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domingo, 21 de janeiro de 2007

Segredo de justiça: para quando?

Desculpem-me os aficionados do futebol e de alguns clubes em particular, mas não morro de amores por este desporto.
Este facto não impede que acompanhe desde há muito as histórias escandalosas que se passam no mundo do futebol, mais precisamente no mundo dos negócios do futebol, que em nada dignificam a actividade desportiva e mais não são que o reflexo da imoralidade e da impunidade que se vive a muitos níveis neste País.
Vem isto a propósito da notícia vinda hoje a público através do DN sobre a divulgação – na Net – de um documento em segredo de justiça, concretamente um despacho da Procuradora Geral Adjunta Maria José Morgado no âmbito do processo "Apito Dourado", sobre o Senhor Pinto da Costa.
Este despacho tornado público – assim reza a notícia do DN – revela um escandaloso incumprimento do segredo de justiça. Não é preciso trabalhar no foro da justiça para se entender a vergonha a que se chegou. Segundo a notícia, face à divulgação, a Procuradoria Geral da República vai agora, pelos vistos, abrir um inquérito para averiguar o que aconteceu.
O que aconteceu? Parece ser pertinente colocar-se a seguinte questão: o que é que já foi feito para pôr cobro a este fenómeno? O que cada vez se afigura mais óbvio é a necessidade de se criarem os mecanismos que impeçam esta prática insustentável, que viola e prejudica a administração da justiça e contribui para a sua já elevada descredibilização.
Vamos então ter mais um inquérito para averiguar o que se passou. E depois? Vão continuar as violações do segredo de justiça e a abertura de mais averiguações?
Já agora convinha que oportunamente dessem conhecimento público dos resultados do dito inquérito.
Face a tudo isto, começo a ter pena do Senhor Procurador Geral da República Dr. Pinto Monteiro, ao que consta possuidor de uma honestidade profissional invejável, por ter tomado posse há tão pouco tempo e já estar a braços com uma série de "pares de brócolos".

7 comentários:

Anónimo disse...

Margarida, em matéria de segredo de justiça a violação é a regra. Os poderes judiciais há muito que abdicaram de considerar a conduta de magistrados, funcionários, advogados, partes e jornalistas que diária e impunemente divulgam, quase sempre no interesse de alguém, o que, a benefício da administração da justiça, deveria ser sigiloso.´
Só não é vergonhosa esta situação porque esta justiça não tem vergonha.
Há dias o senhor Procurador Geral da República foi ao Parlamento dizer os senhores deputados que não há nada a fazer para combater este crime. O senhor bastonário da Ordem dos Advogados de imediato o secundou.
Quando aquele a quem a lei confiou a responsabilidade maior de defender os valores que a lei penal visa proteger (o PGR) vai à AR dizer que é impotente para descobrir os criminosos (quando é certo que o circulo dos suspeitos pode ser maior ou menor, mas é fechado ao invés de muitos outros crimes), o que se espera? Não é esta uma declaração que veio estimular (se é que era necessário mais estimulo) a quem aproveita a divulgação do que deveria estar em segredo?
E depois disto alguém leva a sério a abertura de um inquérito no caso que a Margarida refere pelo PGR que confessou a absoluta inutilidade dessa diligência?
Saúdo a coragem que o PSD tem tido na insistência de manter a violação do segredo de justiça como crime apesar de todas as pressões no sentido da despenalização. É o Estado de Direito e a eficácia da justiça que mais uma vez estão em causa. Mas é também um combate para responsabilizar a justiça e os agentes da justiça, um combate contra a mais vergonhosa e hipocrita das deserções.

RuiVasco disse...

Será que o PGR já adivinhava, há dias, que isto iria acontecer? E fez aquilo que no futebol se chama "entrada de antecipação"?
E a justiceira, tão adulada por certos, está a fazer má estreia!
Apesar de longo, não resisto a trazer aqui um texto, de um professor de filosofia, de um jornal torrejano, que falo do que somos. Parte do Ensino e pode chegar a todas as àreas. À Justiça por exemplo!
Perdoem a extensão. Mas vale a pena!
..."
Imagine que é professor, que é dia de exame do 12º ano e vai ter de fazer uma vigilância. Continue a imaginar. O despertador avariou durante a noite. Ou fica preso no elevador. Ou o seu filho, já à porta do infantário, vomitou o quente, pastoso, húmido e fétido pequeno-almoço em cima da sua imaculada camisa. Teve, portanto, de faltar à vigilância. Tem falta. Ora esta coisa de um professor ficar com faltas injustificadas é complicada, por isso convém justificá-la. A questão agora é: como justificá-la? Passemos então à parte divertida. A única justificação para o facto de ficar preso no elevador, do despertador avariar ou de não poder ir para uma sala do exame com a camisa vomitada, ababalhada e malcheirosa, é um atestado médico. Qualquer pessoa com um pouco de bom senso percebe que quem precisa aqui do atestado médico será o despertador ou o elevador. Mas não. Só uma doença poderá justificar a sua ausência na sala do exame. Vai ao médico. E, a partir deste momento, a situação deixa de ser divertida para passar a ser hilariante. Chega-se ao médico com o ar mais saudável deste mundo. Enfim, com o sorriso de Jorge Gabriel misturado com o ar rosado do Gabriel Alves e a felicidade do padre Melícias. A partir deste momento mágico, gera-se um fenómeno que só pode ser explicado através de noções básicas da psicopatologia da vida quotidiana. Os mesmos que explicam uma hipnose colectiva em Felgueiras, o holocausto nazi ou o sucesso da TVI. O professor sabe que não está doente. O médico sabe que ele não está doente. O presidente do executivo sabe que ele não está doente. O director regional sabe que ele não está doente. O Ministério da Educação sabe que ele não está doente. O próprio legislador, que manda a um professor que fica preso no elevador apresentar um atestado médico, também sabe que o professor não está doente.
Ora, num país em que isto acontece, para além do despertador que não toca, do elevador parado e da camisa vomitada, é o próprio país que está doente. Um país assim, onde a mentira é legislada, só pode mesmo ser um país doente. Vamos lá ver, a mentira em si não é patológica. Até pode ser racional, útil e eficaz em certas ocasiões. O que já será patológico é o desejo que temos de sermos enganados ou a capacidade para fingirmos que a mentira é verdade. Lá nesse aspecto somos um bom exemplo do que dizia Goebbels: uma mentira várias vezes repetida transforma-se numa verdade. Já Aristóteles percebia uma coisa muito engraçada: quando vamos ao teatro, vamos com o desejo e uma predisposição para sermos enganados. Mas isso é normal. Sabemos bem, depois de termos chorado baba e ranho a ver o "ET", que este é um boneco e que temos de poupar a baba e o ranho para outras ocasiões. O problema é que em Portugal a ficção se confunde com a realidade.
Portugal é ele próprio uma produção fictícia, provavelmente mesmo desde D. Afonso Henriques, que Deus me perdoe. A começar pela política. Os nossos políticos são descaradamente mentirosos. Só que ninguém leva a mal porque já estamos habituados. Aliás, em Portugal é-se penalizado por falar verdade, mesmo que seja por boas razões, o que significa que em Portugal não há boas razões para falar verdade.
Se eu, num ambiente formal, disser a uma pessoa que tem uma nódoa na camisa, ela irá levar a mal. Fica ofendida. Se eu digo isso é para a ajudar, para que possa disfarçar a nódoa e não fazer má figura. Mas ela fica zangada comigo só porque eu vi a nódoa, sabe que eu sei que tem a nódoa e porque assumi perante ela que sei que tem a nódoa e que sei que ela sabe que eu sei. Nós, portugueses, adoramos viver enganados, iludidos e achamos normal que assim seja. Por exemplo, lemos revistas sociais e ficamos derretidos (não falo do cérebro, mas de um plano emocional) ao vermos casais felicíssimos e com vidas de sonho. Pronto, sabemos que aquilo é tudo mentira, que muitos deles divorciam-se ao fim de três meses e que outros vivem um alcoolismo disfarçado. Mas adoramos fingir que aquilo é tudo verdade. Somos pobres, mas vivemos como os alemães e os franceses. Somos ignorantes e culturalmente miseráveis, mas somos doutores e engenheiros. Fazemos malabarismos e contorcionismos financeiros, mas vamos passar férias a Fortaleza. Fazemos estádios caríssimos para dois ou três jogos em 15 dias, temos auto-estradas modernas e europeias, mas para ver passar, a seu lado, entulho, lixo, mato por limpar, eucaliptos, floresta queimada, barracões com chapas de zinco, casa horríveis e fábricas desactivadas. Portugal mente compulsivamente. Mente perante si próprio e mente perante o mundo. Claro que não é um professor que falta à vigilância de um exame por ficar preso no elevador que precisa de um atestado médico.
É Portugal que precisa, antes que comece a vomitar sobre si próprio."

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro RuiVasco,

Está perdoado! Espectacular a descrição do seu professor de filosofia. Tinha que ser longa para que não faltasse verdade!
Vivemos realmente num nevoeiro fictício porque não queremos ver as coisas como elas são.
Negamos a visão real das coisas. Não admira o estado de entorpecimento em que estamos e do qual não nos damos conta! Com a honrosa e luminosa excepção do professor de filosofia e de mais alguns portugueses, que, coitados, de tanto falarem verdade já quase ninguém acredita neles.

SC disse...

Nesta questão, deixem-me fazer uma pergunta: Quem se sentiu prejudicado com a divulgação desta peça do processo?
Pelo que percebi, ninguém.
Não percebo nada de direito mas sou cidadão.
O segredo de justiça é um direito (constitucional?) mas é também uma excepção. Deve, por isso, existir apenas quando necessário (à investigação e/ou ao "bom nome" e segurança dos interveientes no processo. Deixe-se, então que sejam estes a invocá-lo quando precisarem.
A regra é sempre a da publicidade dos actos públicos.
A peça do Rui Vasco sobre a nossa compulsão para a mentira é exemplar neste caso.
Andamos todos a falar do problema da violação do segredo de justiça quando o problema está no próprio segredo de justiça.
Se bem entendi foi isto que o Procurador foi dizer à AR.

Anónimo disse...

Ó meu caro SC, a quem aproveita a divulgação dos processos em segredo de justiça?! Pense mais um pouco e verá que não é difícil chegar lá. Neste como em qualquer outro processo mediático...
Quanto à questão em si mesma, não resisto a deixar mais estas linhas.
A obrigação de guardar sigilo não é um capricho do legislador ao contrário do que se vem pensando.Existem ponderosas razões que justificam a consagração legal do segredo de justiça. Desde a defesa de direitos de personalidade, designadamente o direito ao bom nome e à reserva da vida privada (que bem sei que andam pelas ruas da amargura nestes tempos de atracção e louvor pelo voyerismo e pela delacção...), até à defesa da eficácia da investigação. Mas o meu caro SC conhecerá bem essas razões, e não vou por isso insistir nelas.
A minha reacção ao post da Margarida Corrêa de Aguiar parte de um ponto de vista mais prosaico que é este, muito simples de entender:
Durante um determinado período as informações contidas num processo-crime são segredo. É a lei que o diz.
A violação desse segredo constitui crime. É a lei que o determina. Ora, enquanto vigorar a lei, ninguém, muito menos o PGR, pode dizer que não se cumpre ou que não há condições para a cumprir porque é muito dificil encontrar os respnsáveis.
A aceitar-se esta posição, aplicada a muitos outros tipos de crime igualmente dificieis de investigar, teríamos como resultado o mais absoluto desarmamento do Estado dos meios jurídicos para perseguir quem infringe a lei, para além de criar a convicção pública que só são leis, preceptivas e aplicadas, as que os senhores Procuradores ou os senhores Juizes entendem que são boas e justas. Não, não pode ser assim. Admitido e defendo que se combata por convicções, no sentido da alteração de leis que se considerem desalinhadas com o sistema estrutural de valores sociais.
Mas considero absolutamente intolerável que os mais altos responsáveis aleguem que não cumprem a lei por não a acharem exequível.

SC disse...

Caro Ferreira de Almeida, sabemos que esta “confusão” aproveita sempre a quem interessar a descredibilização do processo (para além da própria comunicação social). Claro que sabemos quem são! E só faz alguma coisa quem dela pensa tirar proveito. Temos alguma dúvida?
Mas a minha questão foi posta ao contrário, a questão era: quem pode ser prejudicado (neste caso) pela divulgação da peça.
Aqui parece que não foram violados os direitos de ninguém. Terão sido violados os “direitos” da própria lei. Isto não é um absurdo? Há crime sem lesados (reais ou potenciais)?
Chega-se ao ponto de a lei impor o segredo quando este não é do interesse de ninguém, em que o nome das pessoas já está publicamente “sujo”, preferindo estas que os factos conhecidos sejam públicos para acabar com as especulações. Mas a lei …!
Quando “contamos” um segredo a outro ele deixa de estar à nossa guarda. E, a menos que o “segredo” seja do interesse dessa pessoa, deixa de ser segredo. Esta é a natureza das coisas. Querer que o mundo seja diferente, temos todos esse direito. Não queiramos é depois atribuir a outros a responsabilidade de garantir que funcione. E o Procurador teve a coragem de dizer que não era capaz (só faltou dizer: quem for capaz que diga!)
Violação do segredo de justiça, pondo em causa direitos ou a segurança de pessoas (ou da investigação), ponha-se em campo todos os meios para apuramento de responsabilidades. Quanto ao resto, vamos é ao que interessa: os crimes (supostos até prova).
Com a devida vénia de quem não sabe nada de direito, pelo atrevimento!

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro SC

Obrigada pelos seus comentários que avivam a discussão do tema e sempre nos permitem mais uma reflexão adicional.
Eu também não sou especialista de direito. No meu post não tive, de facto, qualquer intenção de discutir a necessidade, ou não, do segredo de justiça. Aliás, não me atreveria a tal.
A lei que está em vigor estabelece um quadro de aplicação do segredo de justiça.
No meu post chamo a atenção para a violação da lei.
Se, porventura, não queremos o segredo de justiça – matéria que não é pacífica – então mude-se a lei.
O que não podemos continuar é a assistir à violação do segredo de justiça, como se fosse normal.
As leis são efectivamente para cumprir.
Mesmo que o incumprimento da lei não prejudicasse ninguém ou não colocasse em questão os direitos de alguém, a lei é para cumprir.