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terça-feira, 13 de abril de 2010

Democracia e crescimento (II)

Num post recente referi que a prevalência de um sistema democrático não constitui garantia de sucesso económico. Mais do que mera curiosidade académica, este tema parece-me da maior acuidade nos actuais tempos de crise, cujos efeitos estão a ter maior expressão, precisamente, nas democracias desenvolvidas de matriz ocidental. A este propósito, gostaria de levantar duas questões:

a) Existirá algum nexo causal nesta associação, ou seja no facto de algumas das economias mais penalizadas pela crise serem as democracias desenvolvidas do Ocidente?
b) Será a democracia ocidental o melhor “veículo” para sair da crise?

Por razões óbvias, o tratamento que aqui darei a estas duas questões será necessariamente muito superficial; mas aqui vamos!

Em traços largos, a crise resultou de um modelo de crescimento baseado na expansão do crédito, a qual criou o surto de endividamento que alimentou as bolhas que provocaram a crise. Este modelo surgiu na esteira da integração plena na ordem económica internacional de países como a China e a Índia, que com os seus baixos custos de produção ameaçavam criar desemprego massivo nos países “ricos”. Apesar desta ameaça nunca se ter concretizado, a verdade é que esta questão se tornou um tema central no debate político em muitos países, nomeadamente na Europa e nos EUA. Assim, num contexto de intolerância das democracias à mínima correcção cíclica da economia, em vez da promoção de políticas económicas que facilitassem a adaptação das empresas à nova realidade concorrencial imposta pelas economias emergentes, a generalidade das democracias ocidentais embarcou numa estratégia de crescimento à base de dívida, com os resultados desastrosos que se conhecem.

Quanto à 2ª questão, gostaria somente de referir que à medida que o peso do estado na economia vai aumentando (e se tem aumentado), cresce também a representatividade eleitoral da parcela da sociedade que vive à sombra do estado, o que pode dificultar a implementação de medidas de racionalização dos recursos comuns. Essa é uma das razões que explica o pendor altamente expansionista da resposta dos governos à crise, mesmo em países atolados em dívida...como Portugal.

A este propósito, parece-me útil recordar um episódio polémico que ocorreu na nossa terceira república. Há algum tempo, a Drª Manuela Ferreira Leite afirmou em sentido figurado que seria necessário suspender a democracia para endireitar o país. Penso que alcance desta tirada era alertar para a necessidade imperiosa de se tomarem certas orientações, ainda que impopulares, para evitar a formação de situações patológicas. A intervenção da Drª Ferreira Leite foi catalogada como uma gaffe; mas como agora se sabe, tinha algo de profético. Isto porque, a aplicação do programa eleitoral do PS, sufragado nas últimas eleições, que tinha como implicação a intensificação do endividamento do país e do estado, está presentemente a ser obstruída pelo “mercado” e pelas instâncias comunitárias, cuja legitimidade democrática, aos olhos dos portugueses, é nula.

Por mais generosos que sejam os seus princípios, nenhum sistema político consegue sobreviver de forma duradoura se não providenciar um nível de conforto económico equiparável aos sistemas alternativos. Por outro lado, a história ensinou-nos que o caos que se costuma instalar na sequência das grandes crises económicas rapidamente se pode tornar num caldo de cultura de regimes nos antípodas da democracia e, normalmente, de natureza brutal. É neste sentido que é fundamental cuidar que as políticas económicas de combate aos efeitos da crise sejam responsáveis.

É caso para se dizer: se a democracia não toma conta da economia...a economia toma conta da democracia.

6 comentários:

Tonibler disse...

Democracia é um conceito absoluto, crise é um conceito relativo. Nem a 1ª nem a 2ª questão são dotadas de um excesso de lógica, pois não?

Anónimo disse...

Tema fundamental nos tempos que correm, caro Brandão de Brito. E excelentes apontamentos para aprofundar uma reflexão.
Concordo em especial com a conclusão. Aliás, a História prova-o. A falência de algumas democracias - e até alguma aceitação popular da transição para regimes de liberdade limitada e de poder musculado - ocorreu na sequência da falência das respectivas economias.
Mas é um tema essencial que nos conduz a outras reflexões...

Pinho Cardão disse...

Caro Brandão de Brito:

Como dizia Churchill, a democracia é o menos mau dos regimes. E o que tem produzido maior riqueza e dado bem-estar aos cidadãos. Mas não sabe conviver lá muito bem com situações de crise.
A sociedade civil e os Governos esquecem a inevitabilidade dos ciclos económicos e não se preparam para eles. Então, em Portugal, o facto é notório. Assim, quando surge o ciclo negativo, as medidas são as possíveis, mas normalmente atabalhoadas, por exemplo, à base de défices orçamentais pronunciados e da dívida, como diz, e constituem uma fuga em frente. Em regra, a economia reabilita-se, não por efeito das medidas, mas pela ordem natural das coisas. Todavia, quando os erros de política económica são profundos, a crise instala-se de forma permanente e subverte o próprio sistema político. Aí, queixamo-nos que podem chegar ditaduras.
Também uma boa "conquista" como o denominado "sistema social europeu" poderá ficar em causa, se é que já não está, quando se pensa que a economia pode distribuir sem produzir. E uma ruptura neste sistema traria consequências graves em termos de regime democrático.
No meio de tudo isto, temos uma sociedade civil apática, anestesiada por uma comunicação social que só sabe reproduzir o politicamente correcto, um endeusamento do Estado, cada vez mais sustentado por quem vive à sombra dele, também como refere, e que "dificulta a implementação de medidas de racionalização dos recursos comuns".
Os próximos tempos vão ser conturbados e manter as actuais políticas só pode trazer mais dificuldades económicas e descrédito no regime democrático.

Suzana Toscano disse...

Uma excelente forma de formular de forma muito sintética um problema muito complexo que está hoje nas agendas políticas. O Ocidente convenceu-se da superioridade do regime democrático como forma de garantir um progresso consistente e sistemático e hoje impacienta-se, confronta-se com a eventual falibilidade dessa tese, que pressupõe que a livre escolha dos governantes conseguirá assegurar, a cada momento, o melhor conjunto de decisores. Acontece que as decisões políticas são muito mais complexas que os exercícios técnicos, porque as variáveis a considerar são incertas e as reacções têm um grau de imprevisibilidade muito grande que os regimes ditatoriais podem reprimir fazendo parecer que tudo correu muito bem. Ora, nada nos garante que o abandono dos complexos processos de decisão democrática facilite as “decisões certas” e que a crise não se teria desencadeado se o Ocidente tivesse regimes autoritários que pudesse ter imposto as “medidas de efeito rápido” que hoje se preconizam. Pelo contrário, também já vimos muitos regimes autoritários conduzidos por iluminados que se desembaraçaram das maçadas da democracia levarem os países à ruína, o problema não está em decidir mas em saber se as decisões são as certas ou as erradas. E, em democracia, o crivo é muito mais apertado…

Adriano Volframista disse...

Prof Brandão de Brito

Sobre a sua primeira interrogação a ligaçao mais adequada não é com a democracia, mas com o modelo de capitalismo que essas democracias seguem.
(Parto do pressuposto que se refere aos países anglo saxónicos: EUA e Reino Unido).
Este modelo assente na liberdade: individual e de iniciativa supõe/pressupõe a existência de mecanismos de regulação eficazes. Pelos vistos estes falharam: seja porque, esses mecanismos foram capturados pelos grupos que devem supervisionar, seja porque se acreditou na bondade essencial da auto regulação; As ideias libertárias de Ayn Rynn fizeram escola com Alan Greenspan; já veio reconhecer que os mercados não são inerentemente virtuosos.
A solução passará sempre por uma de três:
a)mais regulação
b)mais controle
c)outro tipo de regulação

A segunda questão entronca com o comentário ao seu primeiro post:
a tese central é saber se o crescimento sustentável no médio prazo, está depdendente de se determinar se, o grau de liberdade individual de iniciativa económica, tem de ser equivalente ao mesmo na liberdade política; para o efeito, tanto faz que a democracia seja do tipo ocidental ou não....
Para esta interrogação o melhor veículo, na minha opinião é o aumento da liberdade individual e da criação de mecanismos mais eficazes na detrminação da responsabilidade de cada indíviduo


Cumprimentos
joão

Tavares Moreira disse...

Caro Dr. Brandão de Brito,

Lapidar a sua observação de que o aumento do peso do Estado (mensurável pela dimensão relativa do Orçamento, observo) tem feito aumentar a repreentatividade eleitoral dos que vivem à custa (ou à sombra) do Estado...
Daqui a cairmos um círculo vicioso das políticas...já caímos...