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sexta-feira, 4 de julho de 2008

Águas de Portugal: um caso particularmente importante - II


As notícias vindas hoje a público sobre a situação do grupo AdP poderiam e deveriam levar a tê-lo como um study case do universo empresarial público. É que a AdP não é um grupo empresarial qualquer. Pela sua dimensão (ver aqui o organograma), pelo seu volume de negócios, mas sobretudo pela essencialidade das actividades que desenvolve (águas, resíduos e energia) é seguramente o mais importante conglomerado de empresas dominadas pelo Estado.
Assente em legislação que definiu, num dos governos do Professor Cavaco Silva, o modelo de gestão de adução e tratamento para distribuição de água destinada ao consumo público, foi nos governos do Engenheiro António Guterres, mas sobretudo no tempo do Engenheiro Sócrates como Ministro do Ambiente e do Engenheiro Mário Lino como presidente da AdP que o grupo se consolidou muito à custa de um perfeito entendimento estratégico entre os dois.
Há muito que se reclama pela reestruturação deste modelo. Porque se num determinado momento foi importante - reconheça-se - a estratégia de apostar direcção centralizada da gestão da água em alta, com o sucesso medido pela elevada taxa de cobertura no abastecimento com qualidade, não se percebe que razões levam a manter fechado o sector ao mercado, mas também nalguns casos às autarquias com condições para uma gestão mais eficaz e mais próxima das necessidades das populações.
Não tenho dúvidas que ao PSD cabem as responsabilidades de, no tempo em que foi governo, ter hesitado em escolher o modelo sucessivo. Mas o PS já revelou que não tem interesse em mudar este centro de poder efectivo, que entre outras coisas acolhe muita da clientela partidária nos seus amplos quadros gestionários.
Em tempos, a desculpa para a falta de reestruturação do grupo através do envolvimento de outros players, era a ausência de transposição da Directiva-Quadro da Água. Essa ocorreu entretanto, sem que ninguém, literalmente ninguém, colocasse a questão.
O mesmo se diga das outras fileiras de negócio do grupo. O reforço da posição da AdP nas energias renováveis indicia que a estratégia não é a recondução do core do grupo às actividades com que se imaginou fazer dele o instrumento de satisfação otimizada de necessidades públicas, fornecendo um bem essencial com qualidade. Não. Os sinais vão no sentido oposto. De a AdP multiplicar os seus tentáculos, afirmando a presença do Estado onde o discurso oficial proclama as virtudes da iniciativa privada. Com bons resultados? Aí está o relatório do Tribunal de Contas para dar a resposta. Aí estão, revelados, alguns dos sintomas habituais da gestão ineficaz, insensível aos custos do desperdício. Aí estão, na sua plenitude, as mordomias injustificadas que só não são imorais porque (como dizia um autor) há muito que se perdeu o padrão da moralidade.
Outro aspecto que deveria merecer atenção é o que se passa com o negócio do tratamento e valorização dos resíduos, que há muito se esperava, por razões de pura racionalidade, que se autonomizasse e permitisse a cooperação de outros capitais e know-how. Mantém-se, sem dar sinais de descolar do grupo e sem que se perceba que vantagem advém para o interesse geral desta concentração de actividades.

Justificavam-se umas linhas sobre o flop da estratégia de internacionalização da AdP como das relações com as autarquias, principais clientes de algumas das empresas do grupo. Mas este também já vai longo, pelo que, se houver tempo e paciência, pode ser que abramos um terceiro post sobre o assunto.

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