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sábado, 19 de julho de 2008

“D. Augusta e a vacina contra a gripe”...

Os doentes quando nos procuram necessitam mais do que a singular consulta ou a passagem de medicamentos. Gostam e querem conversar. Não vejo mal nenhum, pelo contrário, ao ponto de muitos, bastante perspicazes e inteligentes acabarem por "fazer-nos" uma consulta! Vêem os nossos estados de alma, se estamos com ar cansado, se estamos mais magros, enfim, doentes a preocuparem-se com a nossa saúde.
A D. Augusta, que já ultrapassou há alguns anos os oitenta, com bom ouvido e melhor cabecinha, apesar do cansaço do seu coração, procurou-me para fazer o seu reabastecimento farmacológico, desta feita reforçado, pelo facto de saber que vou entrar de férias no próximo mês de Agosto. - Então senhor doutor vai tirar férias em Agosto como é habitual, não é verdade? Mas olhe lá o que é que se passa consigo? Está tão magro! Anda doente? - Hum! Mais ou menos! Tenho feito dieta e muito exercício. Por isso estou com este aspecto. - Pois é! Disse a D. Augusta, meio desconfiada. Delicadamente, aumenta o tom de voz e adverte-me para que em Setembro ao lhe passar a vacina contra a gripe lhe prescrevesse uma melhor do que a do ano passado. - Melhor?! São todas iguais! - Desculpe senhor doutor mas não devem ser. O senhor lembra-se das gripes que apanhei este ano. - Gripes?! Mas a D. Augusta não apanhou gripe nenhuma! O que teve foram umas constipações que não tem nada a ver com as gripes. São coisas distintas, até os vírus responsáveis são tão diferentes. O povo é que tem muitas vezes o hábito de dizer que anda “engripado”, mas na realidade anda mas é “constipado”. Oh D. Augusta, às tantas a senhora nunca teve uma gripe, das valentes. - Mas pode matar, não pode? Claro que pode. É muito sério adoecer com gripe, sobretudo se for de uma certa idade, se sofrer de algumas doenças, como é o seu caso, do coração, dos pulmões e dos brônquios, de diabetes, enfim sempre que estejam diminuídas as nossas defesas. - Compreendo, mas o senhor doutor tem que passar a receita logo no princípio, porque tenho receio de que possam esgotar. Afinal, porque é se esgotam as vacinas? - Porque a maioria quer vacinar-se! - Mas não deviam ser só os doentes e pessoas de idade? Bom, em princípio nada impede que um cidadão jovem e saudável se vacine, sobretudo se, devido à sua actividade, correr mais riscos de a contrair. - Caso dos médicos? - Dos médicos e do restante pessoal de saúde ou profissionais que lidam com grupos de pessoas mais vulneráveis, caso de idosos, lares e instituições para deficientes, centros de reabilitação ou que exerçam actividades prioritárias. - Então o senhor doutor vacina-se todos os anos? - Não! Nunca me vacinei. E olhe que devo chegar a levar com "toneladas" de vírus. Sabe, os seres humanos têm necessidade de ser “agredidos” de forma a manter em bom funcionamento o organismo. Em princípio, se formos saudáveis e não muito entradotes, não vejo grande necessidade na vacinação, a não ser que o vírus deste ano seja particularmente virulento. Se for esse o caso, as autoridades mundiais e nacionais darão os conselhos necessários se valerá ou não a pena em estender a vacinação aos grupos de baixo risco. - Isso tem a ver com a gripe das aves? - Nada. Rigorosamente nada. Essa é outra história. - Mas agora ninguém fala dela! - Pois não! Com tantos acontecimentos que andam por aí, "esqueceram-se"! Não faltam notícias! Mesmo que morram patos nos lagos dos jardins já não atraem as televisões! A senhora riu-se do comentário. - Diga-me lá uma coisa. O senhor doutor disse que nunca se vacinou contra a gripe. E este ano? Vai vacinar-se? Estupefacto, questionei: Mas, por que é que pergunta? - O senhor doutor não disse, ainda há pouco, que andava mais ou menos doente e que por esse motivo começou a fazer dieta e exercício? - É verdade! - E não é médico? - Sou! Perante a subtileza da senhora, lá lhe confessei que tive conhecimento, há pouco tempo, de que sofria de diabetes, e que agora tinha que me cuidar como deve ser. – Bom, nesse caso, em Setembro, quando vier buscar a receita para a minha vacina eu lembro-lhe de que também tem que a tomar. E, pelo sim pelo não quero uma igualzinha à sua. Boa saúde e óptimas férias, senhor doutor. - Obrigado D. Augusta. Também para si. Até Setembro, e não se esqueça de tomar os medicamentos. – Não esqueço, graças a Deus eu ainda tenho uma boa cabecinha!

3 comentários:

Pinho Cardão disse...

Lindo,caro Professor!...
E o meu amigo acabou por ser consultado de borla e ainda levou a receita de uma vacina!...
E...óptimas caminhadas pelo Choupal,com algumas refrescantes conversas com as Leonores que apareçam pelo caminho...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Professor Massano Cardoso
Que história tão pitoresca!
É extraordinário ver o tempo que as pessoas com muita idade dispendem com a saúde mesmo que não sofram de qualquer maleita, com as doenças mesmo que não estejam doentes, com as mais pequenas indisposições ou espirros mesmo que nada se passe.
A noção de que a velhice "mata" e a ideia de ir à consulta ao Senhor Doutor ainda que por um inexistente problemazito de saúde são coisas que fazem o dia a dia das pessoas idosas, ajudam também a passar o tempo.
Como será quando lá chegar, se chegar?

Bartolomeu disse...

Caro Professor, não sei se por estar a regressar de um período de férias e me achar "fresquinho", ou se realmente porque sim, este é para mim, um dos melhores post que já li, escrito por si. É duplamente, como afirmam os presados comentadores que me antecedem, uma viagem, quase que um exorcismo, sem deixar ao pendurão a faceta pedagógica que acredito lhe corre nas veias e lhe alimenta e estimula a existÊncia.
A sua doente, é sem dúvida a prova de que a vida decorre devido à interacção entre os seres.