"Ali, senta-se o Quarto Estado, e é o mais importante de todos eles". - Edmund Burke, observando a Galeria da Imprensa da Câmara dos Comuns.
A imagem chocante de dois assessores do Presidente Lula da Silva a manifestarem gestualmente a sua satisfação por uma notícia que responsabilizava a companhia de aviação pela tragédia de do aeroporto de Cangonhas em S. Paulo, é um preocupante sinal dos tempos. Não tanto pela baixeza do carácter revelado por aquelas duas criaturas que se regozijavam pela desresponsabilização do Governo ao manter em funcionamento um aeroporto sem condições de segurança e se mostravam insensíveis ao horror de tantas vidas perdidas. Mas sobretudo porque aquele comportamento de pessoas próximas do núcleo do poder central brasileiro, mostra como a governação é orientada não pelas preocupações de prosseguir o bem comum, mas pela obsessão, por vezes extrema, de passar bem na opinião publicada.
Infelizmente não é um fenómeno localizado em terras de Santa Cruz. Por cá é o mesmo. A agenda política, e bem assim como a agenda de alguns actores da economia fora do círculo do Estado, também são determinadas pela comunicação social, pelo mainstream confundido com senso geral ou opinião pública.
O verdadeiro poder está cada vez mais sediado aí, nas redacções de jornais, das rádios e sobretudo de televisões.
A luta pela manutenção do poder deixou de se passar nas arenas políticas tradicionais, designadamente nos Parlamentos cuja actividade pouca atenção suscista. Deixou (definitivamente?) de depender do combate entre os desacreditados partidos políticos cuja razão de existirem assenta justamente na luta pela conquista e manutenção do poder. Deslocou-se para as páginas dos jornais, para os espaços noticiosos e de análise política de rádios e sobretudo televisões. Poder que reclama para si nenhum outro controlo que não o da auto-regulação (de que no Estado talvez mesmo só as magistraturas beneficiam, e mesmo assim limitadamente).
É o poder efectivo detido pelas instâncias mediáticas que hoje condiciona verdadeiramente os actos de governo pela influência que tem nos governantes. Fá-los cegos a responsabilidades, tornando-os exclusivamente sensíveis aos ditâmes das conveniências mediáticas.
Tenho ouvido apelos no sentido da premência da melhoria da qualidade da democracia. Justificados apelos. Pena é que, no diagnóstico, não conste este que é dos fenómenos mais corrosivos da vida colectiva.
6 comentários:
É um facto, e é grave,caro Ferreira de Almeida.
Diz que " é o poder efectivo detido pelas instâncias mediáticas que hoje condiciona verdadeiramente os actos de governo pela influência que tem nos governantes". E eu acrescento que os políticos têm medo desse poder. O que subordina o poder político ao poder mediático.
Tem razão, Pinho Cardão. São de facto poucos os que não se acobardam. Mas como se vê pelo caso que dá o mote para esta nota, também é verdade aqueles que se submetem acabam por ser vitimas da sua dependência.
José Mário
Muito bem assinalada a promíscua e perigosa ligação entre o poder "democraticamente" eleito e o poder "ditatorial" mediático.
Não há, no entanto, benevolência na condenação da "baixeza do carácter revelado por aquelas duas criaturas". O exercício do poder que deveria ser movido pela preocupação em prosseguir o bem comum, é adulterado pelo fascínio do próprio poder que a comunicação social alimenta. Mas é preciso ter presente que a imoral, tantas vezes, comunicação social é o espelho de um poder podre, pervertido a um fim em si mesmo.
De acordo, Margarida.
Com a ressalva de não acompanhar regularmente as intricadas teias da política Brasileira, não vejo aqui nada de substantivo que possa ofender ou chocar quem quer que seja. Apenas vejo, talvez, matéria para os desportistas da caça à gaffe, ao deslize, profissonais da indignação politicamente correcta exorcizarem novamente os seus fantasmas.
É naturalíssimo que o assessor esteja preocupado com a imagem mediãtica, sobretudo se for assessor de imprensa: é o trabalho dele. Isso não significa que o presidente ou a alta esfera política descure o bem comum em favor dessa imagem.
Se de facto havia uma tese de responsabilização do Governo pelo acidente aéreo (o que por si só já é algo retorcido) é perfeitamente aceitável, natural que haja um gesto de satisfação ao ver essa tese refutada. E o gesto não me pareceu propriamente duma alegria esfuziante ao ponto de ofender a memória dos que perderam a vida.
Insinuá-lo é em si uma ofensa, no mínimo precipitada, em relação aos visados.
Compreendo e respeito o seu ponto de vista, caro Vasco Figueira.
Mantenho, todavia, o meu, influenciado por outras vivências que este episódio me trouxe à memória.
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