Estive a ler a proposta – "Informe del Comité de Expertos sobre el factor de sostenibilidad del sistema público de pensions” - elaborada por um grupo de especialistas que o governo espanhol nomeou para estudar a introdução de factores de sustentabilidade no sistema público de pensões no âmbito de um processo de reforma que o governo espanhol anunciou que vai fazer. Para tal encomendou um estudo que servirá de base a uma discussão pública e à negociação com as forças políticas e sociais. Trata-se de uma proposta estruturada, devidamente fundamentada. As medidas defendidas são demonstradas nas suas consequências.
A Espanha - como acontece na maioria dos países da OCDE - enfrenta problemas nos seus sistemas públicos de pensões derivados do envelhecimento demográfico. Por um lado, o aumento da esperança de vida, quer à nascença quer na idade da reforma, e, por outro lado, a queda da natalidade. Com cada vez mais pensionistas e cada vez menos activos, haverá cada vez mais pensões para pagar e por períodos mais longos e haverá cada vez menos contribuições para as financiar. A deterioração do rácio de dependência vai acentuar-se.
"Sin embrago, el Comite entiende que la situatión de los pensionistas que ya lo son een el momento de entrada en vigor del factor debe tenerse en cuenta. La mayoría de estas personas tienen la pensión por principal, si no única, fuente de ingresos, y en cualquier caso su capacidade de reacción ante los cambios de entorno que el factor comporta es pequeña o nula. Por eso, para los pensionistas actuales, el Comité quiere recomendar la aplicación de una cláusula que impida el descenso nominal de su pensión."
Independentemente do mérito da proposta apresentada, é muito interessante constatar a recomendação que é feita pelo grupo de especialistas no sentido de a sociedade honrar o seu compromisso moral com os pensionistas e de proteger a sua situação no momento de entrada em vigor das medidas que visam ajustar o nível das pensões às novas realidades:
"Sin embrago, el Comite entiende que la situatión de los pensionistas que ya lo son een el momento de entrada en vigor del factor debe tenerse en cuenta. La mayoría de estas personas tienen la pensión por principal, si no única, fuente de ingresos, y en cualquier caso su capacidade de reacción ante los cambios de entorno que el factor comporta es pequeña o nula. Por eso, para los pensionistas actuales, el Comité quiere recomendar la aplicación de una cláusula que impida el descenso nominal de su pensión."
Um outro aspecto que ressalta na proposta tem que ver com a recomendação que é colocada na necessidade de as autoridades trabalharem com transparência, factor classificado como fundamental para que a mudança cultural que está em causa seja bem compreendida e sucedida. Adicionalmente é também enfatizada a necessidade de a cidadania dedicar atenção e esforço para assimilar a informação. É valorizada a qualidade da gestão política da mudança:
"Asimismo, pieza clave en esa transformación cultural es el cumplimiento del objetivo de la transparencia, que trae consigo la oferta de una información clara, sistemática, regular y precisa por parte de las autoridades, pero también el compromiso de la ciudadanía a dedicar la atención y el esfuerzo precisos para asimilar esa información, para opinar y debatir sobre ella com conocimiento de causa, y para que tal debate se haga en los términos y según las reglas y los criterios de una deliberación y una comunicación razonables."
Não poderia estar mais de acordo com a metodologia seguida e com aquelas recomendações. Por cá anunciam-se decisões, os estudos e os guiões das reformas aparecem depois, não se consegue fazer um debate construtivo e sereno sobre os problemas e os caminhos possíveis...
10 comentários:
Cara Margarida, Espanha é outra história totalmente diferente de Portugal. A forma como os assuntos são tratados cá (em Espanha) é muito diferente da forma como o são em Portugal. O debate público funciona doutra forma e é, aliás, subalternizado ao parecer técnico. Há em Espanha os mecanismos adequados a que a sociedade civil intervenha quando aplicavel e os governantes que tentem andar ao arrepio dos pareceres técnicos ficam com pedras nos sapatos muito rapidamente. Há que enfatizar "sociedade civil" o que é muito diferente de povo aos guinchos no meio da rua.
No que toca às pensões está a fazer-se uma mudança e isto num contexto em que o sistema de pensões Espanhol já está num patamar diferente do Português. Há muitos anos (nem sei quantos, eu sempre conheci assim) que existem limites de descontos e pensões. O limite hoje em dia está em 3700 e qqrcoisa euros mensais.
Essa discussão já foi feita em Portugal. Já tivemos livros brancos (e de outras cores) sobre o nosso sistema de pensões, e após duas reformas na última década foi-nos transmitido que este era inequivocamente sustentável no longo prazo. Ainda hoje isto é reafirmado, sobretudo com algum crescimento económico, faltando portanto talvez adicionar esse factor de sustentabilidade.
Entretanto, no curto e médio prazo, aparentemente temos problemas sérios, sobretudo com pensões e outras prestações sociais não contributivas, atribuídas no passado e no presente.
Como é que a Margarida propõe que se faça uma discussão calma e serena sobre um problema que temos com pensões e prestações não contributivas já atribuídas, tendo como premissa não prejudicar pensões e prestações já atribuídas?
Pedir para Portugal as soluções dum país onde as prestações sociais não contributivas são inexistentes (quando, aparentemente, é esse o nosso problema), é um exercício de futilidade.
Caro Zuricher
Qual é o nível de participação da sociedade civil espanhola nestas matérias? Tem capacidade de influência? Tenho acompanhado a evolução do sistema público de pensões espanhol. Embora o modelo de financiamento seja ao mesmo que temos em Portugal - repartição (pay as you go) - há diferenças. Em Espanha existe o plafonamento, parâmetro que esteve previsto na lei de bases da segurança social em Portugal mas que nunca foi adoptado. Em Portugal já está em aplicação desde 2008 um factor de sustentabilidade que ajusta na pensão o aumento da esperança de vida à data da idade de reforma, enquanto a Espanha vai agora adoptar um mecanismo idêntico. Há muitas outras diferenças.
Caro Nuno Cruces
Essas "reformas" de que fala, essencialmente paramétricas, não foram suficientes para resolver” inequivocamente” a sustentabilidade do sistema de pensões. Foi dito que sim, mas não foi, nem é isso que vai acontecer. A avaliação passada da sustentabilidade foi trabalhada com previsões irrealistas sobre variáveis fundamentais, como são os casos do desemprego e do PIB. Previsões irrealistas são mais tarde ou mais cedo corrigidas pela realidade. É isto que está a acontecer.
Não vejo nenhuma razão para não se fazer uma discussão calma. Lembro que as pensões dos regimes não contributivos são financiadas pelos impostos, enquanto as pensões dos regimes contributivos são financiadas por contribuições dos trabalhadores e das empresas. São planos totalmente diferentes e, portanto, não podem ser tratados da mesma maneira. Não é suposto o regime contributivo financiar o regime não contributivo.
Cara Margarida, em Espanha as decisões politicas têm muito pouca margem para existir sem terem um respaldo técnico que as enquadre devidamente. É precisamente aqui que existe a sociedade civil e a sua capacidade de influencia, nesse respaldo técnico. Há, na generalidade das questões, um cuidado muito grande em quem se escolhe para falar. A comunicação social tem o cuidado de ver muito bem a quem dá tempo de antena, ver que credenciais têm as pessoas que as habilitem a pronunciar-se sobre isto ou aquilo. O debate segue normalmente este caminho devidamente organizado e em que é dado o devido enquadramento às questões. É precisamente aqui que existe a capacidade de influenciar o processo politico.
Nenhum ministro do Reino se sente confortavel se vier algum técnico reputavel, seja de que área for, pô-lo em causa. É algo visto pela opinião pública como muito pior que manifestações na rua dia sim, dia também, mas que pouco depois já desapareceram da memória seja de quem for. Dando-lhe um exemplo de transportes (é o que tenho mais próximo e acompanho mais de perto) mas que é extrapolavel para o resto, tivemos há uns anos uma ministra de fomento que iniciou o seu mandato de forma particularmente desastrada e não dizia nem fazia nada que se aproveitasse. Por algum motivo ela tinha na cabeça que os orgãos técnicos do ministerio (e que são tecnicos, apolíticos) faziam o jogo da oposição e estavam contra ela. Daí ter feito tábua rasa do que lhe diziam e começado a dizer e a tentar fazer disparates uns atrás dos outros sem perceber patavina do que estava a dizer e a tentar fazer. A brincadeira durou só até o sóbrio e muito respeitado Colegio de Ingenieros de Caminos, Canales y Puertos pronunciar-se, algo inédito, dado que o CICCP mantem-se sempre à margem dessas coisas. Foi uma vergonha para a ministra e as coisas voltaram ao rumo de onde nunca deviam ter saído.
É esta a capacidade de influencia que tem a sociedade civil em Espanha. E há realmente uma presença de gente abalizada e de valor em várias áreas acompanhando a governação no que é da sua lavra específica. Isto é realmente sociedade civil que é estimulada por vários quadrantes. Agora, convenhamos, existe sociedade civil em Portugal? Repare-se na imensa dependencia do Estado que existe nas mais variadas profissões o que é logo um obstáculo a que se questione o poder político.
Há depois vários factores mais. Em Portugal não há a selecção que há em Espanha sobre quem tem tempo de antena nos jornais e quem não tem. Ao não haver esta selecção o debate fica logo totalmente inquinado dado que há gente a falar sem saber o que diz e a opinião publica fica totalmente confundida. Depois ainda a indisciplina Portuguesa não existe em Espanha. Em Espanha não se questiona tudo e dá-se valor a quem o tem.
Ou seja, tudo junto sim, permite enquadrar devidamente a sociedade civil e esta tem efectivo poder para influenciar a decisão política. É todo um sistema que permite que isso suceda e que em Portugal não existe. Daqui que eu questione fortemente se existe em Portugal, sequer, sociedade civil. Gente aos guinchos e em bicos de pés para aparecer isso sim, há aos montes. Mas isso não é sociedade civil com o respeito que o termo merece.
Uma pequena errata.
Onde se lê "em Espanha as decisões politicas " deve ler-se "em Espanha as decisões politicas do Estado Central". Isto porque quando se entra por áreas com competencias das autonomias ou decisão própria das autonomias as coisas tornam-se muito espinhosas e muitas vezes dão asneira.
E uma adenda.
O próprio relatório que nos trouxe no seu post é ilustração bastante sobre o enquadramento e influencia da sociedade civil. O governo pediu a um conjunto de especialistas da área para que se pronunciassem a respeito da sua área específica. Eles pronunciaram-se. O governo não poderá sair muito das conclusões a que os especialistas chegaram.
Caro Zuricher
Obrigada pela informação, muito explicativa e útil. Resultam claras as diferenças. A nossa sociedade civil é pobre, a intervenção cívica no plano político é diminuta. A concepção errada e a percepção de que a política pertence aos políticos e de que o Estado resolve todos os problemas conduziu-nos a apatia que se conhece. O que é grave é que a sociedade civil e o Estado não estão preparados para mudanças. A resistência à mudança é grande. Há falta de transparência da "coisa" pública, os cidadãos estão mal informados. Queixam-se mas não têm capacidade de se mobilizar para fazer e exigir fazer de maneira diferente.
Raras vezes os governos solicitam de forma comprometida a especialistas que preparem os fundamentos de decisões políticas e quando o fazem não é certo que sigam as suas recomendações e ainda menos certo é que fundamentem a razão da sua não aceitação.
Cara Margarida, em Portugal é o próprio Estado que impede a existencia da sociedade civil. Não é este governo nem o anterior mas sim sucessivos governos nas últimas décadas. A presença do Estado em todos os lados e mais algum, o controle férreo de tudo e todos, a sanha normativa que tenta regular os mais ínfimos pedaços da vida dos cidadãos são espartilhos que inviabilizam totalmente a existencia duma sociedade civil independente e com capacidade para influenciar e guiar a sociedade em geral. A comunicação social também não ajuda nada e hoje em dia, dando um exemplo da minha área específica, chega-se ao cúmulo de ser dado tempo de antena semanal, pasme-se, a um escriturario ou administrativo ou coisa parecida, da CP como se fosse um especialista.
Vive-se no Portugal de hoje em dia a aplicação à sociedade da Lei de Gresham, ou seja, os maus elementos afastam os bons. Por fim ficam apenas os maus porque os bons afastam-se na sequencia dos enxovalhos e insultos que lhes são dirigidos. Infelizmente isto é real hoje em dia de cima a baixo. É pena porque é um caminho que é muito facil trilhar mas corrigi-lo, depois, é o cabo dos trabalhos. E, claro, todos sabemos que com ingredientes de má qualidade é impossivel fazer uma deliciosa refeição, não é verdade?
Sociedade civil em Portugal nem sequer digo que é chão que deu uvas. Pergunto-me, sim, se alguma vez, sequer, existiu esse chão.
O estado português transfere por ventura o suficiente, proveniente de impostos, para cobrir a totalidade das pensões não contributivas? Alguma vez transferiu? É de esperar que alguma vez venha a transferir?
Transfere o suficiente, proveniente de impostos, para cumprir as desproporcionais responsabilidades que assumiu enquanto entidade empregadora?
E as pensões, essas ditas contributivas, calculadas (em todo ou em parte significativa) com base em fórmulas como a média dos melhores 10 anos dos últimos 15, estão cobertas sem transferências adicionais?
Como é que um país sem folga fiscal e com severas restrições de financiamento externo, financia estas transições se considerar sagradas as pensões já atribuídas?
Acho importante discutir serenamente a questão, mas para o bem e para o mal, no nosso sistema redistributivo, as pensões de hoje são pagas com os contributos de hoje, e as pensões futuras serão pagas com contributos futuros. É certo que não podemos continuar a enganar os que hoje trabalham com uma fórmula que amanhã não vai funcionar. É imperativo corrigi-la. Mas também não nos podemos continuar a endividar, sobrecarregando ainda mais as gerações futuras, para pagar as pensões de hoje, só porque a fórmula de há 10 anos estava ainda mais errada. Nos dias que correm, o erro dessa fórmula de há 10 anos atrás vai ser pago por mais 10, 20 ou 30 anos.
Caro Nuno Cruces
Para responder com rigor às suas perguntas seria necessário que as contas da segurança social estivessem devidamente desagregadas, para se perceber quais são as despesas com pensões financiadas pelo OE (regime não contributivo) e pela SS (regimes contributivos).
Em 2012 o OE transferiu para a SS cerca de 2 mil milões de euros para fazer face a pensões dos regimes não contributivos e cerca de 900 milhões para cobrir o défice do regime contributivo das pensões, uma vez que neste caso as contribuições não foram suficientes para fazer face às pensões em pagamento. Em 2013, haverá um agravamento em relação à transferência para o regime contributivo.
Enquanto entidade empregadora, o Estado por não ter feito as contribuições que lhe competiam originou uma dívida que agora tem que ser financiada todos os anos com transferências do OE para pagar as pensões dos ex-funcionários públicos.
Lembro que 85% das pensões da SS têm um valor inferior a 500 euros. Compete ao país decidir em que medida quer afectar impostos a pensões sociais. São princípios de coesão social e solidariedade que estão na base destas decisões. A gestão dos recursos públicos implica opções.
Quanto aos regimes contributivos, o actual sistema terá que ser repensado, terão que ser introduzidos mecanismos que incentivem as pessoas a participarem mais e por mais tempo na força de trabalho (economia formal) e a pouparem para a reforma, pois o Estado não pode continuar a prometer o que não pode pagar. Não creio que seja viável manter planos de benefício definido para periodicamente, em intervalos de tempo cada vez mais curtos, anunciar cortes nas pensões. É fundamental que se introduzam mecanismos auto-regulatórios no sistema (factores de sustentabilidade - longevidade, rácio de dependência, crescimento da economia) para que em cada momento se saiba com toda a transparência qual é o valor actual das responsabilidades e o respectivo nível de cobertura.
Espero que sejam úteis estes pontos de reflexão que naturalmente são apresentados de forma muito abreviada.
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