Claro que a questão que motivou a comunicação ao País por parte do senhor Presidente da República não é politicamente dispicienda. E nem o excesso na forma como quis anunciar o veto político ao novo Estatuto Politico-Administrativo da RA dos Açores num aspecto onde o Tribunal Constitucional não viu desconformidade com a Lei Fundamental, lhe retira importância. Trata-se, afinal, da delicada questão dos poderes dos órgãos de soberania, que não podem ver-se diminuidos no entender presidencial (mesmo que em pequena escala, como é o caso) a pretexto da revisão de uma lei infra-constitucional, como é o Estatuto.
O Presidente falou alto para o país político ouvir. O País político ouviu, e agirá venerando e obrigado, encontrando com facilidade o consenso parlamentar que além de expurgar as inconstitucionalidades em que a Assembleia da República unanimemente decaiu, evite o conflito institucional com a presidência da República.
O assunto objecto da comunicação urbi et orbe do Presidente vai exaurir-se, pois, em breve. Iniciada nova sessão parlamentar, apressar-se-ão os deputados a reconhecer que com este Presidente da República não vale a pena ensaiar qualquer tentativa de redução, ainda que simbólica, do estatuto presidencial. E tratarão, sem grande discussão, de regressar à fórmula em vigor. Finito.
Mas para mim o significado político mais relevante desta inesperada intervenção presidencial, não é, manifestamente, o que atrás anotei.
Foi enorme a expectativa com que durante todo o dia os portugueses aguardaram que o Presidente lhes falasse. Estou em crer que tendo falado o Presidente, a larguíssima maioria achou que foi um mero rato o que saiu do ventre da montanha. Encolheu os ombros à preocupação do Presidente que está longe de ser a preocupação das famílias, e voltou-se para a telenovela. E, no entanto, a expectativa tensa que hoje se sentiu por todo o País, significa que os portugueses acham que o Presidente da República tem razões para falar áqueles que representa. E que todos desejam, intensamente, ouvi-lo.
Isto sim, é politicamente muito significativo.
4 comentários:
Caro JMFA,
O que é significativo é que o Cavaco continua sem entender o que é ser presidente da república. O país político não é nada, não é esse que lhe paga o ordenado, não foi esse que o elegeu e, certamente, não foi esse que perdeu tempo a ouvir uma declaração que poderia ser feita em qualquer outra altura e sem recorrer a um instrumento que não deve ser banalizado da forma que foi. É por coisas destas que as pessoas são multadas nos comboios - não se deve brincar com os alarmes.
Num país desgraçado pela má governação, com cada vez maior número de pobres, com o agravamento das desigualdades sociais, com a grande maioria dos portugueses em grandes dificuldades para pagar as contas da EDP, PT, Gás, casa, carro, filhos, comida, (enquanto os lucros da EDP somam 600%) vir o presidente falar da "dissolução da Assembleia dos Açores" torna-se caricato, mais ainda pelo dramatismo e expectativas que criou.
Se alguns portugueses já sentiam algum desconforto pelo "desamparo" do presidente às suas dificuldades diárias, ver agora Cavaco Silva, colocar como questão primeira e fundamental do País o "estatuto dos Açores", torna-se seguramente mais visível ainda, não estar o presidente minimamente interessado ou preocupado com as reais dificuldades dos seus compatriotas.
"� por coisas destas que as pessoas s�o multadas nos comboios - n�o se deve brincar com os alarmes."
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Excelente imagem...
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Mas, t�o ou mais importante, � perceber que muita gente quer, sente que � preciso, espera, deseja, que o presidente puxe o sinal de alarme.
Caro Ferreira de Almeida,
Não pretendo desencorajá-lo da fantasia, mas parece-me que os portugueses ficaram presos ao que o senhor Presidente teria para dizer por duas razões de ordem muito simples.
Primeiro, pela forma como os seus assessores alimentaram o secretismo do conteúdo da comunicação.
Segundo, e decorrendo do anterior, porque esperavam ouvir nada menos que algo de bombástico como uma demissão do Governo ou a resignação do próprio Presidente.
Em qualquer dos casos, decorreria isso, simplesmente, ou da propriedade dos poderes presidenciais ou de um direito de reserva pessoal alimentado por alguns boatos, e não da pessoa do senhor - por mais estimável que seja - ou de um ternurento “desejo intenso dos portugueses em ouvi-lo”.
Qualquer segunda ou terceira figura com poderes institucionais para tomar uma possível decisão de dramatismo mediático, e tendo anunciado que iria comunicar algo ao país sem dizer o quê, teria tido a mesma atenção.
Foi precisamente a esse papel que o senhor Presidente se sujeitou.
Cumprimentos
Dylan T.
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