Lembro-me sempre do meu avô, ouvido já “duro” colado ao rádio, a ouvir o noticiário da hora certa. Não falhava um, e em cada um confirmava a sua maior suspeita:
- Olha, filha, -dizia ele muito angustiado – o mundo caminha para um cataclismo!
Comecei então a tentar perceber que mudanças terríveis se anunciavam nesses breves minutos para ele confirmar, sem excepção, o vaticínio terrível.
E a verdade é que não encontrava nada assim de tão assustador, pelo menos nada que não pudesse ter solução ou até que não pudesse trazer melhoria da vida das pessoas. A liberdade, a democracia, os direitos das mulheres, a explosão do acesso ao ensino, a abertura a outros países, uma sociedade de consumo em contraste com o Portugal pobrezinho e modesto, etc. etc.
Nada é permanente, tudo muda, o estudo da história mostra isso, e o das ciências, e o da geografia, e...
Para mim, que era muito nova e tinha a vida toda à frente, a mudança era vista com entusiasmo, com esperança, com um temor de desafio; mas o meu avô dizia que só começamos a ter medo quando “já se viu muito” e se conhecem casos concretos que não correram bem, ou quando tudo o que levou uma vida a conquistar, ou a defender, é de repente posto em risco.
Quando hoje leio artigos nos jornais ou vejo debates em que se pronunciam os piores vaticínios para o futuro, em que tudo o que surge é perigoso, insustentável ou foi mal feito e sem remédio, em que parece que deixámos passar o momento exacto da perfeição que a nossa memória tão bem recriou (quando? Quem o viu?), lembro-me sempre do meu avô e do seu cataclismo iminente.
Há um momento da vida em que o cinismo e o pessimismo ocupam a nossa alma. Não tem que ver com a idade mas com o deixarmos de acreditar no futuro e só nos virarmos para o passado, porque só esse conseguimos compreender, nele estamos a salvo e nele habitamos – é nessa altura que ficamos velhos.
2 comentários:
Grande verdade cara Suzana,
aliás esse é mais um dos problemas do país... continuar virado para o passado, a remoer o passado, a definhar nos pântanos passados, governo após governo, de todas as cores e de todos os partidos.
Quando na opposição, todos querem olhar para o futuro, todos apontam para o futuro, mas uma vez chegados ao governo, todos pegam nos erros do passado e voltam a cometê-los vezes sem conta. De facto o provérbio que diz que aqueles que não conhecem o passado estão condenados a repeti-lo, aplica-se aqui como uma luva. Pois invariávelmente, TODOS os governos sabem já qual é o diagnóstico, mas insistem sempre na cura errada, porque a certa custa muito, e causa demasiadas turbulências no imediato, por isso é preferével manter o sistema como está!
Ainda hoje, em conversa com o meu pai, me apercebi que aqueles que lutaram por este país (inclusivé derramaram sangue em nome dele) estão cansados e olham para o passado exactamente como a Suzana acabou de descrever... e desanimam com o futuro. Porquê? Porque após décadas a tentar fazer algo pelo país a única coisa que vêem é que cada vez se exige mais deles... e cada vez o Estado lhes dá menos (eu pela parte que me toca já não conto com nada do Estado!).
A minha resposta... o futuro é hoje... e somos nós que temos que construí-lo, pois desengane-se quem julga que o Estado pode fazê-lo por si (salvo as devidas excepções, por motivos físicos ou psicológicos), porque isso já era... Como eu disse num comentário anterior... Estado social - uma palhaçada! Andem mas é para a frente que atrás vem gente... e quem ficar parado é atropelado!
Caro virus, espero vê-lo animado desse espírito combativo (mas não virulento...) e essa esperança no futuro por muitos e bons anos. Concordo consigo é muito fácil criticar o passado e muito difícil fazer no presente.
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