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sábado, 5 de novembro de 2005

Critério editorial


jornal
Queixando-se de constante manipulação jornalística das suas palavras, Rui Rio anunciou que neste mandato apenas concederá entrevistas por escrito, “com regras previamente definidas, evitando ou minimizando assim interpretações especulativas ou pura manipulação das respostas”. E referiu fazê-lo, porque se considera “dono das respostas”.
As Direcções de alguns jornais e o Sindicato dos Jornalistas protestaram a sua enorme indignação contra a posição de Rui Rio, não tendo reconhecido qualquer, mesmo que involuntário, desvio aos princípios da deontologia profissional, aliás como habitualmente.
O assunto fez-me recordar uma Nota minha publicada em 16 de Maio no 4R, subordinada ao título “O critério editorial”.
Aqui vai essa Nota, numa versão mais reduzida:

O critério editorial é um dom que só os jornalistas têm.
É um elemento diferenciador do seu ADN: não se tendo esse elemento, não se tem critério jornalístico. É escusado tentar!...
Mas o critério editorial tem algumas especificidades. Como estamos em Portugal, o gene de tal critério jornalístico tem que ser burocraticamente enquadrado: ele só se manifesta depois de o seu portador estar inscrito no Sindicato.
A inscrição é o marcador do gene: sem inscrição e sem cédula, o critério não se revela no ADN, pelo que o exercício do critério é ilegal.
Apesar de genético, o critério jornalístico pode perder-se: só se mantém nos jornalistas liofilizados ou bactereologicamente puros.
Esta pureza bactereológica apenas abrange os que sempre viveram no ambiente das redacções e dos bares próprios de jornalistas, situação que, adicionalmente, lhes outorga a marca e o reconhecimento de intelectual de esquerda, com capacidade para assinar todo o tipo de manifestos.
Há factos, no entanto, que potenciam o gene do critério, como, por exemplo, ser ou ter sido Assessor de um Presidente da República socialista ou mesmo de um qualquer Ministro Socialista.
Mas há factos que fazem, inexoravelmente, perder o gene: quem ousou ser Assessor de um Primeiro-Ministro ou de um Ministro social democrata perde imediatamente o gene.
Para não se dizer que isto é teoria, dou o exemplo do Jornalista Fernando Lima: aqui há uns tempos, teve grandes objecções na sua nomeação para Director do DN, porque a proximidade com Cavaco, há 10 anos, o fez perder, inexoravelmente, o gene do critério editorial.
Tanto assim foi que, passados poucos meses, teve que abandonar a Direcção do jornal.
O critério jornalístico está como o olho clínico para os médicos, mas com uma diferença: enquanto nem todos os médicos têm olho clínico, todos os jornalistas têm critério.
É por esse facto que muitas vezes o título da 1ª página não condiz com o título da 4ª página e a notícia não condiz com nenhum dos títulos: a situação é explicável por lutas no interior da redacção, entre os Sub, os Adjuntos, os Editores e os jornalistas, sobre qual o critério mais afinado. Concluindo-se que todos são afinados, a notícia reflecte um pouco de todos. Isso é o critério jornalístico.
Além do mais, se não discutimos o medicamento prescrito pelo olho clínico do médico, porquê discutir o título, se ele é determinado por um ADN específico?
O critério jornalístico é ainda a “ultima ratio”, quando, em conversa amiga ou discussão acesa, o jornalista não consegue explicar a razão de ser de determinada notícia, de determinado título ou a escolha de um comentador em detrimento de outro: “critério editorial, meu amigo!...”

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