De acordo com a Organização Mundial de Saúde só 10% das doenças com origem alimentar são notificadas. Portugal faz parte deste grupo, e no tocante às salmoneloses, uma das toxinfecções mais graves, são permanentemente subnotificadas contribuindo para a sua disseminação causando graves problemas de saúde pública. Para ilustrar o risco de transmissão recordei-me da velha mas pedagógica história de Maria Tifóide.
No século XIX e até meados do século XX a febre tifóide era endémica, sendo responsável por altas taxas de morbilidade e de mortalidade.
A história de Mary Mallon, conhecida mais tarde pelo apodo de Mary Typhoid, ilustra a complexidade na transmissão de uma afecção infecciosa.
Mary Mallon chegou aos E.U.A. em Janeiro de 1868 na companhia de um anarquista. Irlandesa, dizia poucas palavras em inglês, mas sabia dizer: "I can cook".
Em 1906, na localidade de Oyster Bay (Long Island) o Dr. George Soper foi interpelado por um habitante a fim de investigar uma epidemia de febre tifóide que tinha atingido 6 das 11 pessoas que viviam na sua casa. Uma menina tinha falecido.
Após uma meticulosa investigação (da qual tinha eliminado um conjunto de vectores responsáveis pela propagação do bacilo, nomeadamente a água, o leite e outros vectores tradicionalmente ligados à pobreza e falta de condições de higiene - Oyster Bay era uma estância de gente rica) Soper que conhecia a teoria de Robert Koch, segundo a qual a infecção podia ser propagada por pessoas que albergassem o bacilo, centrou a sua atenção sobre a cozinheira. Mary Mallon foi descrita como pessoa de poucas palavras, sisuda e silenciosa quanto ao seu passado. Boa cozinheira, segundo o patrão, tinha feito o mais delicioso gelado. No entanto tinha desaparecido há três semanas, desconhecendo-se o paradeiro.
Suspeitando da cozinheira, procurou saber o seu trajecto profissional, tendo verificado que nos locais onde tinha trabalhado, ocorreram casos de febre tifóide (1900, 1901, 1902...). Por onde passava deixava a sua assinatura...
Após seis meses de pesquisa, acabou por encontrá-la. Ao confrontá-la com os acontecimentos, Mary indignou-se, negando ser a responsável.
Através dos registos, Soper calculou que Mary foi responsável por vinte e oito situações de febre tifóide. Uma das epidemias ocorreu em Ithaca (Nova Iorque) com 1.300 casos. Quando foi descoberta, Mary usava um nome falso e trabalhava numa casa onde tinha surgido casos de febre tifóide. Pediram-lhe para se submeter a exames para detectar o bacilo, mas as facas da cozinha fizeram demover a intenção do médico! Na segunda tentativa um cutelo foi razão suficiente para que não fosse feito exames à urina e ás fezes.
A polícia deteve-a, com muita dificuldade, transportando-a ao hospital. Não havia bacilos na urina, mas nas fezes abundavam como um enxame de abelhas.
O Departamento de Saúde isolou-a durante três anos num hospital para doenças infecciosas. Foi-lhe proposta a colecistectomia, mas recusou com medo de lhe acontecer qualquer coisa de mal...
Prometeu que nunca mais iria cozinhar, nem tocar nos alimentos para as outras pessoas e aparecer de três em três meses perante as autoridades de saúde. Deixaram-na sair e desapareceu.
Cinco anos depois, uma senhora, Mary Brown, cozinhava numa Maternidade de Nova Iorque, onde vinte e cinco enfermeiras adoeceram com febre tifóide, das quais algumas faleceram. Detectada, foi transportada algemada ao hospital de doenças infecciosas, onde permaneceu durante vinte e três anos até à sua morte em 1938, devido a um AVC.
Oficialmente foi-lhe atribuída 51 casos e três óbitos, mas a realidade deverá ser totalmente diferente já que a epidemia de Ithaca provocou mais de 1.000 vítimas.
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