Neste post o Pinho Cardão refere que há quem proponha o “aumento da tributação como castigo para quem deslocalize as holdings”. Não me admira nada que seja esse o impulso imediato porque na verdade é sempre essa a reacção típica dos portugueses. Sempre que se fala em resolver um problema qualquer, a primeira coisa que se faz é punir, dificultar, sobrecarregar os que insistirem em manter a actuação contrária, em vez de criar estímulos e desbloquear os obstáculos a quem quer adoptar novas atitudes. Ainda se tentou, timidamente, mas tentou, introduzir na nossa linguagem política e legislativa a palavra estímulo, ou invocar e premiar o mérito, tudo muito engalanado com exemplos “estrangeiros” e “boas práticas” e até “reconhecimento”, mas bastaram os primeiros assombros da crise e logo se recuou rapidamente, muito antes de se ter sequer arriscado ver os resultados. Basta ver que a grande inovação dos prémios de gestão, da fixação de objectivos com prémios de mérito, do estímulo à poupança através dos PPR, do incentivo a que as pessoas tivessem carreiras contributivas estáveis, ambicionassem progredir nas carreiras, ousassem ter mais formação para facilitar a mobilidade, etc, etc, tudo isso se foi num fósforo. De um dia para o outro, os prémios foram congelados, mal vistos e vilipendiados a título de um ou outro abuso alardeado até à agonia, e deram lugar a quê? Adivinharam. Ao despedimento em caso de não se cumprir os objectivos, ao fundamento para demissão em caso de se ficar aquém dos resultados, ao fim da relevância fiscal das poupanças, a degradação insensata do rendimento dos certificados de aforro, à mobilidade imposta e sem direito a qualquer melhoria de situação. Aceitamos muito melhor, e achamos sempre muito mais eficaz, impor e punir, do que estimular e dar oportunidades para que as pessoas procurem, por ser do seu interesse, situações que beneficiam todos.
Queremos, por exemplo, inverter o drama da degradação dos imóveis, espelho cruel da absurda política de arrendamento? Temos pressa em que os proprietários invistam no que, apesar de tudo, é deles? Pois ainda hoje li que os prédios devolutos vão passar a pagar… o triplo do IMI! Sim, o triplo, como castigo, claro, os impostos, fiquem sabendo, são uma arma punitiva de excelência, o facto é que é mais fácil que a generalidade das pessoas reconheça a eficácia da ameaça, por absurdo que seja o seu fundamento, do que a esperança de uma mudança por estímulo.
Desta mentalidade, que não melhorou com as novas gerações, resulta um ambiente opressivo para quem quer mudar confiando que será reconhecido e o seu exemplo seguido e, o que é pior, resulta uma permissividade total para quem aproveita o mais que pode da ausência de punição, até que, mais cedo ou mais tarde, ela chegue. É este ciclo vicioso, permanentemente alimentado, que leva ao que temos: regras aos montes, parangonas sobre o sucesso das cobranças em multas, como um êxito, quando o que devia era haver constrangimento com o aumento das faltas, desânimo dos que levaram a sério os estímulos e acabam enxovalhados, prejudicados e, não raras vezes, ridicularizados por terem sido trouxas. Não sei se a crise é uma oportunidade, estou um pouco farta de clichés. O que eu gostava de ver era a coragem de olhar, por uma vez, os que têm o mérito, o tempo e a paciência para persistir no caminho do sucesso, deixando falar quem fala, e mantendo o seu rumo, na esperança de que, pela crise ou apesar dela, seja reconhecido que todos ganhamos com os resultados, em vez de nos empolgarmos a contar o espólio das multas e número dos “apanhados” nas pequenas vinganças com que punimos os que escapam à fina malha das proibições e punições.
Desta mentalidade, que não melhorou com as novas gerações, resulta um ambiente opressivo para quem quer mudar confiando que será reconhecido e o seu exemplo seguido e, o que é pior, resulta uma permissividade total para quem aproveita o mais que pode da ausência de punição, até que, mais cedo ou mais tarde, ela chegue. É este ciclo vicioso, permanentemente alimentado, que leva ao que temos: regras aos montes, parangonas sobre o sucesso das cobranças em multas, como um êxito, quando o que devia era haver constrangimento com o aumento das faltas, desânimo dos que levaram a sério os estímulos e acabam enxovalhados, prejudicados e, não raras vezes, ridicularizados por terem sido trouxas. Não sei se a crise é uma oportunidade, estou um pouco farta de clichés. O que eu gostava de ver era a coragem de olhar, por uma vez, os que têm o mérito, o tempo e a paciência para persistir no caminho do sucesso, deixando falar quem fala, e mantendo o seu rumo, na esperança de que, pela crise ou apesar dela, seja reconhecido que todos ganhamos com os resultados, em vez de nos empolgarmos a contar o espólio das multas e número dos “apanhados” nas pequenas vinganças com que punimos os que escapam à fina malha das proibições e punições.
8 comentários:
Suzana
Depois de ler o seu texto, ainda me soube melhor ver o programa Negócios da Semana (SIC Notícias) dedicado hoje a casos de empresas de sucesso. Aprendi bastante. O nosso futuro está nestas empresas que querem empreender, que não andam à procura de justificar os seus erros na actuação dos outros, mas que se orgulham de ver o seu trabalho reconhecido pelos mercados, cá dentro e lá fora. Acreditam no trabalho e no mérito e têm paciência para persistir no caminho do sucesso. Não escondem as dificuldades e a preocupação de as reformas tardarem. Mas não desistem.
Felizmente há muito quem trabalhe pelo suceso das empresas, quem apoie os jovens empresários e lhes dê fôlego para prosseguirem, o pior é nós admirarmo-nos e pensarmos que esse sucesso é possível "apesar de tudo". É este "apesar de tudo" que complica tudo, mas é um facto que há uma renovação do tecido empresarial, novos negócios e arrojo em muitas iniciativas, talvez a transformação exista, "apesar de tudo", falta agora que seja a regra e não a excepção.E também é fundamental que o sucesso deixe de ser olhado com desconfiança sistemática.
Esta tendência amorfa de punir e de premiar, é ancestral, vem, pelo menos, do tempo da Fundação, do tempo em que o nosso primeiro Rei, antes ainda de o ser, premiava os seus vassalos, com a atribuição das terras conquistadas aos Sarracenos, a participação e distinção nas batalhas.
É claro que, a obdiência e vassalagem, tinham de ser constantemente confirmadas com mais participações em mais batalhas e com demonstrações evidentes de cumplicidade que naqueles tempos se designava por "envergar a cota de armas" e hoje por "vestir a camisola".
Mas os portugueses são um povo que não admite cangas, são também um povo do improviso e do proveito, da não obediência.
Estas características fazem com que, quem inicialmente se arregimenta, da o litro na defesa de um ideal, logo que deixa de receber os prémios devidos, ou se não chega a recebê-los, cedo se passa para o inimigo, passando a combater contra o ex-amo. Assim como, o amo passa a retirar benefícios ao vassalo, sempre que outro vassalo mais empenhado se intrepõe, ou, sempre que o vassalo primeiro começa a dar sinais de fraqueza.
N'este Portugal velhinho, predura uma igualmente velhinha máxima: "ou és por mim... ou contra mim!". Ainda ninguem se lembrou de construir a máxima maior: "Juntemo-nos e sejamos capazes de fazer!"
Na minha opinião, o castigo é o processo errado. O que haveria que fazer é exactamente o contrário. Alterar o sistema fiscal, privilegiando o IVA e anulando o IRC e IRS. Resolveria tantas questões e problemas...
http://existenciasustentada.blogspot.com/2010/09/8-impostos.html
http://notaslivres.blogspot.com/2012/01/francisco-louca-e-jeronimo-martins.html
Completamente de acordo com a cara Dra. Suzana Toscano, acho que é péssimo aquele terrorismo verbal de caça aos faltosos, quando analisados os casos de per si vemos pequenas faltas de uns tantos trouxas que muitas vezes não dominam a burocracia do fisco, mas que continuam a trabalhar acreditando que é assim que se progride, que se ajuda o país a ir em frente.
É lamentável que se faça uma polítca de medos, em vez de se caminhar tranquilamente rumo a um objectivo. A prosseguirmos assim, não acredito em casos de sucesso sustentáveis e temo pela altura em que a cólera do povo venha ao de cima...
Caro Bartolomeu, e assim lá fomos construindo largos séculos de História, sempre com o coração nas mãos perante as crises que se avizinhavam à esquina de cada sucesso nas batalhas. Sempre é um consolo ver que sobrevivemos!
Caro Gonçalo, não sei se seria assim um resultado tão milagroso, mas há quem defenda essa modalidade, por mim duvido, mas mesmo assim escusávamos de ter um sistema fiscal que é uma manta de retalhos, basta ver as sucessivas e permanentes alterações e a quase impossibilidade de o entender como um todo.
Caro jotac, concordo consigo mas o que parece é que se aplude mais a recurso ao medo do que o recurso ao estímulo, na convicção de que assim não fica margem para o arbítrio de cada um e de que à força sai mais barato. Também acredito que de outro modo seria mais eficaz.
E o facto dos propietários de imóveis arrendados ou de parte deles estarem impedidos de deduzir na sua declaração de IRS todos os encargos havidos com esses imóveis. Eis, pois, um princípio que contraria frontalmente a chamada recuperação do mercado de arrendamento! Claro que os autores da Lei não se preocupam com as consequências das suas contradições. Tal como Pilatos, e tendo como objectivo primeiro agradar à Troika, o que interessa em legislar, mesmo que com os pés para cima e a cabeça para baixo!
Sobrevivemos, claro, cara Drª Suzana. Coxos, mas sim... sobreviventes. Pouco convencidos do futuro dessa sobrevivência, mas, sim... sobreviventes. Talvez por força de um estranho destino que, Jaime Cortesão eruditamente define desta forma: «A interpretação do passado, muito mais quando abrange um largo teatro e época de acção, supõe uma filosofia subjacente. A nosso ver, a história não obdece apenas a um determinismo geográfico ou económico. Não ignoramos que a trama comum do passado é tecida pelo esforço dos homens, na luta quotidiana com a natureza e sob o acicate das necessidades primárias. Negar, porém, a parte das aspirações espirituais e da criação individual na hitória é reduzi-la a um arremedo de ciência.»
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