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terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Codigo da Contratação Publica: para quê?

Há cerca de 2 ou 3 semanas o Ministro das Obras Publicas (MOP), entrevistado no programa “Diga lá, Excelência” da RR, afirmou como grande novidade e iniciativa da maior relevância a próxima aprovação pelo Governo de um “Código da Contratação Publica”.
Os ilustres entrevistadores mostraram curiosidade e nada questionaram o Ministro quanto à necessidade da obra, procurando antes esclarecer os seus objectivos: transparência, rigor, acabar com suspeitas e derrapagens de custos nos grandes contratos de aquisição de bens, de empreitada ou outros em que uma parte (adquirente ou dono de obra) seja uma entidade pública.
Em suma, corrigir a situação actual em que supostamente “não existem” condições para assegurar tão nobres objectivos.
Não foi nesse programa que pela primeira vez o assunto foi mencionado. Recordo-me de que já uns dias antes um Secretário de Estado, pelo menos, ter anunciado esse grande projecto legislativo.
Conhecendo razoavelmente o enquadramento legal e regulamentar deste assunto, confesso a minha perplexidade com tais anúncios.
A matéria da contratação pública encontra-se tratada no nosso ordenamento jurídico, basicamente em dois diplomas:
- O DL nº197/99, de 8 de Junho, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva 97/52/CE de 13 Outubro, regulando a aquisição e locação de bens e serviços por entidades públicas;
- O DL nº59/99, de 2 de Março, que transpôs a Directiva 93/37/CE, de 14 de Julho, regulando as empreitadas de obras públicas e também as concessões de obras públicas.

Qualquer um destes diplomas regula de forma extremamente detalhada e rigorosa toda a matéria da contratação pública.
O primeiro, contem nada menos de 209 artigos (mais uma boa dúzia de anexos) onde todas as etapas dos processos de aquisição de bens ou serviços se encontram minuciosamente tratadas, começando pela explanação dos princípios aplicáveis, a saber: (i) legalidade e prossecução do interesse público, (ii) transparência e publicidade, (iii) igualdade, (iv) concorrência, (v) imparcialidade, (vi) proporcionalidade, (vii) boa fé, (viii) estabilidade e (ix) responsabilidade.
Quanto ao segundo, são “apenas” 278 artigos, mais uma extensa lista de anexos, com uma apertadíssima malha de normas em que tudo é minuciosamente regulado.
Face a esta realidade legislativa, espantou-me o facto de nem o MOP nem os entrevistadores lhe terem dado a menor importância, não a referindo tampouco.
Será que nenhum deles tem a noção desta realidade? Custa-me a crer...
Mas se algum deles tem essa noção, seria absolutamente lógico que explicassem o que está mal ou obsoleto na mesma (duvido muito), merecendo mudança radical com o tal Código da Contratação Colectiva.
Este episódio ilustra a meu ver o ponto a que chegamos em matéria de marketing político: vale tudo menos “tirar olhos” como se dizia no meu tempo do liceu...
Será para justificar o projecto da Ota, fazendo crer que agora, com o novo Código, é que vamos ter transparência e rigor a valer? Tudo é possível...

7 comentários:

Pinho Cardão disse...

A questão é que qualquer Ministro que se preze tem que aparecer nos media. Se não aparece,nem se considera que haja Ministro. Por melhor que seja!...
Por isso, os piores são os que mais aparecem, porque têm tempo para tal.
Quando não há assunto, inventa-se. Uma intenção alteração de vírgulas na legislação é assunto de grande substância, dá logo ideia do ingente e complexo trabalho ministerial e dá lugar à primeira notícia. As outras seguem-se normalmente com ritmo semanal.
Obviamente que este retrato é o exacto retrato de quem, sem ideias, aproveita o ministerial cargo para ter os seus dias de glória!...
O que sai no fim é nada,ou meros arredondamentos, mas a propaganda pessoal e do governo ficou!...

SC disse...

Meus caros,
Concordo completamente com o que dizem, por ser verdade.
Mas deixem que coloque uma inquietação pessoal: Para se comprar umas resmas de papel é preciso mesmo saber os 209+278=487 artigos (mais uns quantos artigos de uns diplomas para confundir ainda mais)? A língua portuguesa é assim tão pobre que não permite melhores sínteses? (ah grande Código Comercial do Veiga Beirão!)
É possível, assim, haver eficácia e eficiência na AP?
Se conseguirem reduzir isto a metade talvez ganhemos um bocadito em produtividade (a transparência nada tem a ver com a lei mas com as atitudes!). Mas, como a história não é nada favorável ainda terá mais de 600!

Pinho Cardão disse...

Judiciosas considerações, caro SC!...

Carlos Sério disse...

Pois, o SC disse tudo sobre as motivações subjacentes à criação de nova legislação.

Os sucessivos assessores dos ministros e os directores "de ocasião" nomeados nas mudanças governativas têm lá paciência para seguir os trâmites da legislação.A coisa tem que ser mais fácil e dar pouco trabalho e assim de duas uma. Ou acabam-se com as Direcções Gerais, com a Função Pública que dá tanta chatice e se cria um Instituto ou outro òrgão não sujeito a tanta legislação, ou então haverá que alterar a legislação e torná-la mais acessível.

Se uma legislação mais ligeira permite maior corrupção, alto lá, isso não é problema porque nós do governos somos todos honestos.

É a incompetência destes senhores nomeados politicamente de ocasião, colocados na gestão das obras e aquisições públicas que têm ajudado a levar este País à desgraça em que se encontra.
Todos falam numa politica de exigência e de rigor, mas o que se observa é o culto do facilitismo.

Filipe Tourais disse...

Reduzir o articulado da lei para aumentar a eficiência e eficácia seria um caminho, aumentar a qualificação dos dirigentes, será outro. Eu optaria pelo segundo e acabaria com as nomeações políticas e a instrumentalização do aparelho do estado por parte dos partidos políticos.
E não. Para comprar uma resma de papel usa-se sempre o mesmo artigo, isto é feito por ajuste directo, sem grandes delongas. Há é que conhecer a lei, estudá-la e interpretá-la e isto pressupõe capacidade e não o cartão partidário.

Quanto ao demais do post, coincidimos. Na ausência de jornalistas especializados na matéria, que ignoram a legislação inerente ao sector público, é tão fácil o show deste governo mediático como argumentar com a complexidade de uma compra de umas resmas de papel.

SC disse...

Caro FT,
E quem disse que os dirigentes (a maioria) não são qualificados? Talvez nem sempre se saiba bem é as "qualificações" que se querem!...

Agora essa de estudar e interpretar a lei, com qualificações , claro, coisa simples(um jurista?)!
Pois, e quando se pergunta a um jurista: Posso fazer isto? Resposta: nim! Ou então, um diz sim e outro diz não!.
Interpretações das nossas leis? é à escolha do freguês!
Nomeações políticas, claro. Mas, há tantos anos, sempre a mesma ladainha, para mim já começa a ser desculpa, e perigosa!
Só serve para confundir nomeações de favor com nomeações de confiança.
Se as primeiras desprezo, as segundas exijo!
Como é possível o exercício de um cargo dirigente sem a confiança dos superiores?
Questões de atitude...

Filipe Tourais disse...

A legislação enunciada no post não necessita de grandes interpretações, pelo menos ao nível da compra de uma resma de papel.

Quanto às nomeações políticas, há países, como a Inglaterra, em que tanto as de favor como as de confiança não existem, os dirigentes são escolhidos por concurso - em que são exigidos parâmetros de qualificação e mérito profissional - entre os funcionários de carreira. A diferenciação que faz entre "nomeados de favor" e "nomeados de confiança", impossível de fazer-se, fica assim de fora do sistema britânico. Da pátria do liberalismo copia-se o que interessa.