Causou alguma incompreensão em algumas franjas da sociedade e, sobretudo, entre os militantes e simpatizantes do PSD, a viabilização, pela via da abstenção, do Projecto de Resolução apresentado pelo PS no Parlamento quanto à actualização do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) 2010-2013. “Mas, afinal, se o PEC não é bom, por que razão o PSD não contribuiu para a sua reprovação, como fizeram os restantes partidos da oposição?” – ouvi perguntar muitas vezes nos últimos dias.
Entendamo-nos: em minha opinião, o PEC não é de facto bom. Não promove o dinamismo da economia (o crescimento do PIB será o pior da Zona Euro até 2013); prevê, de forma irrealista, que a taxa de desemprego anual não chegue aos dois dígitos (quando já lá chegou no quarto trimestre de 2009); preconiza efectivos aumentos de impostos (ao contrário do que o Governo prometera e continua a negar); apesar de alguns cortes nos gastos correntes do Estado, não ataca estruturalmente o problema da dimensão da despesa pública; não adia (como devia) todos os grandes projectos de investimento que em nada contribuem para aumentar a nossa competitividade e só nos endividam ainda mais. Em suma, é um PEC que, apesar dos sacrifícios pedidos aos portugueses, não lhes devolve a esperança de chegarem a 2013 com a sensação de terem contribuído para melhorar de forma sustentada a situação orçamental e económica. E, assim sendo, o PEC que o PS resolveu, através de um Projecto de Resolução, levar a votação no Parlamento – apesar de tal não ser necessário, porque se trata, digamos, de uma carta de intenções num horizonte de 4 anos (renovada anualmente) entregue em Bruxelas pelo Governo – não merecia, de facto, ser aprovado.
Sucede que, neste momento, como poucas vezes no passado, a comunidade internacional está muito atenta ao que acontece às finanças públicas portuguesas. A “culpa” é da crise grega, que eclodiu no final de 2009, e da generalizada desconfiança que logo se seguiu quanto ao facto de Portugal – tradicionalmente encarado, a nível internacional, como sendo financeiramente indisciplinado (fazendo parte, com Itália, Grécia e Espanha dos chamados PIGS, iniciais em inglês dos 4 países) – poder ser o próximo país a aproximar-se de uma crise de rotura de pagamentos.
E portanto, perante quaisquer sinais de que os objectivos de redução do défice público (e da dívida, também) poderão ser mais difíceis de cumprir (seja porque um Orçamento do Estado ou um plano como o PEC são reprovados, por exemplo), ou perante uma situação de instabilidade política (como, por exemplo, a demissão do Ministro das Finanças, ou mesmo do Governo, no seguimento dos chumbos atrás referidos), o rating do País estará novamente sob ameaça e as condições de financiamento externo muito penalizadas. O que, na prática, significa uma forte pressão vendedora dos activos nacionais (com a sua consequente desvalorização), taxas de juro mais elevadas – quer as exigidas ao Estado quer ao sector financeiro – e… nefastas repercussões para toda a sociedade: (muito) maior dificuldade no acesso ao crédito, efeito riqueza negativo (pela desvalorização dos preços dos activos), menor dinamismo, maior desemprego.
Nesta conjuntura, Portugal estava, assim, obrigado a escolher entre uma solução que não é boa (o PEC) e… o caminho para o abismo (o que teria consequências económicas desastrosas, que fariam as do PEC parecer… menos más). Ora, perante a decisão das restantes forças políticas da oposição de reprovarem o Projecto de Resolução do PS sobre o PEC, e dispondo o Governo do apoio de uma maioria relativa no Parlamento, só o PSD poderia evitar o desastre.
Por isso, fui daqueles que se bateu para que prevalecesse a via “menos má” – tal como a Direcção do Grupo Parlamentar a que pertenço, com o seu Presidente, José Pedro Aguiar-Branco, à cabeça –, tendo contribuído para tornar o referido Projecto de Resolução passível de poder não ser reprovado pelo PSD (o que, em minha opinião, era impossível de acontecer na versão original).
Mas que ninguém tenha dúvidas: o PSD só se absteve porque a sua Presidente na altura, assim decidiu – contra a vontade de uma parte do Grupo Parlamentar e da maioria da sua Comissão Política. E portanto, considero que Manuela Ferreira Leite não poderia ter terminado o seu mandato como Presidente com decisão mais acertada do que esta: mesmo que o Governo e o PS tenham contactado o PSD tarde e a más horas, como de costume, conseguiu-se evitar o pior. Decidindo pela abstenção, Manuela Ferreira Leite não só evitou uma crise política e económica de proporções incalculáveis, como credibilizou o PSD dentro e fora do País. E, objectivamente, não comprometeu Pedro Passos Coelho – o líder que já lhe sucedeu – para o futuro. Uma verdadeira postura de Estado, em prol do interesse nacional. Portugal bem lhe pode estar agradecido.
Nota: Este texto foi publicado no Jornal Sol em Abril 01, 2010
3 comentários:
O PEC, agora apresentado por Teixeira dos Santos, não procura a diminuição do défice através da redução da Despesa Corrente Primária (DCP). Nem outra coisa seria de esperar. Recordemos que enquanto no período 1986-1995 a DCP representava 29,7% do PIB, no período 1995-2001 ela galgou para 35,0%. Uma subida astronómica e não justificável por não ser acompanhada por quaisquer melhorias nos serviços prestados pelo Estado. Os cidadãos não sentiram melhorias na Educação, na Saúde, na Justiça ou na Segurança. A verba correspondente a 5,3% do PIB foi assim completamente desbaratada sem constituir qualquer benefício para os cidadãos. A criação de empresas municipais e outros órgãos do Estado paralelos aos serviços existentes, com dirigentes recrutados das clientelas partidárias, são a principal causa desta fortíssima subida da DCP. Este “edifício” da Administração Pública bem arquitectado pelos nossos políticos, ampliar-se-ia continuamente nos anos seguintes o que explica a subida, sempre crescente, da DCP. É um ónus, que os portugueses desde então pagam anualmente com o seu trabalho e com os seus impostos. Pagam o desperdício, a ociosidade e a corrupção institucional deste “sistema político-administrativo”. E será completamente absurdo pensar que a nossa classe política, por sua iniciativa, poderá algum dia deixar de usufruir tais privilégios.
Ao contrário de medidas de congelamento de salários na Função Pública como o PEC agora determina, num país com os mais baixos salários da UE15 (o salário médio em Portugal é de 645 euros enquanto na Grécia, o segundo país com mais baixos salários na UE15 é de 1.167 euros, dados 2008), um combate à DCP deveria iniciar-se por uma verdadeira Reforma da Administração Pública que extinga as empresas municipais e os outros órgãos do Estado parasitários, criados sobretudo a partir de 1995, e que não prestando qualquer serviço útil à sociedade, acarretam como vimos, gastos na ordem dos 6.000 milhões de euros.
A sociedade portuguesa terá que ver-se livre deste ónus, deste fardo que pesa sobre os seus ombros, que todos os anos se torna mais pesado e que inviabiliza um crescimento económico saudável e convergente com a UE. Só que, para tanto, terá que ver-se livre primeiro deste “sistema” político corrupto - partidário, destas elites políticas, destes partidos de notáveis, desta nova aristocracia sufragada pelas televisões e sondagens.
Completamente de acordo consigo.O PSD não poderia ter feito outra coisa.
Permita-me que o encaminhe para http://ouvidorkimbo.blospot.pt
Cordiais cumprimentos
Para Cavaco Silva, o pior que lhe poderia acontecer em sua estratégia a caminho de nova eleição presidencial, seria deparar-se agora com uma crise governamental. Conhecendo Sócrates e a sua habilidade para ganhar junto da opinião pública os conflitos que com mestria provoca, o presidente foge, como gato de água fria, de todas as situações que de algum modo podem dar pretexto à irascibilidade do primeiro-ministro. A desaprovação do PEC no Parlamento seria uma delas.
Manuela Ferreira Leite acedeu ao pedido do presidente, apesar de contrariar a vontade da comissão política do PSD, ao viabilizar a aprovação do PEC.
São frouxos e caricatos os argumentos com que Cavaco Silva pretende condicionar a nova liderança do PSD. Ninguém acredita que nos tempos de hoje as empresas de rating se deixem manipular pelas opiniões dos políticos, dos partidos ou dos parlamentos. São os dados económicos técnicos e objectivos que analisam, que condicionam os seus pareceres e não as vontades subjectivas dos governos ou dos parlamentos. Mais do que a irritação dos mercados financeiros o que Cavaco Silva teme é a irritação de Sócrates.
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