Diz uma lenda que a única vez que um galo cantou à meia-noite foi quando nasceu Jesus. É capaz de não ter sido, se dermos fé a Henrique Lopes de Mendonça, o pai da letra do nosso Hino, na sua obra “Santos de Casa”. Inicia-a com um conto sobre o “galo branco de Azoia”; um galo intrépido que fazia frente a qualquer alimária bravia com as “modulações do seu canto, heroico e soberbo como um peão da Hélade”. A sua audácia devia provir “mais da fortaleza do coração do que pedra na figadeira”.
O barulho e a claridade de uma noite atrapalhou-o, porque pensou que se tinha esquecido de anunciar o novo dia. Curioso, foi até uma clareira onde estava Frei Gil de Santarém a perorar para uma multidão de fiéis. O galo sentiu uma enorme responsabilidade a subir até à crista, a qual se empertigou de imediato. Bateu as asas como se fosse o pigarrear de um cantor de ópera e começou a cantar uma estridente e bela melodia que apanhou de surpresa todos os circunstantes que pensaram estar perante mais uma manifestação do maligno. Frei Gil não gostou da intromissão e arremessou o seu bastão com uma pontaria de tal modo certeira que o animal nem um pio deu nem um simples esbracejar de asas. O galo morreu. Ermesinda, a dona, surpreendida com a presença do galo, ficou triste e abespinhada com o sucedido. Apanhou-o e, gentilmente, acolheu-o debaixo da sua capa.
Frei Gil de Santarém retomou a sua prática, afirmando que “cada benefício feito na Terra às criaturas mais humildes era um passo dado no caminho do paraíso, e como cada iniquidade praticada era um peso a mais que nos puxava para os abismos”. A partir deste momento a voz começou a claudicar e os dizeres passaram a ser titubeantes e muito confusos. Todos se entreolhavam estupefactos perante tão inusitada situação. Foi então que o frade começou a confessar que tinha cometido um pecado infando, porque lhe faltou “o ânimo da paciência”. Dirigiu-se a Ermesinda e perguntou-lhe o que escondia debaixo da capa. Com lágrimas nos olhos entregou-lhe o belo corpo branco do galo. Frei Gil invocando Deus conseguiu que o galo voltasse a viver, ofertando-lhe os anos que ainda lhe restavam de vida terrena. Foi o momento do galo se erguer de pronto, para espanto de todos, e prorrompeu um cântico que era mais um hino de glória.
Recordei-me desta história, ao repousar, propositadamente, os meus olhos na paisagem que ladeia a linha do Norte. Cansado e, por que não dizer, incomodado com a forma e os conteúdos dos discursos e comentários de algumas alimárias políticas.
Querem ser galos, mas muitos não têm classe para isso. Falam alto, insultam, humilham, desprezam, mas não conseguem anunciar um novo dia. Decerto que nunca terão o privilégio de se alcandorarem às torres dos campanários. Torres que se vão sucedendo umas atrás de outras na paisagem. Muitas. Cada terra, cada lugar, cada aldeia com a sua igrejinha. Campanários diferentes, alguns são mesmo belos. Chamam-me a atenção e procuro descortinar no alto se têm ou não um galo.
Sempre me seduziu o galo da torre da igreja da localidade que me viu nascer. Achava piada haver um galo lá em cima, na torre muito alta, muito alta mesmo, porque naquelas idades o corpo é a medida de todas as coisas e, como somos pequeninos, tudo parece ser gigantesco. Perguntava por que razão havia um galo no alto da torre de uma igreja. Diziam-me que era para saber donde soprava o vento. Realmente, nunca estava na mesma posição, mas, mesmo sendo criança, sentia que não deveria ser essa a razão, digo sentia, porque não sabia explicar nem traduzir o que pensava. Sempre que ia à vila, olhava fascinado para o galo.
Houve um dia, ou melhor, uma noite de tempestade em que um raio se lembrou de matar o galo da torre. Disseram-me que o sino tinha sido partido e o galo fulminado. Nessa manhã acerquei-me da igreja e vi no jardim fronteiro o galo de ferro, chamuscado, lindo e sem vida. Fiquei triste durante muito tempo até que o recolocaram aquando da aquisição de um sino novo que, infelizmente, não tinha o som do antigo. Fiquei todo o dia embasbacado a ver as manobras para os colocar na torre.
O galo representa muita coisa, o nascimento do dia e de uma vida nova, o chamamento diário e o renascer anual do sol, a luz verdadeira para a humanidade, o canto de uma nova esperança, o espantador de demónios, o símbolo da vigilância, fidelidade e testemunho de valores cristãos, razão que o levou, há mais de mil anos, ao lugar mais cimeiro das igrejas. Mas o galos que andam por aí, ao contrário do “galo de Azoia” ou do “meu” galo vítima de um raio, não merecem ser “ressuscitados” nem têm categoria para subir à torre de um campanário, por mais humilde que seja, como são todos aqueles com os quais começo a ter alguma intimidade nas muitas viagens à capital dos provincianos. Entretanto, sempre que posso, como hoje, não deixo de olhar o belo galo da torre da igreja que um dia um raio quis roubar a beleza e a dignidade.
A muitos galitos políticos que andam por aí, quase que me apetecia dizer: “Vão para o raio que vos partam”, porque não conseguem anunciar um novo dia, nem uma nova esperança, nem transportar a luz da verdade...
O barulho e a claridade de uma noite atrapalhou-o, porque pensou que se tinha esquecido de anunciar o novo dia. Curioso, foi até uma clareira onde estava Frei Gil de Santarém a perorar para uma multidão de fiéis. O galo sentiu uma enorme responsabilidade a subir até à crista, a qual se empertigou de imediato. Bateu as asas como se fosse o pigarrear de um cantor de ópera e começou a cantar uma estridente e bela melodia que apanhou de surpresa todos os circunstantes que pensaram estar perante mais uma manifestação do maligno. Frei Gil não gostou da intromissão e arremessou o seu bastão com uma pontaria de tal modo certeira que o animal nem um pio deu nem um simples esbracejar de asas. O galo morreu. Ermesinda, a dona, surpreendida com a presença do galo, ficou triste e abespinhada com o sucedido. Apanhou-o e, gentilmente, acolheu-o debaixo da sua capa.
Frei Gil de Santarém retomou a sua prática, afirmando que “cada benefício feito na Terra às criaturas mais humildes era um passo dado no caminho do paraíso, e como cada iniquidade praticada era um peso a mais que nos puxava para os abismos”. A partir deste momento a voz começou a claudicar e os dizeres passaram a ser titubeantes e muito confusos. Todos se entreolhavam estupefactos perante tão inusitada situação. Foi então que o frade começou a confessar que tinha cometido um pecado infando, porque lhe faltou “o ânimo da paciência”. Dirigiu-se a Ermesinda e perguntou-lhe o que escondia debaixo da capa. Com lágrimas nos olhos entregou-lhe o belo corpo branco do galo. Frei Gil invocando Deus conseguiu que o galo voltasse a viver, ofertando-lhe os anos que ainda lhe restavam de vida terrena. Foi o momento do galo se erguer de pronto, para espanto de todos, e prorrompeu um cântico que era mais um hino de glória.
Recordei-me desta história, ao repousar, propositadamente, os meus olhos na paisagem que ladeia a linha do Norte. Cansado e, por que não dizer, incomodado com a forma e os conteúdos dos discursos e comentários de algumas alimárias políticas.
Querem ser galos, mas muitos não têm classe para isso. Falam alto, insultam, humilham, desprezam, mas não conseguem anunciar um novo dia. Decerto que nunca terão o privilégio de se alcandorarem às torres dos campanários. Torres que se vão sucedendo umas atrás de outras na paisagem. Muitas. Cada terra, cada lugar, cada aldeia com a sua igrejinha. Campanários diferentes, alguns são mesmo belos. Chamam-me a atenção e procuro descortinar no alto se têm ou não um galo.
Sempre me seduziu o galo da torre da igreja da localidade que me viu nascer. Achava piada haver um galo lá em cima, na torre muito alta, muito alta mesmo, porque naquelas idades o corpo é a medida de todas as coisas e, como somos pequeninos, tudo parece ser gigantesco. Perguntava por que razão havia um galo no alto da torre de uma igreja. Diziam-me que era para saber donde soprava o vento. Realmente, nunca estava na mesma posição, mas, mesmo sendo criança, sentia que não deveria ser essa a razão, digo sentia, porque não sabia explicar nem traduzir o que pensava. Sempre que ia à vila, olhava fascinado para o galo.
Houve um dia, ou melhor, uma noite de tempestade em que um raio se lembrou de matar o galo da torre. Disseram-me que o sino tinha sido partido e o galo fulminado. Nessa manhã acerquei-me da igreja e vi no jardim fronteiro o galo de ferro, chamuscado, lindo e sem vida. Fiquei triste durante muito tempo até que o recolocaram aquando da aquisição de um sino novo que, infelizmente, não tinha o som do antigo. Fiquei todo o dia embasbacado a ver as manobras para os colocar na torre.
O galo representa muita coisa, o nascimento do dia e de uma vida nova, o chamamento diário e o renascer anual do sol, a luz verdadeira para a humanidade, o canto de uma nova esperança, o espantador de demónios, o símbolo da vigilância, fidelidade e testemunho de valores cristãos, razão que o levou, há mais de mil anos, ao lugar mais cimeiro das igrejas. Mas o galos que andam por aí, ao contrário do “galo de Azoia” ou do “meu” galo vítima de um raio, não merecem ser “ressuscitados” nem têm categoria para subir à torre de um campanário, por mais humilde que seja, como são todos aqueles com os quais começo a ter alguma intimidade nas muitas viagens à capital dos provincianos. Entretanto, sempre que posso, como hoje, não deixo de olhar o belo galo da torre da igreja que um dia um raio quis roubar a beleza e a dignidade.
A muitos galitos políticos que andam por aí, quase que me apetecia dizer: “Vão para o raio que vos partam”, porque não conseguem anunciar um novo dia, nem uma nova esperança, nem transportar a luz da verdade...
1 comentário:
Magnífico, este entrelaçar de estórias e de reflexões, de memórias e de actualidade,dava um belo manifesto político!
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