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quinta-feira, 10 de março de 2011

Discurso presidencial - masoquismo governamental?

1.Entre as reacções governamentais e de opinadores afins, de cavada insatisfação, ao já ultra-comentado discurso de posse do Presidente da República, merece realce a queixa pelo facto de o Presidente não se ter referido à “situação internacional” – pretendendo com isto significar que essa referência teria amenizado a dureza das críticas ínsitas no discurso.
2.Parece-me que está aqui uma prova – mais uma prova aliás – da falta de realismo que os responsáveis governamentais têm exibido com crescente intensidade à medida que o tempo vai passando e os cenários-rosa que se habituaram a alimentar vão caindo, uns atrás dos outros, sob a influência nefasta dos ventos gelados que sopram dos mercados financeiros...
3.Com efeito, a referência à situação internacional, nesta altura dos acontecimentos, só poderia agravar, em vez de amenizar, a dimensão da crítica, ao contrário do que pretendem os responsáveis governamentais...
4.Não nos podemos esquecer do facto de, em 2010 em especial, o desempenho da economia portuguesa ter beneficiado significativamente do crescimento dos principais mercados de destino das nossas exportações: Alemanha (+16,4%), Espanha (+13,1%), França (+9,9%), Reino Unido (+10,7%), Holanda (+22,1%), Itália (+15,9%), EUA (+31,7%).
5.Os números indicados entre () referem-se ao crescimento das exportações de mercadorias portuguesas, em 2010, para cada um daqueles mercados, as quais contribuiram, de forma decisiva, para manter o PIB a flutuar...
6.E o próprio Governo ainda recentemente se ufanou, até à saciedade como é sabido, deste crescimento das exportações - como se lhe devesse o mérito desse desempenho, quando na verdade esse desempenho se ficou a dever (i) à recuperação das economias externas que são nossas parceiras comerciais e (ii) ao esforço das empresas nacionais para se manterem competitivas.
7.Será que o Governo já se esqueceu desse sucesso com as exportações, de forma tão entusiástica celebrado por exemplo no Congresso das Exportações há pouco mais de 15 dias? E terá o Governo a ousadia de admitir que tal sucesso teria sido possível sem a ajuda da “situação internacional”?
8. É curioso como se vão alterando as opiniões (não digo convicções pois convicções parece só existir a de fugir à realidade...) tal como o camaleão muda de cor à medida que vai mudando a sua base de apoio...
9.Neste caso, ao lamentar que o Presidente tivesse esquecido a situação internacional, o Governo evidencia até uma ponta de masoquismo, pois o Presidente poderia ter concluído o seu discurso nos seguintes termos: “E tudo isto apesar da ajuda que recebemos da situação internacional em 2010 e que continuamos a receber ...bem pior seria a nossa situação sem essa ajuda...”.

6 comentários:

Bmonteiro disse...

«não se ter referido à “situação internacional”»
Nada como arranjar um bode expiatório para as nossas insuficiências.
É da psicologia/lei das compensações.
O que apenas denota a 'maturidade' ou a 'responsabilidade' destes artistas.
Não tivessem sido os mercados, teríamos agora 100 mil cheques bebés de incentivo à economia das famílias.
Ponto 9: de antologia.
Vale, que ainda temos o Mendonça: fechamos o Intercidades para Beja mas pomos lá um Airport.

Anónimo disse...

Caro Tavares Moreira,

Na minha opinião o mal de toda esta discussão (talvez o maior problema com que Portugal se confronta) é que a política nacional contém uma gente nova com a qual não se pode sequer argumentar como aqui está a fazer, tal o nível a que está a chegar o "debate". É quase como debater os direitos humanos com o senhor da Líbia. Não é com estes que nós vamos lá e com eles nunca iremos a lado nenhum. E não estou a colocar a esquerda de um lado e a direita do outro, até porque o PCP actua de modo civilizado no seu quadrante, podendo-se apenas discordar ou não. Dou por certo que se a televisão passasse hoje os debates na AR dos anos 80, muita gente ficaria chocada com o caminho que tomámos.

Tavares Moreira disse...

Caro BMonteiro,

Em matéria de retórica da desculpabilização, como bem sabe, a panóplia de instrumentos é vasta: neste caso é a "siuação internacional", mas tb há (i) a "crise do Euro" (com o Euro em reforço nos mercados internacionais),(ii) a "crise sistémica da Europa" (expressão enigmática, mas repetidamente utilizada pelo PM, por exemplo), (iii) a "inacaeitável demora da Europa em encontrar soluções para a crise" (expressão do Presidente da AR, como se a Europa tivesse de curar dos seus filhotes mais indisciplinados como prendadas criaturas dignas de todo o enlevo e consolo), (iv) a "afronta das agências de rating" (esta deverá ser retomada em breve), etc, etc.
Uma lista interminável de bodes expiatórios, cuja função é ocultar a verdadeira e fundamental causa das dificuldades que enfrentamos: a incompetência e o equívoco sistemático das opções de política económica, que persistem cheios de saúde!

Caro Flash Gordo,

Talvez tenha razão, por isso é que o "beco" não terá mesmo saída...quando não existe um entendimento mínimo dos problemas, será possível resolve-los?
Recordo, num instante, aquando de uma intervenção que fiz na AR em 2003/2004, chamando a atenção para a insustentabilidade dos desequilíbrios que a economia portuguesa evidenciava - e eu estava sentado na bancada da então maioria - ser interrompido por um àparte de um ilustre deputado, hoje luzido e loquaz membro do Governo, nestes termos "Isto é um discurso do passado!"
Quer melhor?

Adriano Volframista disse...

Caro Tavares Moreira
Escolher racionalmente é um acto adulto algo que, em Portugal, temos o hábito de esqueçer.
Apresentar uma solução como inevitável é iludir a auto determinação do acto e, essencialmente, eliminar a responsabilidade. (Normalmente, não permite as escolhas mais acertadas e, certamente, não consegue obter uma adesão consensual alargada. Apenas tem por efeito servir de justificação para a acção).
Estas duas ilacções, podem ser retiradas do discurso de posse do PR.
Em direito existem duas figuras interessantes: "a gestão de negócios" e "estado de necessidade".
(Vou poupar-lhe a definição).
Após ouvir, ler e reler o discurso do PR restam-me duas interrogações:
a) Face à situação em que nos encontramos e na ausência dos responsáveis, estão reuniadas as condições para recorrermos à gestão de negócios?
b) A situação é tão grave e a inacção tão grande que o estado de necessidade pode ser invocado?
Como vê, infelizmente, estamos em face de acções movidas pela inevitabilidade...
Neste contexto, invocar a situação internacional é, no meio de uma tempestade, culpar a temperatura ambiente pela força do vento.
Cumprimentos
joão

Suzana Toscano disse...

Muito bem, caro João, é exatamente por isso que a situação internacional foi considerada em falta...

Tavares Moreira disse...

Caro João,

Na altura em que escrevo estas breves linhas, parece que mais do que nunca estarão criadas as condições para recorrermos à gestão de negócios...em versão altamente atribulada, é certo!