Dizer a um doente que tem um problema sério não é fácil e quando se tem 90 anos ainda é mais complicado.
Fui consultado por um senhor há poucos dias por queixas urinárias, sangue total, que não augura nada de bom. Em pouco tempo foram feitos os exames necessários que apontam para uma lesão renal e também vesical. Quanto a esta última não me parece ser a mais preocupante, até, porque já foi alvo de intervenção cirúrgica a situação semelhante há poucos anos. O pior é a lesão no rim direito.
O senhor vive na companhia de uma jovem senhora que o trata de forma exemplar em virtude das filhas viverem fora do país. Simpático, comunicativo, bem disposto e com uma cabecinha de fazer inveja a muitos jovens. Gosta imenso de conversar, sempre com um agradável sorriso.
Face aos dados, tive que lhe dizer que a lesão na bexiga era igual às que tinha sido operado anteriormente, sendo, muito provavelmente, benigna. Mas no rim havia qualquer “coisita” que tinha de ser retirada e, para o efeito, ia escrever uma carta para ser entregue no hospital a um colega especialista. Muito provavelmente teria necessidade de fazer mais um ou dois exames e, depois, ser sujeito a uma intervenção. Enquanto falava, perscrutava a sua fácies e comportamento, verificando que estava atento, mas um pouco apreensivo, traduzido por um silêncio emoldurado pelo sorriso da natural boa disposição. Adiantei que a situação iria ser resolvida e com sucesso, até, porque, apesar da idade, estava mais do que em condições físicas para ultrapassar o problema. A conversa, ou melhor, a meia-conversa continuou e, à saída, depois de ter entregue a carta à acompanhante, disse-lhe que, após a intervenção, gostaria de o ver para saber como tudo tinha corrido. Foi então que me disse, com o seu sorriso natural, agora meio entristecido, que às tantas não seria ele quem viria mas sim alguém a pedir que assinasse uma certidão de óbito. Repliquei, com muita sinceridade, que não seria esse o caso, porque acreditava que tudo ia correr pelo melhor e que os seus 90 anos não seriam grande estorvo. Sorrindo, utilizei uma velha expressão de votos de uma vida longa: - Qual quê! “O senhor ainda vai enterrar muitos”! Virou-se e disse: - Oh senhor doutor! Eu não sou coveiro. Nunca enterrei ninguém! E largou uma sonora gargalhada que me contagiou, obrigando a ripostar com uma outra.
Espero que, daqui a algumas semanas, possa ouvir e ver, novamente, uma pessoa que ama a vida, que é detentor de um sorriso simpático e partilhar alguns momentos da sua simplicidade e humildade.
Espero, muito sinceramente...
Fui consultado por um senhor há poucos dias por queixas urinárias, sangue total, que não augura nada de bom. Em pouco tempo foram feitos os exames necessários que apontam para uma lesão renal e também vesical. Quanto a esta última não me parece ser a mais preocupante, até, porque já foi alvo de intervenção cirúrgica a situação semelhante há poucos anos. O pior é a lesão no rim direito.
O senhor vive na companhia de uma jovem senhora que o trata de forma exemplar em virtude das filhas viverem fora do país. Simpático, comunicativo, bem disposto e com uma cabecinha de fazer inveja a muitos jovens. Gosta imenso de conversar, sempre com um agradável sorriso.
Face aos dados, tive que lhe dizer que a lesão na bexiga era igual às que tinha sido operado anteriormente, sendo, muito provavelmente, benigna. Mas no rim havia qualquer “coisita” que tinha de ser retirada e, para o efeito, ia escrever uma carta para ser entregue no hospital a um colega especialista. Muito provavelmente teria necessidade de fazer mais um ou dois exames e, depois, ser sujeito a uma intervenção. Enquanto falava, perscrutava a sua fácies e comportamento, verificando que estava atento, mas um pouco apreensivo, traduzido por um silêncio emoldurado pelo sorriso da natural boa disposição. Adiantei que a situação iria ser resolvida e com sucesso, até, porque, apesar da idade, estava mais do que em condições físicas para ultrapassar o problema. A conversa, ou melhor, a meia-conversa continuou e, à saída, depois de ter entregue a carta à acompanhante, disse-lhe que, após a intervenção, gostaria de o ver para saber como tudo tinha corrido. Foi então que me disse, com o seu sorriso natural, agora meio entristecido, que às tantas não seria ele quem viria mas sim alguém a pedir que assinasse uma certidão de óbito. Repliquei, com muita sinceridade, que não seria esse o caso, porque acreditava que tudo ia correr pelo melhor e que os seus 90 anos não seriam grande estorvo. Sorrindo, utilizei uma velha expressão de votos de uma vida longa: - Qual quê! “O senhor ainda vai enterrar muitos”! Virou-se e disse: - Oh senhor doutor! Eu não sou coveiro. Nunca enterrei ninguém! E largou uma sonora gargalhada que me contagiou, obrigando a ripostar com uma outra.
Espero que, daqui a algumas semanas, possa ouvir e ver, novamente, uma pessoa que ama a vida, que é detentor de um sorriso simpático e partilhar alguns momentos da sua simplicidade e humildade.
Espero, muito sinceramente...
2 comentários:
Cá ficamos à espera de notícias desse seu doente!Pela descrição que faz, não parece pessoa de desistir, mas também já vi como às vezes, quando se é velho, a luta pela vida também cansa.
Ha um ditado, no mínimo tão velhinho quanto a frase: “O senhor ainda vai enterrar muitos”! que diz: "Homem velho com mulher nova, filhos até à cova".
Esta analogia, não tem própriamente nada a ver com a questão que o caro Professor desenvolve neste post, a não ser unicamente com a ideia resumida no seu final. Ou seja, tanto num caso como no outro onde pontua a figura de uma mulher nova, espera-se que a mesma sirva de mutivação para que a vitalidade masculina se mantenha.
Esperemos que sim!!!
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