Os doentes quando nos procuram necessitam mais do que a singular consulta ou a passagem de medicamentos. Gostam e querem conversar. Não vejo mal nenhum, pelo contrário, ao ponto de muitos, bastante perspicazes e inteligentes acabarem por "fazer-nos" uma consulta! Vêem os nossos estados de alma, se estamos com ar cansado, se estamos mais magros, enfim, doentes a preocuparem-se com a nossa saúde.
A D. Augusta, que já ultrapassou há alguns anos os oitenta, com bom ouvido e melhor cabecinha, apesar do cansaço do seu coração, procurou-me para fazer o seu reabastecimento farmacológico, desta feita reforçado, pelo facto de saber que vou entrar de férias no próximo mês de Agosto. - Então senhor doutor vai tirar férias em Agosto como é habitual, não é verdade? Mas olhe lá o que é que se passa consigo? Está tão magro! Anda doente? - Hum! Mais ou menos! Tenho feito dieta e muito exercício. Por isso estou com este aspecto. - Pois é! Disse a D. Augusta, meio desconfiada. Delicadamente, aumenta o tom de voz e adverte-me para que em Setembro ao lhe passar a vacina contra a gripe lhe prescrevesse uma melhor do que a do ano passado. - Melhor?! São todas iguais! - Desculpe senhor doutor mas não devem ser. O senhor lembra-se das gripes que apanhei este ano. - Gripes?! Mas a D. Augusta não apanhou gripe nenhuma! O que teve foram umas constipações que não tem nada a ver com as gripes. São coisas distintas, até os vírus responsáveis são tão diferentes. O povo é que tem muitas vezes o hábito de dizer que anda “engripado”, mas na realidade anda mas é “constipado”. Oh D. Augusta, às tantas a senhora nunca teve uma gripe, das valentes. - Mas pode matar, não pode? Claro que pode. É muito sério adoecer com gripe, sobretudo se for de uma certa idade, se sofrer de algumas doenças, como é o seu caso, do coração, dos pulmões e dos brônquios, de diabetes, enfim sempre que estejam diminuídas as nossas defesas. - Compreendo, mas o senhor doutor tem que passar a receita logo no princípio, porque tenho receio de que possam esgotar. Afinal, porque é se esgotam as vacinas? - Porque a maioria quer vacinar-se! - Mas não deviam ser só os doentes e pessoas de idade? Bom, em princípio nada impede que um cidadão jovem e saudável se vacine, sobretudo se, devido à sua actividade, correr mais riscos de a contrair. - Caso dos médicos? - Dos médicos e do restante pessoal de saúde ou profissionais que lidam com grupos de pessoas mais vulneráveis, caso de idosos, lares e instituições para deficientes, centros de reabilitação ou que exerçam actividades prioritárias. - Então o senhor doutor vacina-se todos os anos? - Não! Nunca me vacinei. E olhe que devo chegar a levar com "toneladas" de vírus. Sabe, os seres humanos têm necessidade de ser “agredidos” de forma a manter em bom funcionamento o organismo. Em princípio, se formos saudáveis e não muito entradotes, não vejo grande necessidade na vacinação, a não ser que o vírus deste ano seja particularmente virulento. Se for esse o caso, as autoridades mundiais e nacionais darão os conselhos necessários se valerá ou não a pena em estender a vacinação aos grupos de baixo risco. - Isso tem a ver com a gripe das aves? - Nada. Rigorosamente nada. Essa é outra história. - Mas agora ninguém fala dela! - Pois não! Com tantos acontecimentos que andam por aí, "esqueceram-se"! Não faltam notícias! Mesmo que morram patos nos lagos dos jardins já não atraem as televisões! A senhora riu-se do comentário. - Diga-me lá uma coisa. O senhor doutor disse que nunca se vacinou contra a gripe. E este ano? Vai vacinar-se? Estupefacto, questionei: Mas, por que é que pergunta? - O senhor doutor não disse, ainda há pouco, que andava mais ou menos doente e que por esse motivo começou a fazer dieta e exercício? - É verdade! - E não é médico? - Sou! Perante a subtileza da senhora, lá lhe confessei que tive conhecimento, há pouco tempo, de que sofria de diabetes, e que agora tinha que me cuidar como deve ser. – Bom, nesse caso, em Setembro, quando vier buscar a receita para a minha vacina eu lembro-lhe de que também tem que a tomar. E, pelo sim pelo não quero uma igualzinha à sua. Boa saúde e óptimas férias, senhor doutor. - Obrigado D. Augusta. Também para si. Até Setembro, e não se esqueça de tomar os medicamentos. – Não esqueço, graças a Deus eu ainda tenho uma boa cabecinha!
A D. Augusta, que já ultrapassou há alguns anos os oitenta, com bom ouvido e melhor cabecinha, apesar do cansaço do seu coração, procurou-me para fazer o seu reabastecimento farmacológico, desta feita reforçado, pelo facto de saber que vou entrar de férias no próximo mês de Agosto. - Então senhor doutor vai tirar férias em Agosto como é habitual, não é verdade? Mas olhe lá o que é que se passa consigo? Está tão magro! Anda doente? - Hum! Mais ou menos! Tenho feito dieta e muito exercício. Por isso estou com este aspecto. - Pois é! Disse a D. Augusta, meio desconfiada. Delicadamente, aumenta o tom de voz e adverte-me para que em Setembro ao lhe passar a vacina contra a gripe lhe prescrevesse uma melhor do que a do ano passado. - Melhor?! São todas iguais! - Desculpe senhor doutor mas não devem ser. O senhor lembra-se das gripes que apanhei este ano. - Gripes?! Mas a D. Augusta não apanhou gripe nenhuma! O que teve foram umas constipações que não tem nada a ver com as gripes. São coisas distintas, até os vírus responsáveis são tão diferentes. O povo é que tem muitas vezes o hábito de dizer que anda “engripado”, mas na realidade anda mas é “constipado”. Oh D. Augusta, às tantas a senhora nunca teve uma gripe, das valentes. - Mas pode matar, não pode? Claro que pode. É muito sério adoecer com gripe, sobretudo se for de uma certa idade, se sofrer de algumas doenças, como é o seu caso, do coração, dos pulmões e dos brônquios, de diabetes, enfim sempre que estejam diminuídas as nossas defesas. - Compreendo, mas o senhor doutor tem que passar a receita logo no princípio, porque tenho receio de que possam esgotar. Afinal, porque é se esgotam as vacinas? - Porque a maioria quer vacinar-se! - Mas não deviam ser só os doentes e pessoas de idade? Bom, em princípio nada impede que um cidadão jovem e saudável se vacine, sobretudo se, devido à sua actividade, correr mais riscos de a contrair. - Caso dos médicos? - Dos médicos e do restante pessoal de saúde ou profissionais que lidam com grupos de pessoas mais vulneráveis, caso de idosos, lares e instituições para deficientes, centros de reabilitação ou que exerçam actividades prioritárias. - Então o senhor doutor vacina-se todos os anos? - Não! Nunca me vacinei. E olhe que devo chegar a levar com "toneladas" de vírus. Sabe, os seres humanos têm necessidade de ser “agredidos” de forma a manter em bom funcionamento o organismo. Em princípio, se formos saudáveis e não muito entradotes, não vejo grande necessidade na vacinação, a não ser que o vírus deste ano seja particularmente virulento. Se for esse o caso, as autoridades mundiais e nacionais darão os conselhos necessários se valerá ou não a pena em estender a vacinação aos grupos de baixo risco. - Isso tem a ver com a gripe das aves? - Nada. Rigorosamente nada. Essa é outra história. - Mas agora ninguém fala dela! - Pois não! Com tantos acontecimentos que andam por aí, "esqueceram-se"! Não faltam notícias! Mesmo que morram patos nos lagos dos jardins já não atraem as televisões! A senhora riu-se do comentário. - Diga-me lá uma coisa. O senhor doutor disse que nunca se vacinou contra a gripe. E este ano? Vai vacinar-se? Estupefacto, questionei: Mas, por que é que pergunta? - O senhor doutor não disse, ainda há pouco, que andava mais ou menos doente e que por esse motivo começou a fazer dieta e exercício? - É verdade! - E não é médico? - Sou! Perante a subtileza da senhora, lá lhe confessei que tive conhecimento, há pouco tempo, de que sofria de diabetes, e que agora tinha que me cuidar como deve ser. – Bom, nesse caso, em Setembro, quando vier buscar a receita para a minha vacina eu lembro-lhe de que também tem que a tomar. E, pelo sim pelo não quero uma igualzinha à sua. Boa saúde e óptimas férias, senhor doutor. - Obrigado D. Augusta. Também para si. Até Setembro, e não se esqueça de tomar os medicamentos. – Não esqueço, graças a Deus eu ainda tenho uma boa cabecinha!
3 comentários:
Lindo,caro Professor!...
E o meu amigo acabou por ser consultado de borla e ainda levou a receita de uma vacina!...
E...óptimas caminhadas pelo Choupal,com algumas refrescantes conversas com as Leonores que apareçam pelo caminho...
Caro Professor Massano Cardoso
Que história tão pitoresca!
É extraordinário ver o tempo que as pessoas com muita idade dispendem com a saúde mesmo que não sofram de qualquer maleita, com as doenças mesmo que não estejam doentes, com as mais pequenas indisposições ou espirros mesmo que nada se passe.
A noção de que a velhice "mata" e a ideia de ir à consulta ao Senhor Doutor ainda que por um inexistente problemazito de saúde são coisas que fazem o dia a dia das pessoas idosas, ajudam também a passar o tempo.
Como será quando lá chegar, se chegar?
Caro Professor, não sei se por estar a regressar de um período de férias e me achar "fresquinho", ou se realmente porque sim, este é para mim, um dos melhores post que já li, escrito por si. É duplamente, como afirmam os presados comentadores que me antecedem, uma viagem, quase que um exorcismo, sem deixar ao pendurão a faceta pedagógica que acredito lhe corre nas veias e lhe alimenta e estimula a existÊncia.
A sua doente, é sem dúvida a prova de que a vida decorre devido à interacção entre os seres.
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