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segunda-feira, 7 de março de 2011

Cai o pano e surgem os telhados de vidro

O director da prestigiada London School of Economics (LSE), Howard Davies, que dirigia a instituição desde 2003, demitiu-se na sequência da “revelação” dos financiamentos vultuosos que a escola vinha recebendo do governo líbio, tudo apimentado com o conhecimento público de que um dos filhos de Khadafi teria aí obtido um conveniente doutoramento sobre “O Papel da Sociedade Civil na democratização das Instituições Globais de Governação”. Segundo a notícia do Público, durante dois anos – o título académico foi obtido em 2008 – ninguém duvidou da capacidade intelectual e de investigação do aluno, bem como do seu genuíno interesse científico pelo tema, e certamente o orientador da tese e o júri que o aprovou também não tiveram quaisquer indícios de plágio, de que agora se suspeita. A LSE tinha também celebrado um contrato de 2,2 milhões de libras para formação de funcionários líbios, além de receber 1,5 milhões como donativo da, imagine-se, Fundação Khadafi para a Caridade e o Desenvolvimento, com o objectivo altruísta de se fazer um programa específico para os alunos do Norte de África.
Tudo isto nos parece hoje absurdo, como é possível que um cidadão respeitável, que foi vice-governador do Banco de Inglaterra e presidente da entidade reguladora do sector financeiro, não tenha defendido a escola de grande prestígio internacional destes financiamentos mais que duvidosos, não se tenha oposto, indignado, às contrapartidas que certamente teriam que ter? Como é que ele, e todos os que ponderaram a proposta, não viram o “erro tremendo” de que agora se punem? Pois é caso para todos reflectirmos muito bem, não basta apontar o dedo e ficar a ver rolar cabeças, quantas e quantas instituições entregues ao “mecenato”, à necessidade de procurar financiamentos para manterem o seu corpo docente e o seu prestígio, quantas tiveram que aceitar o dinheiro de onde ele podia vir sem demoras? Será que a LSI poderia, na altura, ter recusado soberbamente os milhões de um politico “regenerado” e recebido como soberano em todos os palcos da política internacional? E, se o fizesse, não teria visto florescer outras instituições menos relutantes a renunciar aos seus pergaminhos, enquanto ela definharia no meio dos seus valores ignorados por uma sociedade que só fala do sucesso sem ver a que preço ele chega? Quem financia procura rendimento, o problema é que nem sempre as insituições podem dar-se ao luxo de negociar e limitam-se a aceitar disfarces piedosos do que não é mais do que uma vergonhosa alienação do que deviam defender. Pois é. Receio que muitas outras supresas nos venham ainda confrontar com muitos outros casos que floresceram nesta selva em que fomos vivendo, alienando valores a troco de um prato de lentilhas, afinal o preço da sobrevivência do que se queria preservar, e que assim se desbaratou. A terrível dúvida é: quantos dos que recusaram, estes e outros mecenas, sobreviveram? Ai, ai, vamos ver muitos telhados de vidro...

10 comentários:

Anónimo disse...

Cara Suzana, uma das acusações que faziam recorrentemente a Madre Teresa de Calcutá era aceitar donativos provenientes de gente de reputação incerta para as suas obras de caridade. Ela era pragmática. Dinheiro é dinheiro e é necessário para fazer o bem não importando lá quem o dá ou donde vem. Estou de acordo com a filosofia seguida pela Madre.

A proveniencia do dinheiro é coisa para as polícias, os bancos e os governos se preocuparem e, se acharem aplicavel, perseguirem criminalmente quem o obteve. Não é assunto para quem aceita os donativos.

Quantos dos que agora apontam o dedo não foram alunos dessa mesma escola e beneficiaram do prestígio que este obteve à conta dos donativos a que agora chamam "de origem duvidosa"?

Adriano Volframista disse...

Cara Suzana Toscano

Os romanos tiham uma expressão para isso:
"Sic transit gloria mundi"
O Director da LSE tomou a atitude politicamente correcta.
Desculpe mas, ninguêm, mesmo ninguêm, pôs em causa a tese de doutoramento do filho de Gadhaffi.
O facto de ser filho de quem é não impede de poder ter as qualificações para um doutoramento.
Cópias, pelo menos por agora, só na Alemanha
Cumprimentos
joão

Bmonteiro disse...

«como é possível»
Tudo é possível,
do "milagre das rosas" de antigamente, aos "robalos" de hoje.
Da Líbia, foram super robalos.
Em breve e uma vez reposta a calma, será retomado o fornecimento de material de guerra.
A bem da economia.

Anónimo disse...

Compreendo e concordo com o ponto de vista de Zuricher.
A questão abordada pela Suzana não terá a ver tanto com a proveniência do dinheiro, mas o que este pagou.
Mais claramente. Se Howard Davies se demitiu porque a instituição que dirigia aceitou doações e financiamento de Kadhafi ou da sua família, acho um disparate o gesto. Se a demissão foi causada por um rebate de consciência, isto é, esse dinheiro serviu para pagar o doutoramento do Kadhafi filho, então acho a demissão uma fuga.

Tonibler disse...

E que outras "doações" estranhas terá recebido? Que credibilidade têm os doutoramentos na LSE, como aquele que alguns presidentes da república dos estados do Sul apresentam?


Ia lá perder uma oportunidade destas!....:)

José Soromenho-Ramos disse...

Um assunto sempre oportuno, iluminar estas relações obscuras já descritas no documentário "Inside Job".

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Quantas das melhores escolas europeias e americanas não aceitam filhos de ditadores de todo o mundo para aí estudarem? Provavelmente nenhuma.
Será ou não legítimo e politicamente desejável que esses jovens frequentem essas escolas de grande prestígio? Que impacto estas escolas podem ter na formação desses jovens, muitos deles na linha de sucessão, dos pais ditadores?
E quantas dessas prestigiadas escolas não fazem assessoria aos governos dessas ditaduras nos mais diversos domínios, onde não falta a economia e as finanças? E até que ponto esta assessoria é importante para o aprofundamento das relações internacionais, por exemplo, relações comerciais entre essas ditaduras e o mundo ocidental?
A demissão do director da London School of Economics (LSE) não terá mais que ver com o suposto plágio da tese de doutoramento de Saif Khadafi? Uma escola tão prestigiada não pode deixar de ser penalizada com este acontecimento. Seja quem for o autor, um caso destes é inadmissível, não poderia ter acontecido.
Mas se juntarmos ao plágio de Saif as "doações" feitas pelo regime de Khadafi à LSE, o caso torna-se, com efeito, explosivo!

Suzana Toscano disse...

Caro zuricher, a questão não é a da proveniência do dinheiro,a Madre Teresa de calcutá fazia muito bem em aceitar o que lhe chegasse porque certamente lhe dava um destino justo. O problema está quando o dinheiro serve para capturar instituições que deviam ser uma referência, escolas de formação superior, por exemplo, e esse dinheiro não serve para as manter e desenvolver mas para as deteriorar. Se receebram dinheiro líbio, ou outro qualquer, e o usaram para se manterem livres e competentes, muito bem, mas então porque é que o director se demitiu por "erros imperdoáveis?" Não há almoços grátis, quando as instituições têm que procurar financiamentos a todo o custo, alguma coisa é sacrificada, vale a pena esse preço?
caro João, o que li falava em plágio, por isso citei, mas se não houve problema nenhum, repito, então porque motivo o escândalo?
Caro tonibler, felizmente ainda têm muita credibilidade mesmo, embora por este caminho o seu julgamento arrasador possa vir a ser premonitório. Mas agurade a aoportunidade certa, esta foi um bocado forçada ;)
Caro cagedalbatross,precisamente, também me lembrei desse filme e do que aí mostram sobre o preço dos financiamentos, dos subsídios, dos apoios, a falta de transparência e a subserviência que deram tantas teses e tantos relatórios "isentos" ao mundo.
Margarida, aceitam, claro, e não vejo mal nenhum nisso desde que não aviltem os seus critérios e não passem a ser mercadores de títulos. Todas as suas considerações teriam também sido feitas por este director e por muitos outros responsáveis que têm que decidir entre aceitar financiamentos que lhes poderão coartar a sua independência ou o definhamento das insituições por falta de capacidade financeira para a enfrentar a concorrência dos que têm menos escrúpulos e usam o dinheiro para comprar o prestígio que só os resultados deveriam dar.
A questão é essa que diz, quando se vai ver a factura que se pagou teremos o direito de ficar escandalizados? Eu acho que temos o direito de ficar muito preocupados, mas não há como fugir à realidade, a menos que se mudem as referências.

Adriano Volframista disse...

Cara Suzana Toscano
O problema reside na origem dos fundos. Até a Nelly Furtado devolveu o cachet ganho em 2007 (ou 2008) por actuar na Líbia.
Para a ética anglo saxónica o dinheiro não pode estar "tainted" isto é, tem estar acima de qualquer suspeita.
Veja o que se está a passar com o Príncepe André: para além dos foclores sexuais, existem dois assuntos complicados: o preço de venda da sua casa (aparentemente 3 milhões acima do mercado, acrescido que o magnate do leste que o comprou nem sequer habita e o palácio encontra-se ao abandono) e as despesas extra que faz no seu cargo oficial.
Hoje, Gadafhi tornou-se uma "imparidade" política; há trinta anos atrás a oferta dos diamantes de Bokassa ao então Presidente Françês não fazia a mossa que, contribuições regulares de regimes em queda livre, o fazem.
Na Europa em que desejamos entrar este tipo de coisas conta...curioso não é? Aqui nem a clara incompetência dos serviços de apuramento eleitoral dão origem a uma, normal, demissão do ministro...
Como sabe, os robalos estão de moda em Portugal e, como disse um antigo presidente da republica, os presentes não podemos recusá-los é má educação....
Cumprimentos
joão

Suzana Toscano disse...

Tem toda a razão, caro João, estas coisas deviam mesmo contar, mas a ética tem dado cada trambolhão que é quase injusto de repente lembrarem-se dela, sobretudo quando a fonte já secou e agora pode-se dizer mal à vontade (veremos!).Mas pode ser que tudo isto nos sirva de emenda e se volte a recusar por princípios, e se valorize essa recusa como um sinal de esperança.