Li há pouco tempo um livro do filósofo Sygmunt Bauman, "Amor Líquido - Sobre a fragilidade dos laços humanos", onde o autor discorre sobre a "era da modernidade líquida em que vivemos — um mundo repleto de sinais confuso propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível" e das suas consequências na capacidade de amar de forma constante ou a longo prazo. Considera que a facilidade com que hoje se estabelecem ligações entre as pessoas, tão instantâneas como descartáveis, à distância de um clique para nos "desconectarmos", ou de uma mensagem breve dispensando o contacto pessoal, evita que se assumam compromissos com tudo o que isso implica na mudança da vida de cada um. O amor líquido é, para S.B., uma fonte de insegurança que separa em vez de unir e que torna quase impossível um projecto de vida em comum tal como o encarávamos há apenas tão pouco tempo atrás.
Vem isto a propósito de ter estado a folhear uma revista de casamentos e preparação da festa, uma verdadeira empreitada de grande complexidade, detalhes e colaboradores de várias especialidades e de isso me ter avivado uma conversa a que assisti há tempos entre duas jovens, sendo que uma tinha casado há um mês e tinha vindo a Portugal passar umas belas férias sozinha. Ficou em minha casa, centro de acolhimento habitual para provenientes de vários azimutes, e foi ao serão que assisti à conversa que aqui trago. Perguntava-lhe a amiga como é que ela se sentia na sua nova condição de casada, em que é que a vida dela tinha mudado, e ela abriu um sorriso enorme e, cheia de entusiasmo, começou a contar como tinha sido a festa de casamento. De origem indiana, vivendo na Holanda, a boda tinha sido uma mistura fantástica de tradições arreigadas e modernidade urbana, tudo bem preparado sem olhar a despesas, como mandava o nome da família. Depois, os noivos tinham escolhido um destino paradisíaco para a lua de mel, depois voltaram ao seu dia a dia e tudo retomou a feição anterior, uma vez que já vivam juntos há um ano quando se decidiram pela boda. Sabes, dizia ela no fim do relato, na verdade o casamento é apenas uma grande festa (hudge party, dizia ela), mas depois continua tudo na mesma, quando não quisermos continuar juntos cada um segue a sua vida e temos a festa para recordar.
Fiz saber à minha filha que não dava muito pelo casamento da amiga, o que me mereceu logo um censura porque é que dizes isso, não vês como ela falou do casamento? Pois foi, disse eu, só que ela não falou do marido mas do vestido dela, não falou da casa, nem dos projectos que tinham, falou da viagem e das viagens que se seguem, pelos vistos veio sozinha e não tinha saudades nenhumas. É verdade que me senti uma bota de elástico a dizer isso, vá lá que desta vez não ouvi pareces a avó a falar, mas devo ter sido convincente porque ao menos não tive esse comentário. O facto é que já estão divorciados, a jovem encontrou um novo amor e prepara já a próxima festa, não sei em que país.
A única coisa em que discordo do filósofo é que não creio que a isto se possa chamar amor, quando ele acontece a sério a vida das pessoas muda mesmo, para o bem e para o mal, e é daí que vem o compromisso e a solidez do que liga a vida das pessoas. E não me parece que isso mude com a tecnologia, mesmo que tudo pareça tão diferente. Mas sabe-se lá!, como diria a minha mãe.
5 comentários:
Que post tão cheio de verdade, cara Suzana. É o mundo de hoje em dia.
"...só que ela não falou do marido mas do vestido dela, não falou da casa, nem dos projectos que tinham..."
Srª Drª Suzana Toscano;
Se fosse possível condensar a questão numa frase, penso que a transcrita, desempenharia na perfeição, a função.
O século XX, foi como todos percebemos, de "viragem" em múltiplos aspectos, sociais, religiosos, profissionais, etc.
E dessa "viragem" está agora a sociedade a sentir os efeitos.
Contudo, da minha observação, aquilo que as novas gerações ganharam em autonomia, em liberdade de direitos e de movimentação, perdeu em sentido de afectividade (pelo menos, com a estructura que os da nossa geração e das anteriores, conheceram).
Aquilo que me parece necessário e urgente - e que em minha opinião sucederá, imperiosamente - é a recuperação da vontade de construir um projecto de vida familiar.
Isso, perdeu-se, mas penso que será recuperado, porque faz parte da estabilidade estructural do ser humano. Poderá demorar algum tempo, talvez o tempo da geração das suas filhas, dos meus filhos. O tempo necessário para saborearem a liberdade de poder viajar sozinho, mesmo que vivendo com alguém, o tempo necessário para perceberem e sentirem o desejo de regressar ao local onde algo foi construído e onde se encontra aquela pessoa com quem sentem prazer em partilhar os momentos da vida.
Estou ainda convencido, de que, quanto maior for a instabilidade politica e social, maior será a necessidade de as pessoas procurarem apoio e estabilidade emocional junto daquelas com quem partilham sentimentos e intimidades.
( I hope so...)
;)
Suzana
Vivemos numa sociedade em que impera o "descartável". Pessoas e coisas são "objectos" a todo o tempo descartáveis. O amor não foge à regra, usa-se e deita-se fora. Casar e ter filhos não é a mesma coisa que constituir uma família, um porto de abrigo. O ter é mais importante que o ser e o parecer também ganhou um estatuto superior. A questão importante é saber se este modo de estar e de viver é melhor ou pior que outros. Creio que não é verdadeiro, o que é artificial origina mais tarde ou mais cedo problemas...
Subscrevo o comentário do caro Zuricher e,
na generalidade concordo com o filósofo.
“(…)Considera que a facilidade com que hoje se estabelecem ligações entre as pessoas, tão instantâneas como descartáveis, à distância de um clique para nos "desconectarmos", ou de uma mensagem breve dispensando o contacto pessoal, evita que se assumam compromissos com tudo o que isso implica na mudança da vida de cada um.(…)”
Na realidade, muitos dos valores da geração dos nossos pais têm vindo a cair em desuso, designadamente, os valores estruturais da família de que o casamento para toda a vida é um bom exemplo.
Se atentarmos bem tudo começou por “culpa” da revolução sexual iniciada nos anos 60!...
Podemos argumentar tudo: isto e mais aquilo, que não há um propósito, um sentido de vida, mas a resposta será, talvez, um encolher de ombros, de incompreensão e desculpa, porque são resmunguices de velhos…
Talvez seja esta uma característica do "redentor Homem novo"; a incapacidade de amar profundamente ou de estabelecer compromissos de longo prazo, constituindo-se como seu próprio deus!
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