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sexta-feira, 25 de março de 2011

Os enormes equívocos e os riscos da questão "resgate finaceiro"

1.Desde meados de 2010 em especial, o BCE acorreu em auxílio financeiro do nosso País por duas vias: (i) financiamento directo aos bancos nacionais, mediante a concessão de vários tipos de facilidades de crédito a taxa de juro fixa de 1%; (ii) financiamento indirecto à República mediante a aquisição, em mercado secundário, de títulos de dívida emitidos pela República, em montantes suficientes para permitirem que a mesma República pudesse continuar a financiar-se no mercado a taxas suportáveis (a curto prazo pelo menos).
2.Os valores atingidos por estes apoios são do domínio público: até data recente, o crédito concedido pelo BCE aos bancos era de cerca de € 42 mil milhões, o montante de títulos da República detidos serão alguns milhares de milhões de Euros, no conjunto teremos certamente mais de € 50 mil milhões.
3.No caso dos bancos, o BCE passou a ser, a partir de meados de 2010, a sua principal fonte de financiamento, substituindo os instrumentos de mercado que se foram vencendo e que não foi possível já renovar. Esta situação persiste, segundo tem sido noticiado, uma vez que os mercados monetário e de capitais continuam nada ou quase nada disponíveis para financiar o sistema bancário português.
4.Na ausência deste resgate financeiro do BCE, a nossa situação financeira, económica e de finanças públicas seria catastrófica, impossível de sustentar socialmente tal a dimensão da crise...
5.Neste cenário nu e cru de resgate financeiro pelo BCE, insistir hoje em dia na ideia de que podemos e devemos evitar um resgate financeiro (com receio da condicionalidade associada a tal resgate) como tem sido persistentemente afirmado sobretudo da parte de responsáveis governamentais, constitui uma negação infantil da realidade em que vivemos e coloca-nos numa situação de altíssimo risco com consequências que podem ser bem mais penosas do que o necessário.
6.Expliquemo-nos.
7.Com efeito, a situação de resgate “informal” pelo BCE, acima sucintamente descrita, comporta riscos consideráveis uma vez que não dispomos de quaisquer garantias de que o BCE venha a manter este tipo de apoios por tempo suficiente até que a nossa situação financeira em relação ao mercado exterior possa ser normalizada.
8.Ainda menos garantias temos de que o BCE se mostrará disponível, caso seja indispensável, a alargar estes apoios nos mesmos termos que até aqui – a menos que o País negoceie com as autoridades europeias um programa de saneamento das finanças públicas e de reformas da sua economia que dê inequívocas garantias de que a prazo não muito longo os apoios do BCE possam ser substituídos por financiamento de mercado.
9.Acontece no entanto que esta forma de viver em situação de resgate financeiro semi-formal - em que estamos mas fazemos de conta que não estamos resgatados - do ponto de vista da condicionalidade que nos é exigida implica seguramente obrigações em nada inferiores às que nos seriam exigidas num processo de resgate formal, do tipo do que foi negociado com a Grécia e a Irlanda.
10.Muito provavelmente, pelo contrário, teremos de aceitar obrigações de ajustamento orçamental e doutros tipos ainda mais gravosas - exactamente para justificar e cobrir o risco da “margem de liberdade” que nos é concedida (teoricamente, pelo menos) por não ficarmos ao abrigo de um plano de resgate formal do tipo dos anteriormente citados.
11.Assim, este debate "meio" acéfalo em torno do não-recurso a um resgate financeiro, não só se mostra totalmente inquinado como pode vir a impor-nos sacrifícios maiores do que os necessários num cenário de resgate formal. E agora, que fazer?

10 comentários:

Tonibler disse...

Caro Tavares Moreira,

Os bancos portugueses são tão europeus como os outros todos, por isso o recurso ao BCE por parte daqueles está garantido enquanto formos parte da UE.

Eu parece-me que continuamos a pensar de forma errada neste assunto. O BCE não está a resgatar país nenhum, está a ceder liquidez a parte do sistema financeiro que regula que, por acaso, se concentra nesta zona da europa. Aliás, para o BCE e para as outras insitituições europeias, já não existe república portuguesa, a não ser uns quantos activos nos balanços dos seus membros. Porque se não fosse isso, nem títulos da dívida portuguesa eles compravam.

O país não está sob resgate. Quem vai estar sobre resgate vai ser, finalmente, o estado português e espero que alguém, finalmente, vá olhar para o dinheiro do estado social e perceber exactamente que camada social está a consumir esse dinheiro.

Mas o estado português é para fechar (como todos os outros). Quando deram as três ordens ao Cavaco deviam ter-lhe dado também as chaves. Agora é só uma questão de resolver a massa falida.

Tavares Moreira disse...

Caro Tonibler,

Significante equívoco, o seu...o BCE não vai prolongar indefinidamente o seu generoso apoio nos mesmos moldes em que tem vindo a ser providenciado...
E, quando isso acontecer, só espero que o engasgamento luso já tenha passado...
Quanto sujeito passivo do resgate, trata-se do Estado, certamente, quando se usa o País é numa formulação popular, do tipo Bordallo Pinheiro...

Tonibler disse...

Caro Tavares Moreira,

O BCE não condiciona as suas injecções de liquidez à nacionalidade dos bancos, nem poderia. A não ser que o país decida sair do Euro e volte a ter um sistema bancário próprio, claro. Até lá vai tratar os bancos portugueses da mesma forma que trata todos os outros, incluindo na exigência de que não andem a dar crédito a clientes de má índole como o estado português.

Portugal independente já não existe, já não tem bancos(nem cientistas, nem...).

Suzana Toscano disse...

Independência, caro Tonibler? Já só pedimos solvência...

Tonibler disse...

Do quê, cara Suzana? Queremos recuperar o estado porquê? Para voltarmos à mesma situação daqui a 5 anos?

Tavares Moreira disse...

Caro Tonibler,

Quando diz que o BCE trata os bancos portugueses da mesma forma que os bancos dos demais países do Euro está a dizer tudo...
Pela simples razão que o BCE não tem tratdo os ban cos portuguses tal como os demais, tem sido imensamente mais generoso connosco...
E não são só os bancos, não esqueça, é tb a compra de dívida pública...

Tonibler disse...

Tem sido mais generoso porque os bancos não estão a conseguir entrar no mercado monetário, mas também os demais bancos europeus têm que se habituar à morte da república portuguesa (e dos outros estados todos), não somos só nós. Estou certo que qualquer outro banco europeu nas mesmas condições tem acesso aos fundos do BCE, acima do mercado, claro.

A compra de dívida pública é que vai acabar rapidamente. Neste momento deve andar um sujeito no BCE a avaliar balanços consolidados do sistema e a olhar para OTs de Portugal, até porque devem ter disso ao pontapé depositado como colateral. O BCE não está a fazer favor nenhum, está a proteger-se.

Tavares Moreira disse...

Caro Tonibler,

Ninguém disse que o BCE estava a fazer-nos um favor...está a ajudar-nos, evidentemente, com isso resolve certamente outros problemas.
Mas, como acaba de reconhecer, o BCE substituiu-se aos mecanismos de mercado (monetário e de capitais) no financiamento dos bancos nacionais...e se isso não tem acontecido, qual seria o cenário?
Que diferença existe entre isso e um resgate financeiro - de semântica?
E está a imaginar a manutenção deste tipo de apoios por tempo indeterminado, a nosso gosto?

Tonibler disse...

Mas esse é o papel de uma autoridade monetária, não é? Se vivêssemos no Escudo o Banco de Portugal também auxiliaria os meus amigos da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Mafra, independentemente da parvoíce que o presidente da Câmara local, apesar de não ter notícias de que o presidente da câmara de Mafra seja mais parvo que o primeiro-ministro.

E, em teoria, até pode durar para sempre. Pelo menos até os bancos a que chamamos de portugueses começarem a pensar nos custos de ser português e mudarem rapidamente de residência, porque quem tem a tesouraria em Frankfurt ou em Amesterdão está a gostar bastante desta situação....

Agora, se o BCE não tomasse a atitude de uma autoridade monetária, tínhamos que sair do euro no dia a seguir, porque precisaríamos de uma, e teríamos que pôr o Banco de Portugal a funcionar outra vez. Agora, de uma coisa não podemos acusar os europeus: a de não nos tratarem como todos os outros.

Tavares Moreira disse...

Caro Tonibler,

Esse não é necessariamente o papel de uma autoridade monetária...
Pode ser ou pode não ser...a autoridade monetária não é uma fabrica de bail-outs...
Tivemos sorte desta vez, mas não é garantido que a tenhamos sempre nem aproveitar a sorte pode tornar-se modo de vida duradouro para um País...