Dir-se-ia que os povos desejariam para seus governantes pessoas “excepcionais”, com características pessoais e intelectuais que os distinguissem do comum dos mortais ao ponto de lhes serem confiadas decisões tão importantes que podem afectar a vida de milhões de pessoas e, no caso dos grandes países como a América ou a França, ou de grandes organizações internacionais, capazes mesmo de mudar o curso do mundo. Mas não, o que está muito em voga é a “normalidade”, no sentido da “banalidade”, do previsível e, como tal, facilmente identificável pelo senso comum, o que interessa é a demonstração de que o candidato é afinal uma pessoa como as outras, desprovido de ambição pessoal mas impelido apenas pela devoção aos seus semelhantes, sem vaidade, sem superioridade intelectual, sem rasgos de ousadia, sem exibir títulos ou riqueza, sobretudo sem demonstrar quaisquer ligações com os poderosos que poderiam de alguma forma conspurcar-lhe a absoluta isenção nas suas decisões futuras. Num notável artigo no Jornal de Negócios de hoje, José Cutileiro, a propósito da desilusão sobre a prestação do Presidente francês , cuja marca distintiva apostou precisamente nessa ausência de marca, conta que um colega anarquista em Oxford, que insistiu com o criado em que se deviam tratar por tu, nunca teve as calças passadas a ferro nem o chá servido a tempo e horas, porque precisamente, se eram iguais por que deveria obedecer-lhe?
Mas a moda também chegou à campanha americana de Mitt Romney. A intervenção da mulher num comício terá sido um êxito enorme porque ela se esforçou por “humanizar” a imagem do marido e mostrar que ele é afinal uma pessoa “como as outras”, contando banalidades sobre ele, desde o baile da escola em que lhe fez a corte até à barulheira que os filhos fazem em casa e, claro, ao drama que viveram para vencer uma doença grave dela. Tudo isto para contrariar o perigo da ideia de que, sendo ricos, vivem como nos contos de fadas, sem problemas ou preocupações, incapazes de decidir ou avaliar as situações dos que sofrem as agruras da vida. A frase que terá levado a assistência ao rubro, provando a eficácia do reconhecimento mútuo entre "normais", terá sido "Ele ama a América e vai levar-nos para um lugar melhor, tal como me levou em segurança a casa dos meus pais depois do baile em que nos conhecemos". Não sei quantos jovens namorados modernos se terão reconhecido neste quadro idílico, mas bem sei que na primeira campanha de Obama, Michelle também se lembrou de contar em público que ele deixava as peúgas espalhadas pela casa toda, o que, subentende-se, deverá ser reconhecido como um padrão masculino de “normalidade”, espero que agora tenha uma ideia melhor para contrapor à exibição da concorrente. Entretanto, com o agravar da situação mundial, pode ser que se volte a procurar pessoas excepcionais pois, como bem lembra Cutileiro, a uma pessoa banal não se reconhece a autoridade de um timoneiro nos momentos difíceis.
4 comentários:
Um post muito interessante a suscitar algumas questões importantes que têm a ver com a evolução política das sociedades em geral, que me levam a pensar que os povos modernos já não acreditam nos governantes excecionais no sentido do antigamente em que, de certo modo, a excecionalidade era também estar distante, numa redoma de vidro. Hoje, creio, que a excecionalidade passa mais pela inteligência, pelo altruísmo, pelos valores socias, pela capacidade de gestão, e ainda pelos defeitos comuns aos mortais.
Quanto ao anarquista que quis ser tratado por tu pelo criado, pois sujeitou-se, foi vítima do seu próprio preconceito.
Caro jotac, uma pessoa realmente excepcional não tem que ser distante, mas tem razão quando diz que a soberba e a arrogância não colhem votos. O pior é que só simplicidade e simpatia não chegam para fazer um bom governante...
Suzana
Também li o artigo, achei muito interessante. Ainda bem que escreveu sobre o tema.
Tenho dúvidas que os eleitores de hoje saibam distinguir um governante excepcional de um governante banal pela simples razão que governantes excepcionais há muito que não se apresentam a eleições. O “tu cá tu lá” dos políticos em campanhas eleitorais, despertando um sentimento de intimidade e familiaridade junto dos eleitores, sendo uma técnica é também a única coisa que, a bem dizer, sabem fazer por não serem justamente pessoas excepcionais.
Penso, no entanto, que os eleitores já perceberam que essas intimidades acabam em ilusões quando os políticos chegam ao poder. É com frequência que ouvimos dizer “são todos iguais”, “prometem uma coisa e fazem outra”. Entrou-se numa banalidade também de alternância confrangedora.
Precisamos, sem dúvida, de pessoas excepcionais. Elas existem, mas não querem brincar o jogo das banalidades. E o poder partidário não arrisca perder eleições.
A excepcionalidade dos governantes está no bom senso, no carácter e no perceber e ouvir os outros.
Enviar um comentário