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domingo, 6 de março de 2011

Barrabás



Criei-me aprendendo e ouvindo de tudo, inclusive as diferentes formas de ofender. Os meus amigos quando se chateavam diziam: - És um judeu! Outras: - És pior do que Judas. Os mais velhos advertiam-me de que iriam fazer queixas aos meus pais se continuasse a fazer judiarias. Outros chamavam-me: - És um safardana! Às vezes diziam: - Safardana de uma figa! Comecei a aprender que chamar safardana tinha a ver com os judeus da Península Ibérica, os sefarditas, mas nunca percebi o reforço “de uma figa”. É fácil de concluir que, na altura, os miúdos eram educados a “odiar” os judeus, porque, segundo a tradição católica, eles tinham sido os responsáveis pela morte de Cristo. E eu, claro, não gostava de judeus. Um dia ouvi uma conversa que me perturbou muito. Fiquei a saber que um bisavô meu, da parte da minha mãe, era descendente de judeus. Fiquei assustado. Lembro-me de ter estado sentado no muro do cais da estação, a olhar para o Correio, do outro lado da rua, a meditar no assunto. E agora? Se os meus amigos souberem que sou descendente de judeus estou tramado. Ao fim de algum tempo, dirigi-me ao gabinete do meu pai e perguntei-lhe se eu também fazia parte do povo que tinha morto Cristo. Olhou-me e perguntou a razão da pergunta. Expliquei-lhe. Sorriu e disse-me que os judeus não mataram Cristo. Fiquei mais tranquilo. Com o tempo acabei por saber muitas coisas que os cristãos fizeram aos judeus. Não gostei. Também aprendi, rapidamente, o que sofreram ao longo dos séculos, mesmo nos anos mais recentes.
Passado tanto tempo, o papa vem dizer que os judeus não mataram Cristo. Só agora? Tantos séculos e muitos mais papas para chegar a esta conclusão? Estranho! Não consigo compreender. Diz o papa que os responsáveis foram o “grupo dos acusadores dos círculos contemporâneos do templo e a massa que apoiava Barrabás". Barrabás? Agora o culpado é ele? É fácil atribuir culpas a outros.
Recordo que no início dos anos sessenta vi o filme Barrabás. Deveria ter onze anos. De vez em quando ia passar uns dias de férias a casa de um tio em Lisboa. Como na minha terra não havia cinema, assim que chegava à grande cidade não fazia outra coisa. Tirava a barriga de misérias. Numa tarde fui ao Coliseu. Gostei imenso do filme, sobretudo da interpretação de Anthony Quinn, cujo nome nunca mais esqueci. Simpatizei com o personagem, mas fiquei triste por o terem escolhido em vez de Cristo naquela cena liderada por Pôncio Pilatos. Apesar das atribulações, Barrabás acabou por evidenciar comportamento cristão, mas não conseguiu evitar ser crucificado. Estava destinado a sofrer a mesma punição. Acaba, mais de dois mil anos depois, por ser “responsabilizado” pela morte de Cristo. Tal “culpabilização” leva-me a perguntar: - Se Cristo não tivesse sido crucificado o que é que lhe teria acontecido? Viveria mais, e acabaria por morrer de morte natural ou violenta, nunca se sabe, mas, provavelmente, não teria o mesmo impacto e, às tantas, não originaria o aparecimento da nova religião com o formato que todos conhecemos e nem haveria papas. Barrabás contribuiu para a emergência de uma nova religião, mas não terá tido a intuição de que deveria fazer parte de um qualquer “desígnio”. Terá sido por isso que, no filme, lhe tivessem posto na boca, no último momento, a frase: “escuridão, entrego-te à tua guarda”?

1 comentário:

Suzana Toscano disse...

Não sabia que Barrabás tinha acabado por também ser crucificado. O meu avô contava-nos que Barrabás era um zelota, um grupo de resistência ao domínio dos romanos, por isso era muito popular. Herodes sabia disso e quando deu a escolher entre ele e Jesus sabia que o povo ia pedir a libertação de Barrabás,convencido de que seria ele quem os ia libertar do jugo romano. Para Herodes,Jesus era um subversivo, muito mais perigoso do que os zelotas porque não lutava com armas mas com ideias de justiça e amor entre os Homens. Se não tivesse morrido...Não quiseram correr o risco.