A hipertensão arterial é muito prevalente e está na base de muitos problemas cardiovasculares em Portugal, a principal causa de morte. Todos os esforços são bem vindos no sentido de a prevenir e de a controlar. O consumo moderado de sal, o combate à obesidade e o estímulo ao esforço físico constituem algumas das medidas que podem contribuir para a sua redução. A par destas, os médicos recorrem ao uso de fármacos que, sendo cada vez mais eficazes, são capazes de propiciarem a diminuição das complicações cardiovasculares no futuro.
Para dar uma ideia mais precisa do que irá acontecer nos próximos dez anos, podemos afirmar que, dos dois milhões e quinhentos mil portugueses com idades compreendidas entre os 55 e os 84 anos, 430 mil estão em risco de virem a sofrer um acidente vascular cerebral. Se fosse possível actuar de uma forma mais eficiente poderíamos evitar 175 mil casos. Uma redução desta ordem de grandeza seria uma grande vitória para todos, mas principalmente para aqueles que infelizmente irão ter uma “trombose”.
Para que seja possível dar mais saúde aos portugueses é preciso medir e vigiar a pressão arterial. Hoje, nas consultas de rotina ou em quaisquer outras, a medição da pressão arterial é feita de forma sistemática possibilitando um melhor controlo. No entanto, a medição da pressão arterial exige alguns cuidados especiais, tais como a temperatura ambiente, a colocação da braçadeira, a posição do braço, não haver constrangimentos ou receios do médico, estar sossegado e confiante e, mesmo assim, ocorrem, com alguma frequência, erros ou variações nos resultados da medição (o caso do doente estar em frente de um médico desencadeia com alguma frequência elevação da pressão arterial, conhecida pela “hipertensão da bata branca”) que o médico sabe interpretar e tomar em linha de conta antes de proceder ao diagnóstico de hipertensão arterial.
Frequentemente, os médicos são confrontados com doentes que suspendem a sua medicação, porque ao medirem-na, usando os aparelhos pessoais ou indo à farmácia, verificam ou é-lhes comunicado que já está normal. Um erro muito grave. Se está normal, mais uma razão para continuarem a usar o medicamento ou os medicamentos prescritos. Só assim será possível melhorar o controlo.
Os profissionais de saúde têm o dever de vigiar a pressão arterial das pessoas, mas quando as induzem em erro, então a situação é muito grave. Por exemplo, medir a pressão arterial num ambiente não aconselhado pode provocar problemas, mas mais grave é quando certos simpáticos “tickets”, emitidos por alguns aparelhos colocados nas farmácias, fornecem ao utilizador informação do género: “Com base nos dados introduzidos a sua tensão deveria estar entre os valores seguintes: sistólica 114-163; diastólica 071-093 mmHg”. Já agora qual foi a medição dada pela máquina? “Sistólica 147 mmHg; diastólica 89 mmHg; Pulso 102 P/min”. Além do mais, o esclarecedor “ticket”, que até registou a pressão atmosférica àquela hora do dia (767 mmHg), apresentava a seguinte nota: “Isto não é uma consulta médica. Não se automedique. Consulte o seu médico.” O cidadão em causa tomou em consideração este aviso. Realmente não se automedicou, pelo contrário, deixou de tomar a sua medicação, porque a sua pressão arterial sistólica deveria estar entre os 114 e os 163 mmHg! Mas quem controla estas máquinas? Que raio de cuidados estão a ser prestados? Ah! Este caso ocorreu mesmo. Um colega teve a amabilidade de enviar cópia do “ticket” do aparelho da farmácia. Aqui está mais um problema que deve ser tomado em linha de conta na prevenção da hipertensão arterial em Portugal, como se os restantes não dessem já dores de cabeça aos responsáveis!
5 comentários:
Caro Prof. Massano Cardoso
Há, de facto, muito a fazer e a corrigir.
A informação de que 430 000 portugueses entre os 55 e os 84 anos estão em risco de sofrer um AVC é verdadeiramente alarmante.
Qual será a dificuldade para que as autoridades façam campanhas e tomem medidas eficazes?
O sal é apontado como um dos maiores responsáveis.
Não será possível reduzi-lo progressivamente em todos os alimentos processados?
Veja-se o nosso pão e o nosso presunto e comparem-se com os produtos espanhóis ou franceses.
Veja-se a prática dos nossos restaurantes; os nossos condimentos quase exclusivos são o sal, ou os que têm muito sal, como o ketchup ou a mostarda.
Os nossos enlatados não indicam, em geral, o teor de sal; quando o fazem (suponho que os de menor teor)uma única dose contem a porção diária normal.
A gordura vem a seguir, mas agora já as embalagens de bolachas e similares indicam o teor.
Vejo a transposição de directivas sobre matérias sofisticadíssimas que pouco têm a ver connosco; não será possível avançar, de forma mais determinante, neste domínio?
Caro just-in-time
Agradeço os seus comentários.
É possível fazer muito neste campo da prevenção. Além da educação e da formação, que leva naturalmente o seu tempo, há medidas de carácter político que só por si podem ter um enorme impacto.
Neste momento, e na sequência de estratégia de prevenção a nível mundial, torna-se imperioso reduzir o consumo de sal dos 9 a 12 g/dia para 5 a 6 g/dia. Importa esclarecer que Portugal se encontra no limite superior, com o pormenor de muitos portugueses ultrapassarem, e em muito, o consumo dos 12 g/dia de sal. Uma redução da ordem de grandeza enunciada permitirá reduzir a pressão arterial de 7,2 a 11,2 mmHg para a tensão arterial sistólica e 3,8 a 6,4 mmHg para a tensão arterial diastólica nos hipertensos. Os normotensos também sofrem uma diminuição significativa. Estas reduções são suficientes para permitir salvar muitas milhares de vidas todos os anos.
Num inquérito que conduzi recentemente verifiquei que a grande maioria dos portugueses sabem o que é que o excesso de sal produz, e estão receptivos a adquirirem alimentos com teores mais baixos em sódio, caso tivessem possibilidade de os escolher. Assim, a simples rotulagem dos alimentos em sódio seria muito útil. Por outro lado, a indústria alimentar pode reduzir à vontade o teor de sódio dos seus produtos, em pelo menos 10%, sem que tal afecte as suas “qualidades” ou corram risco de sofrerem alterações. As consequências, benéficas, são da ordem de milhares de vidas “isentas” das consequências de AVCs. O Governo Britânico já tomou esta iniciativa há algum tempo e com muito sucesso.
Aqui estão algumas sugestões que passam pelas mãos dos políticos. Simples, mas eficientes. Quando fui deputado tive oportunidade em expor estas iniciativas, mas sem sucesso, ou sem tempo para as levar a cabo. Publicamente expressei a necessidade da rotulagem obrigatória dos alimentos, sobretudo os pré cozinhados. Houve, curiosamente, quem escrevesse, num blog, um texto contra esta posição, apelidando-a: “deputado quer impor lei sálica”! Dupla ignorância. Até porque sou republicano…E se fosse monárquico defenderia o mesmo direito à sucessão do trono por parte das mulheres. O cavalheiro ainda não deve saber o mal que o excesso de sal produz no organismo humano.
Muito útil este seu post,Massano Cardoso, a verdade é que há uma enorme tendência para a automedicação e, graças à facilidade de se comprar estes aparelhos, junta-se agora a tendência para o autodiagnóstico. Um dos grandes problemas com as pessoas de idade que me são próximas é a mania de estarem a medir a tensão de cada vez que se sentem menos bem, seja a seguir ao jantar,seja quando foram contrariados, seja quando lhes dá na cabeça. E então, por muito ilógico que seja o que o aparelho lhes mostra, toca de tomarem uma pastilha ou de reduzirem a dose para metade. Há dias, um deles, hipertenso grave, estava a tomar pedrinhas de sal porque tinha lido uma tensão de 3-5!!
De trás para a frente:
- automedicação,
- autodiagnóstico,
- autodestruição.
A última combate-se com informação e educação. Mas é a mais resistente.
A predisposição para adquirir aparelhos e encher-se de medicamentos caros e não isentos de efeitos secundários, quiçá a corrigir com mais medicamentos, é enorme; e na auto medicação nunca se sabe até onde se pode chegar!
Mas, como a autodestruição é a mais persistente e imaginativa, é reforçada pelo princípio da reserva mental sistemática: não sendo o médico um ser perfeito e, portanto, omnisciente, o melhor é evitá-lo, ou, pelo menos, desobedecer-lhe.Em todo o caso e como precaução mínima, é indispensável mentir-lhe, ou ao menos ocultar-lhe alguns sintomas!
Mas quando as coisas se complicam mesmo, então querem que o médico seja omnipotente.
Não é assim, Prof. Massano Cardoso?
Dois deliciosos comentários.Vou tomá-los em linha de conta para futuras reflexões e não só...
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