Considerá-la como uma mulher bela seria um exagero, logo, porque o nariz, pequeno e ligeiramente arrebitado, chama de imediato a atenção, e como o raio do apêndice é uma peça central na definição da beleza, tive de a passar para a categoria de interessante.
Olhando para a sua estrutura reparo que mantém, com toda a certeza, um velho hábito: pavonear feminilidade. Curvas um pouco alteradas por gorduras meio demenciadas, que já não sabem encontrar o lugar devido, coisas da idade a que, também, não são alheias.
O cabelo, curto, bem cuidado, e tingido de amarelo, contrasta com a face redonda e morena, a querer manter, teimosamente, traços de adolescente.
Veste bem, com elegância, sem exageros, o suficiente para realçar formas e gestos meio teatralizados. Inteligente, e determinada, sabe, como ninguém, combinar estes atributos com a forma de se exprimir, fácil, mas um pouco intimidatória, talvez devido à sua formação e prática profissional. Portadora de uma voz suave e forte, mas não demasiado alta, não consegue esconder ânsia de confronto e fome de argumentar.
Conheço-a há algum tempo, do tempo em que as formas eram mais puras, mais próximas da idade de ouro. Nessa altura, não me foi difícil ver que se tratava de uma senhora um pouco complicada. Reparei que estava perante alguém permanentemente atenta a tudo o que dizia, fazia ou comentava com o objetivo de rebater e contra-argumentar, uma necessidade fisiológica que poderia ser bastante inconveniente na relação médico-doente. Confesso que, sempre que a via, não me sentia seguro, nem confortável, coisas que o seu aspeto e elegância não conseguiam minimizar.
Deixei de a ver, no consultório, o que me aliviou e entristeceu, mas à distância conseguia vê-la com muita facilidade. Com o tempo, reparei num alargamento do seu tronco, o qual atribuí a fenómenos fisiológicos próprios da idade. Agora, mais elegante, voltou e contou-me toda a história clínica, périplos laboratorial e imagiológicos muito sofisticados. Não consegue que os médicos lhe digam quais as razões do seu problema, afirmando que alguns, muito considerados, nunca observaram nada semelhante. Ao dizer isso, ainda tive vontade de lhe dizer que o seu caso seria muito apropriado a um milagre. Mas ai de mim se tivesse dito algo nesse sentido. Mantive toda a serenidade possível, sempre à custa de uma entropia negativa, que sentia estar a esgotar as minhas pobres reservas mentais. Mantive o diálogo por baixo, dando-lhe todo o palco, limitando-me ao essencial. Tenho a certeza de que não estaria à espera da minha reação. Nunca foi inconveniente, sempre educada, mas com os olhos abertos e ouvidos atentos para qualquer comentário que pudesse produzir. Numa semana vi a senhora duas vezes, por motivos distintos. No entanto, voltou ao tema e desafiou-me: - Sabe, eu vou descobrir o que me aconteceu. Não acredita? Pois pode ter a certeza de que vou. Foi então que deixou escapar uma frase que eu aproveitei logo para comentar. - Acha que houve alguém que lhe fez mal? Não respondeu. Quanto às técnicas que queria utilizar, disse-lhe que, passado todo este tempo, era impossível. Entendi, tarde demais, que não lhe devia ter dito nada, porque passou a ditar as regras do jogo e eu, para me defender, tive de ripostar que, face à ausência de todos os elementos do seu historial, não podia sugerir rigorosamente nada. Compreendeu, ou fingiu que compreendeu, porque ao sair reafirmou, em tom de desafio, que iria descobrir o que é que lhe tinha acontecido, apesar de todos os exames serem negativos. Não disse uma única palavra, porque estava a escrever qualquer coisa. Interrompi a tarefa e vi-a no corredor, a fechar a porta. Foi então que reparei no seu olhar apontado na minha direção. Que olhar mais estranho! Um olhar enigmático. Estaria à espera que alimentasse a sua determinação? Não sei, mas confesso que me perturbou...
Olhando para a sua estrutura reparo que mantém, com toda a certeza, um velho hábito: pavonear feminilidade. Curvas um pouco alteradas por gorduras meio demenciadas, que já não sabem encontrar o lugar devido, coisas da idade a que, também, não são alheias.
O cabelo, curto, bem cuidado, e tingido de amarelo, contrasta com a face redonda e morena, a querer manter, teimosamente, traços de adolescente.
Veste bem, com elegância, sem exageros, o suficiente para realçar formas e gestos meio teatralizados. Inteligente, e determinada, sabe, como ninguém, combinar estes atributos com a forma de se exprimir, fácil, mas um pouco intimidatória, talvez devido à sua formação e prática profissional. Portadora de uma voz suave e forte, mas não demasiado alta, não consegue esconder ânsia de confronto e fome de argumentar.
Conheço-a há algum tempo, do tempo em que as formas eram mais puras, mais próximas da idade de ouro. Nessa altura, não me foi difícil ver que se tratava de uma senhora um pouco complicada. Reparei que estava perante alguém permanentemente atenta a tudo o que dizia, fazia ou comentava com o objetivo de rebater e contra-argumentar, uma necessidade fisiológica que poderia ser bastante inconveniente na relação médico-doente. Confesso que, sempre que a via, não me sentia seguro, nem confortável, coisas que o seu aspeto e elegância não conseguiam minimizar.
Deixei de a ver, no consultório, o que me aliviou e entristeceu, mas à distância conseguia vê-la com muita facilidade. Com o tempo, reparei num alargamento do seu tronco, o qual atribuí a fenómenos fisiológicos próprios da idade. Agora, mais elegante, voltou e contou-me toda a história clínica, périplos laboratorial e imagiológicos muito sofisticados. Não consegue que os médicos lhe digam quais as razões do seu problema, afirmando que alguns, muito considerados, nunca observaram nada semelhante. Ao dizer isso, ainda tive vontade de lhe dizer que o seu caso seria muito apropriado a um milagre. Mas ai de mim se tivesse dito algo nesse sentido. Mantive toda a serenidade possível, sempre à custa de uma entropia negativa, que sentia estar a esgotar as minhas pobres reservas mentais. Mantive o diálogo por baixo, dando-lhe todo o palco, limitando-me ao essencial. Tenho a certeza de que não estaria à espera da minha reação. Nunca foi inconveniente, sempre educada, mas com os olhos abertos e ouvidos atentos para qualquer comentário que pudesse produzir. Numa semana vi a senhora duas vezes, por motivos distintos. No entanto, voltou ao tema e desafiou-me: - Sabe, eu vou descobrir o que me aconteceu. Não acredita? Pois pode ter a certeza de que vou. Foi então que deixou escapar uma frase que eu aproveitei logo para comentar. - Acha que houve alguém que lhe fez mal? Não respondeu. Quanto às técnicas que queria utilizar, disse-lhe que, passado todo este tempo, era impossível. Entendi, tarde demais, que não lhe devia ter dito nada, porque passou a ditar as regras do jogo e eu, para me defender, tive de ripostar que, face à ausência de todos os elementos do seu historial, não podia sugerir rigorosamente nada. Compreendeu, ou fingiu que compreendeu, porque ao sair reafirmou, em tom de desafio, que iria descobrir o que é que lhe tinha acontecido, apesar de todos os exames serem negativos. Não disse uma única palavra, porque estava a escrever qualquer coisa. Interrompi a tarefa e vi-a no corredor, a fechar a porta. Foi então que reparei no seu olhar apontado na minha direção. Que olhar mais estranho! Um olhar enigmático. Estaria à espera que alimentasse a sua determinação? Não sei, mas confesso que me perturbou...
2 comentários:
Ha quem produza inconscientemente, uma forma de olha perturbante.
Desde os bancos de escola, notei que osprofessores, quando se dirigiam à classe,explicando a matéria, focalizavem em mim o olhar. Era muito criança e aquela atenção, causava-me incómodo. Acontecia inclusivamente, algum outro colega dizer uma graça e se eu olhasse, era a mim que o professor chamava a atenção.
Este "fenómeno" nunca deixou de suceder comigo e nunca consegui entendê-lo, nem deixar de pensar no porquê de ele suceder sistemáticamente. Por volta dos 14 anos, comecei a interessar-me por tudo o que fosse publicado acerca de ovnis e de experiências transcendentais. Por essa altura, convenci-me que conseguia antecipar os movimentos das pessoas em quem concentrava a minha atenção e olhar. Passado algum tempo, achei que, concentrando-me, conseguia influênciar esses movimentos. Passei então a divertir-me com esses exercícios, sempre que estava num café, num jardim, etc. Passado pouco tempo, depois de uma reflexão profunda, acerca desta atitude, zanguei-me comigo mesmo, pois achei que não tinha o direito de intreferir na vontade das pessoas, para além de que estas brincadeiras não acrescentavam nada de útil á minha vida e ainda, que se tudo não passasse de uma coincidência, estaria a entrar em campos que não dominava e desconhecia o efeito que poderiam resultar.
Deixei-me portanto dessas brincadeiras, no entanto, é-me muitas vezes inevitável, conhecer antecipadamente o pensamento das pessoas. E, neste caso, nada tem a ver com ouvir vozes, ou algo do género. Simplesmente penso; olha vai fazer assim, ou assado.
Ha poucos anos, sucedeu algo de muito estranho. Asistia numa igreja à actuação de um grupo coral e, em determinada altura, durante uma intrepretação, uma das senhoras do grupo, destacou-se e interpretou a solo um trecho do tema. A senhor, era dona de uma vós divinal e o tema melodioso, cativaram a minha atenção. Sem mais nem porquê, a senhora olha na minha direcção e, quando os nossos olhares se encontram, ela simplesmente para de cantar.
O maestro fica surpreendido, a senhora desorientada e nervosa. Pararam a actuação, fizeram um intervalo, recolheram à sacristia e quando regressaram, a senhora não fazia já parte do grupo.
Confesso que foi uma cena que me impressionou e que passou completamente ao lado da minha compreensão, mas que me deixou tremendamente triste.
O poder de um olhar... : )
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