “network medicine”, através da qual se pretende estudar os mecanismos da doença e o desenvolvimento de novas terapêuticas.
A obesidade constitui um dos mais importantes factores de risco, sobretudo, cardiovascular, mas a amizade é sem sombra de vida o mais importante factor de “protecção” e de satisfação. Sendo assim, passarei a ser mais condescendente com os meus amigos, nomeadamente os mais barrigudinhos. Viva a amizade! Mesmo que seja à custa de mais uns quilitos de gordura....

4 comentários:

Suzana Toscano disse...

Aqui está uma perspectiva muito interessante, deixam de ser só os nossos genes os culpados para poder contar com os nossos amigos como cúmplices!:)O mesmo se poderia dizer de outras fraquezas, como o cigarrito, mas adiante, que já são casos em extinção.
Quanto ao que diz sobre a influência mútua num casal,o que tenho observado é que a obesidade progressiva resulta muitas vezes do desleixo, do desinteresse em agradar ao outro, acaba por ser um "sinal exterior" de acomodação e abandono de um esforço de sedução que é vital para um casamento, seja qual for a idade. E o desleixo de um é uma boa desculpa para o do outro, se ela não se importa, para que hei-de privar-me de uma bebida ou uma copioso almoço, e assim se contagiam os obesos, como se contagia a apatia e a falta de auto estima...
Li há pouco tempo uma crónica de António Lobo Antunes em que descrevia um homem que cada dia chegava mais tarde a casa, quase não falava com a mulher e ela cada vez lhe parecia menos desejável,a cintura grossa, os tornozelos antes finos agora inchados nuns sapatos cambados, o cabelo baço e sem o brio de um penteado.Já há muito tinham deixado sequer de se cumprimentar quando ele começou a não ter o jantar na mesa, a roupa continuava sem passar, ela não estava quando ele finalmente metia a chave à porta. Foi então que a ohou como se a visse pela primeira vez, ela estava mais magra, a cintura elegante, os tornozelos finos nas sandálias garridas. Mas ela tinha-se posto bonita para outro, quando e que ele tinha deixado de a olhar assim...?

Massano Cardoso disse...

O exemplo que a Suzana cita está eivado de muitos significados, sem sombra de dúvida, mas não deixa de contribuir para “despertar” o tal “efeito social”, complexo e não devidamente estudado, de certos efeitos a uma escala mais global.
Ao conhecermos a dinâmica de certos fenómenos podemos contribuir para melhorar e resolver certos problemas, muitos deles, reduzidos a uma escala pequena e restrita.
Há muito tempo que me dedico à Epidemiologia, por motivos óbvios. Mas, dentro desta disciplina, seduz-me particularmente a Epidemiologia Social, capaz de explicar muito do inexplicável.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
Muito curiosas as conclusões do estudo que aqui nos relata. Sempre achei que alguns dos nossos bens ou males físicos acabam por ser reflexo de uma certa imitação que tendemos a fazer em relação às pessoas e aos hábitos que nos estão mais próximos. Imaginando uma localidade em que só vivem pessoas gordinhas será natural uma tendência para que todos sejam gordinhas. Nestas circunstâncias, qual é a vontade de alguém ser magro e destoar do conjunto? A amizade tem destas coisas!

Anthrax disse...

Aqui há uns tempos atrás tive a triste de ideia de deixar de fumar. Conclusão? Comia tudo o que me aparecia pela frente (a fome faz coisas estranhas a um pessoa). Consequência? Engordei uns quilitos (graças a Deus, o meu médico nunca descobriu isto na época em que aterrei no seu consultório e pesava 38 kg).

Ora, se por um lado, fisicamente, não me sentia mal, por outro lado, esteticamente falando, estava à beira de um colapso nervoso e se anteriormente estava à beira de um colapso (literal e fisicamente) por ter peso a menos, depois estava à beira de um colapso (mais mental que outra coisa)por ter peso a mais (do que aquele a que estava habituado). Conclusão n.º 2? Voltei a fumar e a coisa voltou ao normal.

Tenho amigos de várias dimensões, uns mais anafadinhos outros menos mas, seja como for, nunca quis ser igual aos anafadinhos... que horror! Acabei de me lembrar que quando andava na escolinha, fazia parte daquele grupo de pequenas pessoas que chamavam "Badocha" aos colegas mais gorduchos!

Ó deuses! Não admira que eu seja, completamente, avariado nestas coisas! Calhando, tanto a obesidade (enquanto termo utlizado num sentido generalista) como a magreza, pegam-se mesmo!